Os pobres se esquivam pelas barreiras e

cavam túneis que enfraquecem as muralhas.”

(Toni Negri, filósofo italiano)

ADOLFO DE SOUZA: UM FOTÓGRAFO AUTODIDATA

Quem, tendo a oportunidade, nunca se sentiu tentado em colocar o olho no pequeno orifício, observar, escolher o ângulo, enquadrar, com flash/sem flash, o instante, apertar o dedo: estalo, para Roland Barthes; pegar, para Adolfo de Souza. Não é meramente uma operação físico-química. Da proximidade indiscernível entre a câmera e o homem explode uma espécie de animação afetiva de onde resulta um todo-imagem/corpo reproduzido ao infatigável no espaço e no tempo: a Fotografia. Pessoas, paisagens, animais, situações, objetos são pegados pela Pentax analógica de Adolfo de Souza numa perspectiva profissional, como ganha-pão, mas também numa perspectiva amadora, uma vez que ele retira de seu trabalho uma paixão e uma curiosidade ininterruptas. Enquanto mostrava a este bloguinho, falava de detalhes e momentos de suas fotos, remetendo-nos ao punctum de Barthes, “um extra-campo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver”. É assim que o indizível das vivências heterogêneas do povo não registradas ou manipuladas pelas imagens oficiais vai sendo atualizado pelo fotógrafo autodidata Adolfo, que este bloguinho, tendo ao fundo o som de Evaldo Freire, entrevistou:

FOTÓGRAFO — É o seguinte, quando eu comecei a fotografar eu fotografei com uma máquina descartável. Quando eu cheguei em Manaus eu não tinha condições de comprar uma máquina funcional, aí eu já tinha um começo de fotógrafo, mas comecei a trabalhar numas indústrias. A primeira indústria que trabalhei foi na Dran House. Eu saí de lá e fui pra Raiz. Saí da Raiz e fui pro DB do Japiim, não deu certo e eu fui trabalhar no Condomínio Parque Solimões. Trabalhei uns 2 anos, deu um problema lá com o encarregado que queria mandar, então ele não acreditava no nosso trabalho. A gente saía pra ronda e ele ia atrás. O meu colega já tinha falado que a gente saía pra ronda e ele ia atrás da gente. Ele foi chamado atenção porque quando a gente chama alguém pra trabalhar tem que ter confiança naquele trabalhador. Ele ficava de longe no escuro, se escondendo atrás do poste. Aí eu vi ele, chamei ele e disse isso. Aí ele ficou brabo comigo e “ah, eu vou dar tuas contas”. Eu disse que podia dar. No dia seguinte fui assinar a conta. Aí eu peguei a última empresa que foi o C.O. Eu trabalhei lá uns três anos. Aí eu pensei, eu fiz uma jura que não ia mais trabalhar assim pra ninguém. Como eu tinha um começo de fotógrafo, fui comprar meu material pra continuar a minha vida de fotógrafo. E hoje estou com 25 anos fotografando…

BLOGUINHO — No início, como foi?

FOTÓGRAFO Eu comecei a minha profissão de fotógrafo assim de ver na mão dos outros mesmo. Não foi por estudo, não foi por curso, não foi por nada não. Eu já vinha com isso na cabeça há muito tempo. Eu comecei com uma máquina descartável. O meu tio me chamou pra bater umas fotos num aniversário. Fui, bati, só que, pra começar, peguei o ônibus e esqueci a máquina com filme e tudo dentro do ônibus. Aí mais doido eu fiquei. Eu comprei outra máquina descartável. Aí bati umas fotos, e as pessoas apareceram com a cabeça torada, com perna torada, com braço torado. Aí eu fui pegando instrução com meus amigos, meus autores.

BLOGUINHO — Autores?

