UM MICROFASCISMO NO MOVIMENTO GAY

Só os homens livres são utilíssimos uns aos outros e se ligam uns aos outros pelo laço mais estreito de amizade e se esforçam, por um movimento de amor igual, por fazerem bem uns aos outros e, por conseguinte, só os homens livres são gratíssimos uns para com os outros” (Spinoza).

A maior ameaça à atuação efetiva de um grupo social não são os grupos e instituições cujos interesses lhes são contrários, mas os microfascismos de grupelho que os próprios movimentos sociais carregam.

O músico-itinerante Tom Zé, no tempo da ditadura, quando fazia shows em centros comunitários e universidades, e se surpreendia com o público que sabia de cor suas canções sem que elas tocassem nem em rádio pirata, costumava referir-se ao conceito de “Hospedar o Inimigo”, atribuído por ele ao filo-pedagogo Paulo Freire. Hospedar o inimigo, nas palavras de Tom Zé significa “de tanto, viver com o inimigo, de tanto ficar perto dele, de tanto conviver com ele, quando temos a chance de fazer algo diferente, a chance de agir sem o julgo direto da força do inimigo… a gente age igualzinho a ele”. Tom Zé se referia aos movimentos de esquerda que, aproximando-se o fim da ditadura e da censura, não apresentava-se como alternativa que se diferenciasse da direita. Já naquele tempo!

O movimento LGBT, como outros movimentos de minoria, sofre todo tipo de violentação social, tanto individual quanto institucionalmente. Como minoria, é clivado socialmente através dos enunciados de capturação das produções culturais em posição semelhante a de negros, mulheres, povos nativos, sem-terra, dentre outros. Minorias que numericamente e intensivamente são maioria, das quais o capitalismo e o Estado Burguês não pode prescindir, mas que adesiva como segmentos “marginais”, que não fazem parte do cerne da sociedade. Daí a atuação institucional – de governos, principalmente, mas não somente – em relação a estes grupos ser quase sempre de caráter repressivo, de interdição.

Mas e quando setores do movimento gay, ou mesmo homoeróticos que não atuam em movimentos sociais são capturados pelo mesmo enunciado laminador discriminatório do qual são alvos, e passam de discriminados a discriminador? Quando o dedo julgador, que atribui valores exógenos e socialmente depreciadores, deixa de apontar para os gays, e parte deles para apontar a um outro segmento, daí temos estabelecido o o microfascismo de grupelhos.

Um viés do enunciado julgador é o que vem de alguns setores das igrejas: o delírio messiânico paranóide que perpassa o Deus da Igreja Católica e derivadas e o Deus dos extremistas islâmicos. Não apenas eles, mas no plano da cultural ocidental, são os dois que predominam. A nenhum homoerótico, mesmo que jamais tenha militado socialmente, é vedado saber que os eva(disa)ngélicos (nada a ver com Cristo), católicos extremados (idem) e islâmicos extremistas (nem todos os islâmicos são homofóbicos) são contrários à sua existência, entendendo como desviante e patológico a orientação sexual/erótica homo.

Por isto mesmo não é vedado a qualquer homoerótico – como de resto, a qualquer pessoa – compreender como esse enunciado se construiu, e de que maneira ele captura as pessoas. Como afirmou Freud, que nestas horas acerta, toda estupidez é produto da repressão. Todo enunciado julgador, da moral de classe, que segrega, classifica, identifica, rotula e discrimina, só encontra porto seguro na ignorância e no medo. Daí pessoas sequeladas na sua própria existência, em geral inseguras, tolhidas na sua infância, adolescência e vida adulta de experiências diversas, serem os principais veículos do enunciado da discriminação. Mais que a exclusão, é a interdição a causa da discriminação.

Igualmente, não há diferenças nem nuances no enunciado da privação/interdição. Negros, pobres, mulheres, gays, muçulmanos, judeus, todos são igualados no ato xenofóbico/paranóide.

Assim, um homoerótico que odeia muçulmanos e se regozija com o massacre em Gaza não é diferente de um muçulmano extremista que se regozija com a morte de gays. Ambos são espíritos (mentes) aprisionadas no enunciado segregador. Não pensam por si, mas reagem, numa condição de infantilização que não é a das crianças, mas a dos adultos “xuxeados”, incapazes de enxergar nuances, realizar abstrações. Daltonismo epistemológico.

No século passado, a condição de miserabilidade social e econômica da Alemanha pós 1a Guerra decidiu que os bodes expiatórios do seu infortúnio seriam os judeus. Mas não deixou de perseguir os negros, os gays. Alguns anos depois, os judeus, capturados pela força tanática de uma religião delirante escolheram os palestinos – em sua maioria, mas não todos, muçulmanos – como bodes expiatórios para a sua condição de povo capturado pela Má Consciência (Nietzsche).

Não será acreditando que “quem faz mal ao meu inimigo é meu amigo” que os gays farão a revolução da aceitação desejante da sua orientação sexual/erótica pela sociedade. Não é com a estupidez que se combate a estupidez. Não é odiando todos os brancos que os negros conseguirão superar a sua condição histórica de explorado pelo capital, mas com medidas afirmativas.

Da mesma maneira, um gay que odeia todos os evangélicos, católicos, muçulmanos, diz mais de si mesmo, de sua condição enquanto aprisionado, capturado, servil, estupidificado, ignorante do próprio corpo e de suas conexões intensivas, simulacro do sexo, do que do próprio movimento gay. É insuportável consequência sem jamais conseguir ser causa, movimento intensivo que enfraquece e efetivamente luta contra a discriminação. Não é sequer gay, já que gay é a alegria que transborda o Si e o mundo naturado. A privação, a interdição não fazem parte do mundo gay.

Significa também que, mais que medidas repressivas – necessárias numa situação social de “desigualdade entre iguais”, como é o caso, por exemplo, da Lei Maria da Penha e do PLC 122/06 – é preciso produzir um movimento intensivo, onda cultural de produção de saberes e dizeres enfraquecedores do enunciado da repressão e do medo. Ou como afirma o psiquiatra anti-psiquiatria, Franco Rotelli:

O que penso é que as coisas podem mudar e que o único caminho correto é a batalha cultural e não legal (leis, códigos). Uma batalha que se combate no interior da relação com jovens gerações, por meio de uma modificação cultural do estado de coisas, das condições dos jovens”.

Beijucas, até a próxima, e lembrem-se, menin@s:

FAÇA O MUNDO GAY!

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