O ENUNCIADO RELIGIOSO E A HOMOFOBIA

A Bíblia e o Corão, os dois livros das principais religiões do mundo, condenam a prática homoerótica. Não é para menos. Quando essas religiões começaram a se disseminar, as práticas corporais e a diversidade de cultos a deuses e entidades da natureza era tamanha que muito dificilmente se poderia algum culto ou teologia específica se estabelecer como a predominante.

Daí a igreja, sobretudo a apostólica romana, investir na conversão de reis e imperadores. Foi no século IV que o imperador romano Constantino – por motivações bem terrenas, claro – aderiu ao Cristianismo. Segundo registros da época, Constantino teria esmagado seu adversárioao trono de Roma, Maxêncio, após ter duas visões e ouvir a voz do próprio Cristo, que lhe ordenou inscrever as iniciais XP nos escudos de seu exército. Na prática, Constantino aderiu à religião para desestabilizar seu oponente, criando focos de resistência favoráveis a ele no território controlado pelo inimigo.

Daí, para se transformar em religião oficial, foi um pulo. Para disseminar os enunciados de controle das produções dos corpos, foi preciso mais. Com a ajuda de técnicas teatrais, a igreja criou o ritual da missa, catarse quase metafísica, que os cultos disangélicos modernos tentam igualar, sem sucesso.

Para manter a força desses enunciados, que determinam a vida e a morte, e que fizeram parte da estrutura política da Europa durante mais de uma dezena de século, é preciso um controle da produção subjetiva dos corpos. Tudo o que está determinado como norma, seja na bíblia, seja no Corão, tem um teor menos religioso que político. Tem por função inscrever no corpo social (e no corpo físico, como realidade política individual) os modos de ser que conservam a estrutura e a validade dos enunciados da igreja.

Enunciados estes que carregam no elemento da dor, da culpa e do ressentimento como esteios semiológicos. A penitência, o pecado original, o sofrimento como purgação, o paraíso após a morte para os que foram humilhados em vida, o erro e o perdão, a remissão, a indulgência, são elementos do enunciado religioso de um Cristianismo sem Cristo.

Daí se compreender que produções que tornem o existir menos dependente da dor, da culpa e do ressentimento sejam contrários ao enunciado do Cristianismo. Mesmo o ato sexual entre corpos biologicamente compatíveis com o “crescei e multiplicai” – entendido da forma errada – é considerado pecaminoso. Sexo, só para a reprodução. E não pensais vós que tais enunciados estão démodé. Basta ligar em qualquer programa disangélico ou das versões mais “light” das igrejas católicas (há diferença entre o bispo Macedo e o padre Marcelo Rossi ou Antonio Maria? Há sim: Macedo tem mais saque e conhecimento. O resto, são business). Se macho e fêmea não podem usar suas ferramentas do sexo senão para uma função, a reprodutiva, o que sobra para o homoerotismo? A aberração, o a-normal, a bestialidade, o não-humano. Ao menos sob o olhar da tribo do Rato Cantor.

Daí não ser nenhuma surpresa e nem ser mais causa de indignação quando o Arcebispo de Madrid, Antonio Rouco Varela, afirmaque o matrimônio homoerótico é, na sua concepção, “a rebeldia do homem contra seus limites biológicos, ir de encontro à realidade”. Não cabe ao movimento GLBT enxergar em Antonio (que é um sujeito perigoso, senão não seria arcebispo) a fonte do mal. Ele é apenas o vetor de um enunciado milenar, que se combate culturalmente, enfraquecendo seus elementos constitutivos: a dor, o ressentimento, a culpa, a necessidade de se crer numa visível superstição. Crer em Deus não é crer na igreja. Cristo não fundou nenhuma igreja, nem deixou franquia para São Paulo, que colocou o palestino eternamente pregado à uma cruz e submeteu o mundo a um regime de signos da dor e da culpa. Tal regime não faz parte do Mundo Gay.

Deus é Gay, amor!

E agora vamos ver os sopros gayzísticos (ou não) que passaram no nosso Mundico!

Φ XII PARADA GAY DE SAMPA!!!! UIIIIIIIII!!!!! Ano passado foram mais de 3,5 milhões de participantes, e a expectativa este ano é bater o recorde! Que lindo, tanto gatinho e gatinha solto, engajado na luta pela causa GLBT! Este ano, além da Parada, que é hoje (ainda dá tempo de ir, Baby! Vai logo!), houve uma série de eventos preparatórios, os aquecimentos, como são chamados: Oficinas com temas como Saúde, Erotismo e Direitos, Debates, a 6ª Caminhada Lésbica, o 8º Gay Day, a 8ª Feira Cultural GLBT e o 8º Prêmio Cidadania, que ilustra iniciativas nos diversos setores da sociedade em prol do movimento GLBT e que este ano, entre outros, agraciou o GAPA, a peça teatral “Good Morning, São Paulo”, que conta histórias e crônicas sobre a AIDS com elenco de homoeróticos e prostitutas, o Grupo SOMOSe o jornal “O Lampião da Esquina”, pioneiros no movimento (leia aquia lista completa). Que o evento seja repleto de alegria, de muita curtição (com precaução) e beijos, mas que não se tire de foco o objetivo da parada. O tema deste ano é “Homofobia Mata! Por um Estado laico de fato!”, e não se pode perder de vista que um movimento social do porte do GLBT não pode se resumir a avançar apenas economicamente, sendo respeitado como consumidor, mas como potência criadora de novas formas de agir e sentir, enfraquecendo a subjetividade dura que não se pretende gay (alegre). Sentiu a brisa, Neném?

