Se a Vertebral não analisou nada se realizou

 

# “Cara, ainda existe este ente azóico chamado de festival?”, perguntou, surpresa, a Zuma, comendo vorazmente macarronada, depois de vinte anos sem vir a Manaus. “Querida, esta história de morar na fronteira te deixou defasada. Festival sempre existiu e existirá. Os gregos eram geniais com suas dionisíacas teatrais. Com direito a classificação e prêmios aos melhores. E tem mais, com patrocínio do Estado, já que o teatro era considerado serviço público”, afirmou o Eudo, chupando um pedaço de cana. “Tá bom, grególogo festivo. Mas tu estás te esquecendo que as dionisíacas, no estado atheniense, na moral socrática, é demonstração da decadência da estética trágica de Dionísio, como diz Nietzsche, e a supremacia da tragédia aristotélica como purgação da dor. Ou seja, a famosa catarse. A inauguração da estética ressentida que interessava ao nobres e sacerdotes. Mater destes festivais que julgam para dar um tom de seriedade”, comentou a Vany, tentando um bronzeado. “Tens razão, bela Vany-Afrodite. Festival com julgamento é fruto de ressentimento: agradar o outro como tirano que possui o conhecimento classificador. A arte não é para ser julgada, e sim, para ser mostrada. Todo objeto que, para acreditar que existe, necessita do julgamento de um corpo de jurados, pode ser tudo, menos arte. Mais um produto da sociedade de consumo”, analisou o Kuki, entortando uma dose de “Não Chores Por Mim, Dendeca”. “A Papita, ainda me convidou para ir ao FECANI, mas desconsiderei”, falou a Dona, dando peito para Tulinha na rede.

# Para mim, que não fui ao FECANI, mas vi o que as câmaras de TV me permitiram inferir, foi uma tripla segundona TDPM – Transtorno Disfórico Pré Menstrual. Se quiser continuar, é preciso urgentemente uma desconstrução do que está posto, para a construção de um novo festival. Este foi deprimente. O filósofo da música e da audição, o alemão Adorno, morreria outra vez tal a violência sonora com seus tons repetitivos. E o outro filósofo alemão, Nietzsche, se desapaixonaria de Lou Salomé ao ler os textos que se queriam amorosos, mas de profundos ressentimentos perversos e sonambúlicos. E para coroar o caricatural sonoro, apareceu o representante do PFL e PSDB, Peteleco da Viola, com o clichê midiático, “Fala Sério!”. Letra politicamente bem incluída no bloco dos cansei. Falou de mensalão, Valério, Genuíno, Lula e outros, mas não falou dos outros, Sérgio Mota, ministro de Fernando Henrique, pai do mensalão, que comprou votos dos deputados para reeleição de seu chefe. E não falou também do senador Azeredo, do PSDB, tio do valerioduto. E, para expor o sensível e o intelectível dos jurados, foi classificada. É o que dá querer fazer sátira social com elementos supersticiosos. Sem vivência política quântica. De bom mesmo foi a chuva da sexta-feira, que abafou as vozes do apresentador com inflexão de apresentador de boi de Parentins e da apresentadora com inflexão de concurso de miss rodeio.

# Foi um verdadeiro Festival Antalógico. Antropomorfizaram através dos instrumentos musicais os próprios animais, trazendo-os ao palco, onde no centro apareceu uma anta. Coitados dos animais que, depois de sofrerem tanto com a antropomorfização, ainda tiveram que tocar em pé. E assim o Festival Antalógico se distanciou de qualquer possibilidade de construção de ritornelles (Deleuze/Guattari) dos negros, dos selvagens americanos, que, numa relação de vizinhança, deviniaram na habilidade/inteligência destes com a potência sonora daqueles, criando-se novos sons que carregavam todo um povo. Nada da adequação psicoantropormorfizante do antalógico FECANI.

