UMA SACADA FORA (OB) DA CENA (SCENUS) DO LUGAR DA AÇÃO (TORIUS) DA IMPRENSA

–> A BONDADE, A JUSTIÇA E A CARIDADE MIDIÁTICAS NO CASO ELOÁ.

A mídia necrófila suga até a última gota dos fatos, transformando-os em notícia. Até uma palavra, uma gota de sangue, se “bem” aproveitados, dão meia hora de “notícia”. Algumas vezes, a mídia deliberadamente e sem escusas, sai da sua condição de autodefesa, a de que pretende informar com isenção, para abraçar certas campanhas ditas de caridade. Após explorar até o último filão do caso Lindemberg/Eloá (ao menos até o próximo espirro de Lindemberg na cadeia, ou a próxima revelação bombástica da sobrevivente sequestrada), a mídia agora ataca de transformar a dor em esperança. Mostra os beneficiários com a decisão da família da moça em doar os órgãos, e aponta um aumento do número de doadores, desde que começou esse filão benemerente. Crente que elogio em boca própria é vitupério, a mídia apenas joga a linha, noticiando o aumento, esperando que o esperto telespectador-videota fisgue o anzol e reconheça que ela, a mídia, tem responsabilidade neste aumento, como divulgadora e propagadora da atitude do Bem. Seria a tal responsabilidade social? De qualquer sorte, o preconceito contra a doação de órgãos quase sempre tem origem na ignorância, no desconhecimento, no enunciado supersticioso das igrejas. Enunciado repetido à exaustão pela mídia, através de suas corruptelas, o culto ao simulacro do corpo, o consumismo constante, o individualismo como modo de existir. A caridade só tem razão de existir em um mundo onde a miséria seja a regra. Se o que move os doadores de órgãos que aumentaram as estatísticas da saúde é a compaixão, então nada mudou, e teremos que sacrificar uma nova Eloá por semana para que os índices de doação não voltem aos anteriores. A mídia apenas embarca no plano da espetacularização da dor. Como diz Saramago, direto da Ilha de Lanzarote, mas vendo o mundo com maior acuidade que os arautos da opinião pública: “a caridade é o que resta quando não há bondade nem justiça”.

–> OS INTERESSES DA MÍDIA APARECEM NAS MANCHETES (I)

A linguagem, do ponto de vista da chamada comunicação de massas, é simples: como seu objetivo não é comunicar, mas ordenar, ela está sempre numa figuração imperativa, mesmo que o modo verbal seja outro. Quando se trata de uma chamada para uma matéria cujo objetivo é fazer crer, a linguagem é objetiva: “Fulano Fez”, “Cicrano Afirmou”. Quando se trata de confundir (o efeito negativo do imperativo, o “não”, usam-se dos mesmos recursos. A manchete de notícia da Folha de São Paulo do último dia 06 é um exemplo disso: “Delegado Afirma Ter Sofrido ‘Violência’ em uma ‘Trama’”. Assim mesmo, sem nomes, sem referências. Quem quiser saber de que delegado se trata, e de que “trama” – as aspas fazem a diferença, ainda que para destacar a fala atribuída a outrem – ele está falando. A Folha de São Paulo avisou a Daniel Dantas, meses antes de sua prisão, que uma investigação estava ocorrendo. Tem, portanto, ligações íntimas com o acusado pela operação Satiagraha. Quando a notícia não é lesiva ao inimigo, não se usa o nome dele nas manchetes. O texto da notícia é igualmente evasivo, evita tomar posições, como se as acusações de Protógenes fossem apenas dele. Aridez informativa. Fosse DD o falante, certamente a notícia teria mais destaque. Não por acaso a mesma operação anti-Satiagraha que prendeu, violentou e tramou (sem as aspas, assim mesmo) contra Protógenes, De Sanctis e Lacerda evitou citar jornalistas judicialmente envolvidos na investigação, e de veículos envolvidos, como a própria Folha. Advogam em causa própria, e não é no editorial do jornal.