FOTÓGRAFO — É, eu penei um bocado, eu vi que não dava pra ir pegando tudo assim totalmente da cabeça, aí eu fui pegando instruções com meus autores, principalmente um autor que mora ali no Zumbi I, que me ensinou como tinha que ser. Mas antes de trabalhar legal mesmo, eu penei um bocado: tanto eu perdi filme, como eu perdi serviço de cliente. Já hoje os meus amigos que estão entrando agora, já sou eu que dou as instruções. Se eu sei hoje em dia, isso foi ensinado através de outros. E tem outras coisas: tem que saber como chegar numa igreja, tem que saber como receber o pessoal, como chegar na casa do pessoal pra entregar as fotos, como conversar com as pessoas quando a gente vai apresentar um quadro, uma moldura… Tem que saber chegar tanto faz com o maior como o menor, tem que saber conversar com as pessoas.

BLOGUINHO — Quais são os principais trabalhos que tu fazes?

FOTÓGRAFO — É igreja, aniversário, evento, formatura, casamento… E sou muito chamado pra ir a domicílio, aonde chamarem eu vou, e não tem esse negócio de ser só pra quem é mais ou menos, não, é do pobre, o rico, preto, branco, azul, encarnado, verde, amarelo, tudo eu vou fazer serviço, não tem desse negócio de preconceito não.

BLOGUINHO — E não é só fotografia…

FOTÓGRAFO — Não. Com tudo nós trabalhamos: com quadro, restauração de foto, tudo.

BLOGUINHO — E dá pra ganhar bem o da sobrevivência com a profissão de fotógrafo?

FOTÓGRAFO — Você com pouca família, dá pra você levar, de três a quatro filhos dá pra você sobreviver, sustentar a família numa boa.

BLOGUINHO — Quanto é que tu costumas cobrar, dependendo do trabalho…?

FOTÓGRAFO — Como agora aumentou o número de serviços, eu estou levando o som também…

BLOGUINHO — Ah!, então não é mais somente a fotografia?

FOTÓGRAFO — Não. Agora que eu estou levando o som também, é o evento completo. Eu estou até comprando um jogo de luz para o evento ficar melhor ainda. Se a pessoa quiser o evento completo, por exemplo, um aniversário de criança, que geralmente vai assim de 6h da tarde até meia-noite, dá pra fazer o som por R$ 150,00. Aí eu faço um preço bacana das fotos, eu faço a R$ 6,00 cada. O preço mesmo é R$ 8,00. Foto grande: 15 X 21.

BLOGUINHO — Tens idéia de quantas fotos já bateste?

FOTÓGRAFO — Não, não, milhares…

BLOGUINHO — Tem algum trabalho em especial que tu fizeste e que acabou não sendo pra ti apenas um trabalho, mas que foi prazeroso?

FOTÓGRAFO — Sim, vários. Mas, por exemplo, teve um casamento que, primeiro, só teve uma pessoa que não pagou a foto. Foi lá no Santo Antônio. Essas fotos eu achei ótimas. Me emocionou. Saiu uma coisa legal mesmo.

BLOGUINHO — Fala aí um pouco dessas câmeras que tu usas…

FOTÓGRAFO — Essa aqui é uma Pentax, profissional, depois da Cannon é ela a melhor e mais procurada por fotógrafos. Essa aí é uma Yashica, profissional também. Eu só levo ela pra fotografar. A Pentax eu só levo quando é algum evento grande mesmo.

BLOGUINHO — E a Polaroid?

FOTÓGRAFO — A Polaroid é pra quando você tá numa festa, às vezes nos melhores momentos você quer registrar uma foto sua na hora, aí a gente bate com ela. Esse tipo de foto é mais procurada nos dias de domingo, em banho, em clube, em festas por aí.

BLOGUINHO — Todas elas são analógicas. Você já usou alguma câmera digital?

FOTÓGRAFO — Não, ainda não tenho experiência. Eu tenho curiosidade de usar, mas uma profissional digital que tem aí no mercado. Elas são eficientes, porque até mil fotos elas armazenam, diminui o gasto com filme, você pode escolher antes de revelar, sai delas umas fotos especiais.

BLOGUINHO — Mas em outros aspectos…

FOTÓGRAFO — Mas tem outras coisas, eu vou comprar uma dessas, mas tem de olhar no buraquinho mesmo, senão você perde foto, você olha aqui na telinha e depois bate, se for um serviço muito movimentado, você perde muita coisa.