# “Manhê! É verdade que o Maradona vai ser preso quando voltar pra Argentina?”, perguntou o Zezo, botando uma camisa dez da seleção portenha. “Não, minino, quem inventou essa? A imprensa infantilizada?”, respondeu a Deca, empurrando uma lasca de surubim frito e emborcando uma cerveja. “Não, foi o pai do Biu, que me viu falar que ia botar essa camisa aqui pra jogar bola e disse que o Maradona vai ser preso na Argentina e que nunca foi craque, que só fazia aquelas jogadas por que tava cheio de cocaína”. “Onde já se viu cocaína fazer alguém virar craque. Pelo contrário, o Maradona foi cracasso apesar da dependência química, e não por causa dela, já que a cocaína acaba com os ossos e a sensação de euforia, que é rapidíssima, acaba numa puta depressão. Se cocaína tornasse perna-de-pau craque, o brasileirão tava assim ó, de golaço nos gramados”, falou a Leidiani, ajeitando a gola da camisa do Zezo. A Deca secou o copo e acrescentou: “O que acontece é que ele vai depor num inquérito de atropelamento que aconteceu anos atrás, e que por conta dos problemas de saúde dele, nunca deu para ir, é só isso”. “Então deixa eles com o Pelé, que a gente fica com o Maradona, né, tia!”. “Isso aí, maninho, cada um tem o craque que merece”.

# Festival de Veneza diminuiu a intromissão hollywoodiana e deu ênfase ao cinema asiático. Apesar de várias premiações para os filmes (não cinema) americanos, o Leão de Ouro de São Marcos, premiação máxima do festival, foi nesse sábado para ‘Still Life’, do chinês Jia Zhang Ke. Entre as várias categorias, estava presente provavelmente o mais velho diretor em atividade, o português Manoel de Oliveira, com o seu ‘Belle Toujours’, seqüência de ‘A Bela da Tarde’ (‘Belle du Jour’), que Manoel diz ser uma homenagem ao cineasta espanhol Luis Buñuel. O cineasta-filósofo, Alain Resnais, da Nouvelle Vague, levou o Leão de Prata de melhor direção. Mas para este já não existem nem homenagens nem premiações, pois que o kinema de ‘Hiroshima Mon Amour’, ‘Muriel’ e ‘O Ano passado em Marienbad’ movimenta-se além da adequação memorial do olhar cristalizado…

        Cansei do Rock!

                    Mas não visto rosa choque

                                Mesmo que a vaca se enforque

                                                Pelo vaqueiro Mardoque.

Beijos e abraços Vertebrais!

