O olhar pode ser dirigido ou não dirigido. No olhar dirigido, o sujeito busca um objeto específico de acordo com sua intencionalidade; no olhar não dirigido o sujeito vagueia sem a determinação de um objeto que lhe venha ao encontro ocular ou no descuido da desatenção fortuita dos objetos que lhe passam despercebidamente. Mas ambos os olhares, o dirigido ou o não dirigido, partem de um sujeito. Resta saber se de um sujeito de enunciação ou de um sujeito sujeitado.

A posição da Câmara Federal em censurar a exposição do fotógrafo Luiz Garrido devido ao nu frontal de Rogéria, uma das mais conhecidas transgêneros do Brasil mundo afora, trouxe-nos essa análise fenomenológica do olhar. O olhar quando tornado dirigido, pelo seu interesse, pode tomar o objeto numa gestalt, como um todo, ou numa fatiação estrutural, tomando parte por parte. Quantos olhares não foram dirigidos para a boca de Rogéria? Quantos olhares não adivinharam seus seios sob a blusa? Quantos não atentaram em seu calcanhar? Quantos olhares não se esquivaram de sua xota? A questão por traz da poeira da falsa polêmica, seria o que não aparece na fotografia: o pênis? (Ainda bem que não somos psicanalistas.) Como disse o fenomenólogo da liberdade, Sartre, “ver é deflorar”. Quantos não a desejaram sem pudor? Quantos não tiveram de fechar os olhos para não pecar?

Logo ela, que foi companheira do comunista Agildo Ribeiro, aclamadíssima atriz de teatro e cinema, que já foi apresentadora de televisão, inúmeras vezes destaque em escolas de samba, um dos ícones da luta GLBT no Brasil, ia aparecer desta vez ao lado de Lula, do atleta Diego Hipólito, Gabeira, Collor, entre outros, e eis salta do fundo para o primeiro plano.

Com a censura a Câmara deixou vazar seu ranço homofóbico: o olhar alucinado. O pecado para a fenomenologia é não conseguir abstrair objeto, o senso comum da percepção visual, o olhar embotado, cristalizado. “Arranca teu olho, se ele te faz pecar”. Lembra daquela empregada russa que chegou na casa do patrão horrorizada depois de uma seção de cinema, dizendo que vira um monte de pessoas despedaçadas? Rogéria ri. Ri daqueles que não conseguem perceber a formação das novas formas de percepção no mundo.

A Câmara poderia fazer a seguinte pergunta: de quem é a xota, Rogéria ou Mônica Veloso?

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1 thought on “A CÂMARA HOMOFÓBICA E O RISO DE ROGÉRIA

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