…E A VIOLA DE PAULINHO NÃO FOI ASSALTADA PELA COMOÇÃO MIDIÁTICA
Quando uma pessoa, dita celebridade, pela exposição midiática, sofre algum ato considerado pela mentalidade classe média como sendo de violência, a mídia, e sua interface “opinião pública” forjada pelo medo e total ausência de atividade racional, rapidamente explora/multiplica esse medo, levando aos espectadores classe média enviscados pela empatia imbecilizante o ensejo da covarde fuga das grandes cidades e a culpabilização de uma parte da sociedade, principalmente os pobres das favelas, produzidas em séculos de exploração e violação do estado de direito. Quando é um Luciano Huck, a debulhar seu ressentimento por ter tido roubado seu rolex de ouro, quando o próprio (dito filósofo) Renato Janine, comovido com a morte do garoto João Hélio, chega a defender a pena de morte, aí fica fácil para a mídia seqüelada exigir medidas precipitadas, como a redução da maioridade penal ou a pena capital. Com Paulinho da Viola é diferente. Percebe-se o distanciamento brechtiano que o sambista operou, muito diferente do (des)entendimento da subjetividade classe média — como foi recentemente analisada na música Classe Média, de Max Gonzaga, que a compôs para a revista Carta Capital —, ao falar do assalto que ele e sua esposa, Lila Rabello, sofreram no domingo: “O que me espanta é que eu não tive nada. Dormi muito bem na noite seguinte”. Muito diferente da atitude da atriz globólica Helena Rinaldi, que, ao ter no mesmo dia seu carro alvejado por tiros, apela até para um estatuto de cidadania com foros de privilégio: “É um absurdo que paguemos impostos altos e não tenhamos segurança suficiente para impedir esta violência que está em todo lugar e já está sendo banalizada pela sociedade. Se eu não tivesse um carro blindado, privilégio de poucos no País por causa do alto custo desta vantagem, eu poderia nem estar aqui agora”.
O sambista é conhecido, além do seu talento musical, com seu timbre e voz suavedoces, pelo comportamento “tranqüilo”. Nem sempre tranqüilidade significa serenidade; na maioria dos casos, quando ela ocorre por uma situação estável no status quo capitalístico, é apenas aparência decorrente da ilusão de segurança a partir dos objetos que se detém e de um controle emocional forçado pelos narcóticos (não a cocaína, o êxtase, mas a alta roda, as festas narcísicas, etc), que o rodeiam e o dominam quando usados para dissipação da realidade. Nestes casos, rapidamente a tranqüilidade dos controlados se amostra em ressentimento e a reprodução exaustiva da violência, prato cheio e recheado de estardalhaços biliosos para a mídia sensacionalista. Ao contrário disso, desta vez a mídia carniceira não deu sorte, Paulinho da Viola não é tranqüilo, carrega também a serenidade de não se deixar envolver pela emotividade momentânea e não aumentar o bolo na garganta dos homicidas potenciais e nem a sanha de modificação das leis pelas bancadas da direitaça macrofascista.
Por esta tomada de posição, percebe-se que a linha que se flexibiliza e faz ruptura com a mediocridade bairrista, a mesma que o levou a compor uma música como Sinal Fechado, de 1969, que o fazia ver naquele momento que existiam outras ditaduras, além da militar, para resistir: a ditadura da pressa, da comodidade, da dificuldade de comunicação nos personagens da classe média que se encontram em um sinal de trânsito, por isso ele continua fraterno e sem deixar seu samba/vida corromper. Portanto, de Paulinho da Viola nunca se diga que é um homem tranqüilo, passivo, mas um homem/artista sereno que resiste na sua música, na sua posição existencial.
Sinal Fechado
Olá, como vai
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranqüilo, quem sabe?
Quanto tempo…
Pois é, quanto tempo…
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios…
Qual, não tem de que
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo, talvez
Nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo…
Pois é, quanto tempo…
Tanto coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso
Beber alguma coisa rapidamente
Pra semana…
O sinal…
Eu procuro você…
Vai abrir!!! Vai abrir!!!
Eu prometo, não esqueço, não esqueço
Por favor, não esqueça
Adeus… Adeus…