2 thoughts on “COLUNA VERTEBRAL

  1. Lula e a teoria da relatividade
    Um dos filmes que mais causaram impacto em minha vida foi “Em algum lugar do passado”, com Christopher Reeve, uma história de amor lindíssima, em que um escritor apaixona-se pela foto de uma atriz dos anos vinte. Uma paixão tão avassaladora que ele acha uma forma de voltar ao passado para encontrar a moça e viver uma história de amor emocionante. O filme é lindo, a trilha sonora é fabulosa e o tema, instigante: viajar no tempo. Quando Albert Einstein anunciou a sua Teoria da Relatividade, em 1905, viajar no tempo – pelo menos em teoria – deixou de ser algo impossível. Pois outro dia observei uma foto de um grupo de amigos na reunião de comemoração de 30 anos de minha formatura no colégio. Olhei aqueles senhores de cabelos brancos, gordos e carecas e imaginei o que aconteceria se a foto pudesse ser vista por eles quando tinham 16 anos. Já pensou? Você poder ir até o futuro e olhar onde estará, que rumo sua vida tomou?
    Imaginei então uma situação interessante. Alguém inventa uma máquina do tempo. E vai testar. Escolhe uma data aleatória – 1989, por exemplo – e aperta um botão. A máquina traz para o presente ninguém menos que Luís Inácio Lula da Silva.. Aquele de vinte anos atrás. Lula chega meio zonzo:
    – O que é isso, companheiro?
    Sem entender o que acontece, Lula é recebido com carinho, toma uma água, senta-se num sofá e recupera o fôlego.
    – Onde eu tô?
    – No futuro, Presidente. Colocamos em prática a Teoria da Relatividade.
    – Futuro? Logo agora que vou ganhar do Collor, pô! Me manda de volta pro passado! Zé Dirceu! Zé? Cadê o Zé?
    – Calma, Lula. Aproveite para dar uma olhada no seu futuro. Você é o presidente da República!
    – Eu ganhei?
    – Não daquela vez. Mas ganhou em 2002. E foi reeleito em 2006!
    – Reeleito? Eu? Deixa eu ver, deixa eu ver!
    E então Lula senta-se diante de um televisor de plasma. Maravilhado, assiste a um documentário sobre os últimos 20 anos do Brasil. Um sorriso escapa quando a eleição de 2002 é apresentada.
    – Pô, fiquei bonito! Ué. Aquela ali abraçada comigo não é a Marta Suplicy ou o boneco Chuck?
    – Não, Presidente, é a Marisa Letícia, sua galega.
    – Olha! Eu e o Papa! E aquele ali, quem é?
    – É Obama, o Presidente dos Estados Unidos!
    – Arriégua! Êpa! Mas aquele ali abraçado comigo não é o Sarney?
    Com a Roseana? E o que é que o Collor tá fazendo abraçado comigo? O que é isso? Tá de sacanagem?
    – Não, presidente. Esse é o futuro!
    – AAAAhhhhhh! Olha lá o Quércia me abraçando! O Jader Barbalho! Cadê o Genoíno? Cadê o Zé Dirceu?
    – O senhor cortou relações com eles e eles respondem a processo por desvio de dinheiro público.
    – Meus amigos? Me separei deles e fiquei amigo do Quércia?
    – Pois é… Descobriu outros ladrões para se aproximar, o mais conhecidos.
    – E aqueles ali? Não são banqueiros? Com aqueles sorrisos pra mim?
    – Estão agradecendo, Presidente. Os bancos nunca tiveram um resultado tão bom como em seu governo. – Bancos? Os bancos? Você tá de sacanagem. Sacanagem!
    – Calma, Presidente. O povo está gostando, reelegeram o senhor com mais de cinquenta milhões de votos!
    – Mas não pode! Cadê os proletários? Só tô vendo nego da elite ali. Olha o Vicentinho de gravata! E o Jacques Wagner também! Mas que merda é essa?
    – É o futuro, Presidente.
    – E o Walter Mercado? Tá fazendo o quê ali? – Aquela é a Marta Suplicy, Presidente.
    – Ah, não. Não quero! Não quero! Não quero aquele meu terninho.
    Não quero aquele cabelinho. Não quero aquela barbinha. Desliga isso aí!
    – Mas Presidente, esse é o futuro. O senhor vai conseguir tudo
    aquilo que queria. E vai tentar eleger o ministro Dilma
    – Não e não. Essa tal de teoria da relatividade é um perigo.
    – Perigo?!
    – É. As amizades ficam relativas. A moral fica relativa. As
    convicções ficam relativas. Tudo fica relativo.
    “Brasília é a prova definitiva de como o talento pode levar a estupidez às suas extremas conseqüências” (Millor Fernandes) Pt Saudações, e que Deus nos livre dos ladrões. Assis

  2. Furtado,
    sua imaginação está ótima. Sua imaginação, repetimos. Nada de lucidez e razão, como deve ser o processual constituinte democrático.
    Os mesmos que gostavam daquele Lula “radical”, sem saber de nada do conceito “radical” em Marx, “ir na raiz do homem”, hoje o “criticam” (crítica entre aspas) por fazer o Brasil prosperar apesar da dieita estúpida e da mídia sequelada brasileira.
    ABraços afinados!

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