–> OS INTERESSES DA MÍDIA APARECEM NAS MANCHETES (II)

Quando o governo ajuda, a manchete fica mais fácil ainda de se fazer. É o caso da atuação pífia do Ministro da Justiça, Tarso Genro, na condução da Polícia Federal e a sua facção pró-Daniel Dantas. O colunista Kennedy Alencar deita e rola, primeiro elogia o ministro na sua atuação contra o abafamento dos casos de tortura durante a ditadura, para em seguida chamá-lo de ditatorial na operação que invadiu a casa de Protógenes e pode levá-lo à prisão. O título da nota: “Os Polêmicos Tarso e Protógenes”. Esquece-se, no entanto, de Daniel Dantas, aquele cujos tentáculos organizacionais incluem o jornal onde ele trabalha. Discutir a amplitude da operação Satiagraha, e o porquê do abafamento multinstitucional do caso (PF, STF, Ministério da Justiça, Grande Mídia), nem pensar. Alencar somente cita DD de passagem, como o acusado na operação que não deu certo. Enquanto Protógenes pode ser preso, o delegado Bruno, aquele que vazou a foto do dinheiro dos “aloprados” para a rede Globo continua delegando. E a mídia favorável a Dantas continua atuando, ainda mais quando facilitada pela atuação pífia, para não dizer conivente do governo brasileiro.

–> A MÍDIA NÃO QUER INFORMAR; QUER PROTAGONIZAR (I)

Tempos sombrios para a arte, quando o artista é mais importante que a obra, ou quando a visibilidade social se presta menos ao conhecimento que ao panoptismo travestido de fascinação vouyeurística. O mesmo vale para o jornalismo: quando o repórter é mais importante que a notícia, então já não há mais jornalismo. Na rede Globo, no último dia 04, em plena eleição estadunidense, o repórter e dublê de erudito Pedro Bial, teve um ataque de ódio com a equipe técnica do Jornal Nacional. Tudo porque ele era o escalado para trazer notícias dos EUA, e na hora, por problemas técnicos, quem entrou para dar as notícias foi outra apresentadora. O que vale mais, a notícia ou o noticiador? Para Bial, vítima do simulacro do reality show televisivo, mais vale o ideal dele mesmo. Ainda que como espectro, ele desapareça na telinha tão rápido quanto a informação que trouxe, e tenha tanta importância quanto ela.

–> A MÍDIA NÃO QUER INFORMAR; QUER PROTAGONIZAR (II)

Se o espetáculo translúcido do desaparecimento de Bial provocou uma crise agressiva do intemperado jornalista, é quase certo que ele ficaria felicíssimo se fosse ele o protagonista do mais recente “boom” telemático da tevê estadunidense, vanguarda mundial (inclusive na desfaçatez nas práticas politicofastras). Na cobertura das eleições presidenciais, a CNN colocou em seu estúdio, em Nova Iorque, imagem holográfica da repórter Jessica Yellin, que estava em Chicago. Uma dúzia de câmeras em HD filmaram a repórter de vários ângulos e sua imagem foi reproduzida no estúdio. O hiper-real se fazendo hiper-ultra real na sociedade midiotizada. A mídia holográfica não se diferencia da mídia analógica: não houve nenhuma mudança na forma como a notícia é produzida. Pouco importa aos iraquianos que a CNN, em consonância com o governo Bush, afirme a existência de armas de destruição em massa no Iraque com uma repórter holográfica ou com uma nota em papel lida pelo apresentador: os efeitos catastróficos de um terrorismo de Estado já se instalaram por lá. Quanto ao repórter, que já não existe como corpo-potência produtor, já o era exatamente por isso, espectral. A tecnologia apenas se encarregou de dar forma perceptiva ao que já, há muito, é um telejornalismo holográfico, espectral, inexistente.

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