OBSCENATÓRIO DA IMPRENSA
UMA SACADA FORA (OB) DA CENA (SCENUS) DO LUGAR DA AÇÃO (TORIUS) DA IMPRENSA
–> HOMOFOBIA SELETIVA: O “CU” DE GABEIRA
Se a imprensa paulista (e a nacional a reboque) aproveitou a marcada da campanha de Marta Suplicy, que não foi homofóbica, mas apelou ao senso de moralismo xenofóbico dos eleitores paulistas, e fez contracampanha, inoculando uma sentença judicativa de suposta homofobia, o que dizer do silêncio midiático diante da fala, esta sim, claramente homofóbica do candidato Gabeira, no Rio, na última quinta-feira? Ao ser interpelado por gritos de “viado, viado”, respondeu a homofobia com discriminação: “se sou viado ou não, o problema é meu. Sou casado e pai de dois filhos. Vou trabalhar com a cabeça e não com o cu!”. A notícia é do site Mix Brasil. Sentença que permite extrair do candidato dois entendimentos que ele expressa: um, a redução do homoerotismo ao cu, perigosa redução epistemológica para alguém que precisa fazer a leitura do social e atuar como prefeito. Como será a política de saúde para os homos, no governo Gabeira? Só contemplará a parte da urologia? Outro: a insinuação de que um homo jamais poderá ser prefeito de uma cidade ou exercer atividade intelectual, já que “trabalha com o cu”. Equívocos anais à parte, nenhum pio da imprensa, nem mesmo a imprensa LGBT, que continua massacrando Marta Suplicy, e até aplaudiu a iniciativa de Gabeira. Interesse partidário ou incapacidade de compreender o insulto? Acreditamos no segundo caso.
–> O (DES)ENTENDIMENTO SOBRE DEUS NA IMPRENSA NECRÓFAGA
São comuns as analogias entre a forma como a imprensa se aproveita dos acontecimentos e produz as notícias e a maneira como o urubu se aproveita de ações alheias para se alimentar da carniça. No entanto, a comparação urubulina só vale no reino da fantasia, já que ao urubu não interessa o que seja a imprensa ou a carniça, contanto que a última não lhe falte. Se a notícia é a narrativa do fato, e deve servir ao interesse público, então a imprensa, pela lógica, inexiste. Um acontecimento jornalístico: anos atrás, na cobertura de uma festa religiosa, o repórter pergunta à uma senhora, recém saída da procissão, se ela já teria alcançado muitas graças com a santa do dia. Ela respondeu que já alcançou tantas graças, que até “Deus duvida”. Nem desconfiou o repórter do assassinato de Deus realizado pela gentil senhora, que inverte a ordem hierárquica da teologia cristã, que diz que o santo intercede junto a Deus para conseguir a graça ao fiel, e de quebra, ainda elimina a onipresença e onipotência do Divino. Outro acontecimento: nos rescaldos do caso da adolescente sequestrada pelo ex-namorado, a tevê Globo, irmã siamesa em rapinagem necrológica da Record, acompanha o coração da jovem falecida, num “conto de fadas” jornalístico, onde o Bem prevalecerá sobre o Mal. A irmã da pessoa que recebeu o coração de Eloá, na imperativa necessidade de justificar o fato banal e corriqueiro de receber um órgão transplantado diante do mar de microfones e câmeras, afirmou que a irmã teria dito que o coração foi um “presente de Deus” recebido no dia de seu aniversário. Pergunta-se: terá sido a mão de Deus quem guiou o revólver na mão do apassionatto ex-namorado e puxou o gatilho, para beneficiar uma filha mais querida? À mídia, só importou o fantasioso, o gracioso de um happy end. Pela lógica aplicada, Deus inexiste, nas duas sentenças. A imprensa também.
–> A NEUTRALIDADE E A CREDIBILIDADE DA IMPRENSA ‘SHOW BIZZ’
Em seu cinema engajado “O Quarto Poder”, o grego Costa-Gavras abordou o modus operandi da mídia quando a questão é lucrar com o sofrimento alheio. E extraiu algumas conclusões. Uma delas é a de que a noção de neutralidade é necessária ao pacto necrológico entre canal de comunicação, empresa anunciante e telespectador-consumidor. Quanto mais o canal de comunicação alardeia neutralidade e não-envolvimento nos fatos, mais oferece ao espectador-consumidor a ilusão da credibilidade, que é também aproveitada pelos anunciantes de produtos. No caso do sequestro das adolescentes paulistas, foram expostas as “letras miúdas” do contrato necrológico: a mídia não mais ocultou a necessidade de ser não mais observador, mas protagonista do espetáculo da vida cotidiana. Em meio a rumores de que um repórter da Record foi solicitado pelo próprio namorado rejeitado para “resolver a situação”, a apresentadora de programa explorador do exibicionismo infantilizado, Sônia Abrão, entrevista o sequestrador, e parece não se importar com as complicações psicológicas decorrentes da inclusão de novos agentes na negociação (outros jornais, da Globo e Record, também entrevistaram). Para esta mídia, não há diferença entre noticiar e ser a notícia. Desde que venda. E no crime perfeito da chamada pós-modernidade, todos são ao mesmo tempo vítimas e assassinos, incluindo a mídia e os telespectadores.
–> A NUDEZ INTELECTUAL DO GLOBAL PEDRO CARDOSO
O ator globístico Pedro Cardoso lançou manifesto contra a nudez televisiva, minutos antes de uma exibição do filme “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais”, de Domingos de Oliveira. Cardoso é produtor, e sua namorada, a também atriz globística Graziella Moretto, participa do filme. Segundo o ator globístico, a nudez impede o ato de representar, pois sempre quem fica nu é o ator, e nunca o personagem. Entendimento do qual podem-se extrair algumas enunciações: como ficam as séries e novelas globísticas, das quais Cardoso é tributário, diante da lógica “apelativa” da nudez? Que ator é este que acredita na corporeidade do ator, mas não acredita no corpo da personagem? Brecht, que não cria na composição metafísica das personagens, trabalhava em suas peças a nudez: nudez da signagem capitalística, des-decalcando dos corpos os elementos materiais e imateriais da exploração da mão-de-obra pelo capital. O que é o efeito de Distanciamento (efeito V) senão um desnudamento das relações perversas entre as pessoas, engendrada pelo capitalismo? Mas Cardoso parece preocupado com uma objetização/comercialização da nudez, da qual a sua patroa, a rede Globo, é campeã. Quantos nus reais ele vê na telinha cinematográfica e televisiva nacionais? Nenhum, exceto o simulacro do nu, corpos cobertos por signos subjetivadores. Há em um corpo nu tudo o que se pode imaginar, menos a nudez. Cardoso não corre o risco de perder o emprego.