BLOGUINHO — Você que anda olhando as pessoas, a cidade, qual a imagem que você tem da cidade de Manaus?

FOTÓGRAFO — Eu observo. Essa nossa cidade está precisando de pessoas que tenham mais responsabilidade, tenham mais caráter pela nossa cidade, só querem pegar o dinheiro que arrecadam na cidade e gastar em outra coisa, mas não trabalham no que a cidade está precisando. Na nossa cidade está faltando muita coisa, você passa nessas ruas aí estão todas emburacadas, serviços por fazer, só vão ajeitar no período do inverno, que é justamente pra terem aquela desculpa de que não dá pra fazer.

BLOGUINHO — E você só passando e registrando?

FOTÓGRAFO — Também. Eu já tive uma oportunidade pra fotografar como jornalista, mas eu não quis não, porque o jornalista é muito procurado, muito visado. Se ele fizer uma matéria e souberem que foi ele, ele é procurado. Eu prefiro trabalhar pro povo.

BLOGUINHO — Você é natural do Amazonas?

FOTÓGRAFO — Não, sou paraense.

BLOGUINHO — Mora aqui há quantos anos?

FOTÓGRAFO — Estou com 25 anos. Eu me sinto amazonense, mas tem algumas coisas que eu não deixo não, esse sotaque do Pará, por exemplo.

BLOGUINHO — O que tu pensas desse preconceito que alguns amazonenses têm em relação aos paraenses?

FOTÓGRAFO — Eu acho que é um preconceito desfalcado, porque os paraenses são batalhadores, em parte é isso o preconceito. Mas vêm muitos outros pra cá, não é só do Pará, é do Piauí, é do Maranhão, Rio, de todos os locais, mas quem mais sofre preconceito é o paraense.

BLOGUINHO — Você estudou no Pará?

FOTÓGRAFO — Estudo eu tenho pouco, eu cursei até a 4ª série. Eu fiquei órfão de pai e mãe muito cedo, aos 10 anos, aí eu e meus irmãos fomos divididos entre os parentes. Aonde davam comida pra gente, lá a gente tinha de ficar.

BLOGUINHO — O que tu tens a dizer para as pessoas que querem entrar neste ramo?

FOTÓGRAFO — A pessoa que quer entrar no ramo da fotografia tem que se dedicar, tem que ser muito atenta e ser tranqüila; se for afobada, quiser aprender de um dia pro outro, vai fazer besteira. A pessoa tem que ter uma boa memória, muita atenção e bastante paciência. Tem que pegar umas dicas com quem já conhece; mas não é bicho de sete cabeças não. É o caso de você saber a focação, quando ela sai da revelação, você já sabe, já está vendo o serviço que você fez, as que você focou bem, estas vão sair legais, outras vão sair embaçadas, qualquer vacilada que você der, as fotos saem desfocadas. Você tem que pegar também o momento e a metragem, não tremer, saber como está a luz do dia, dia forte, dia fraco, a máquina tem muito mistério. Mas dá pra pessoa ir aprendendo fácil…

* Estas são algumas fotografias escolhidas por Adolfo e por nós como amostra do seu trabalho: 01- O casamento a que o Adolfo se refere na entrevista como sendo um dos eventos que ele mais gostou de ter realizado; 02- Uma fotografia que o fotógrafo gosta, “podia ser a foto de um calendário”, diz ele; 03- O fotógrafo quando era também cantor; 04- Conhecido em todo o norte/nordeste, fora da mídia, foto de Fernando Mendes; 05- Uma foto interessante, visava-se o muro e o cano de esgoto, mas acabou estranhamente pegando as crianças; 06- O rosto de uma garota, que mostra a capacidade de enquadramento do fotógrafo; 07- Um acidente de motos, que o fotógrafo resolveu registrar; 08- Outros fotógrafos, amigos de Adolfo. A quem tiver interessado no fotógrafo profissional para algum evento, seu número de telefone vai estar no Blog Público, na barra ao lado. A outros que se interessam pela fotografia enquanto “dá a ver o indizível”, procurem o punctum. De qualquer forma, cliquem nas fotos para apreciá-las.

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