Φ PRESIDENTE DA GÂMBIA AMEAÇA CORTAR CABEÇAS DE GAYS. Não, não é uma releitura de “Alice no País das Maravilhas”, e nem o presidente Yahya Jammeh tem nada em comum com a Rainha de Copas. Mas o presidente do país africano, que já disse em cadeia de rádio e tevê que teria encontrado a cura da AIDS, agora lançou uma campanha nacional midiática onde afirma que irá decapitar os homoeróticos que não saírem do país. Além da homofobia, há um componente de xenofobia na campanha: é que muitos homoeróticos senegaleses fogem para a Gâmbia temendo represálias em seu país. Jammeh afirma que seu país é muçulmano e cristão, e por isso não vai tolerar a presença de pessoas que te práticas condenadas nos dois livros. No entanto, a força GLBT já se faz presente através de boicotes internacionais que já se organizam contra o país. Sem grandes reservas de recursos naturais, o turismo é a maior fonte de renda da Gâmbia. Com a atitude, o presidente do país corre o risco de ver as torneiras financeiras internacionais (doadores e o fluxo de turistas) se fecharem. No entanto, esta não é uma solução democrática, já que o empobrecimento do país ameaça à toda a população, e a Gâmbia não é diferente de outras ditaduras africanas, herança do colonialismo predatório dos europeus sobre o continente. Sentiu a brisa, Neném?

Φ PANORAMA DA HOMOFOBIA BRAZINIQUIM. A Associação da Parada Gay de São Paulo divulgou pesquisa onde revela que 70% dos homoeróticos, bieróticos e transeróticos da cidade de São Paulo já sofreu algum tipo de agressão homofóbica. Destes, 59% foi agredido fisicamente em algum momento de sua vida. A maior parte das agressões é feita em ambientes públicos e por desconhecidos, e a população trans é a maior vítima da homofobia. Portanto, afirmar que apenas as conquistas da ordem econômicas são suficientes para diminuir o preconceito e a violência é se equivocar quanto ao enfraquecimento dos enunciados do capitalismo burguês que produziram o olhar a-normalizante sobre os GLBT. Ainda há muito por se fazer, e em todas as esferas. Sentiu a brisa, Neném?

Φ SUS REALIZA CIRURGIAS DE TRANSGENITALIZAÇÃO. O Sistema Único de Saúde vai oferecera partir deste ano (outubro ou novembro) a cirurgia de transgenitalização, conhecida popularmente como cirurgia de mudança de sexo. A notícia foi dada pela representante do sistema, Ana Maria Costa, na Conferência GLBT do Rio de Janeiro. Segundo dados do Ministério da Saúde, existe uma demanda reprimida de mil pessoas no Brasil que desejam realizar a cirurgia. O procedimento durará dois anos, e será iniciado com o interessado procurando o serviço em um posto de saúde. Após acompanhamento médico e psicológico, se o candidato não desistir, será operado. Por enquanto, a mudança ocorrerá somente do órgão masculino para o feminino. Sinal de que as demandas GLBT estão na pauta de políticas públicas do governo. Há os que defendem que a cirurgia não é prioritária, e que o SUS deveria usar os recursos para outras áreas. No entanto, o entendimento de saúde dessas pessoas não passa pela saúde como produção de um organismo-cidade sadio, produtor de condições satisfatórias de existência para todos. Se o SUS precisa de mais recursos e de uma outra forma de gestão, não será negando aos transeróticos o direito à mudança no órgão genital, mas articulando comunitariamente políticas públicas não apenas na área da saúde, mas em todas as esferas do convívio humano, a fim de eliminar não a doença, mas suas causas. Significa, por exemplo, não investir somente no aumento da oferta de cirurgias cardíacas, mas na pesquisa e no trabalho de educação alimentar, com vistas a mudar hábitos de comportamento e alimentares das pessoas, a fim de diminuir a quantidade de pessoas que precisem desta cirurgia. Então, a iniciativa governamental é válida, e não é mérito apenas do governo federal, mas dos movimentos GLBT de todo o país. Depois dessas cirurgias, vai aparecer cada gatíssima linda e bem resolvida no pedaço, ui ui ui ui ui… Sentiu a brisa, Neném?

Beijucas, até a próxima, e lembrem-se, menin@s:

FAÇA O MUNDO GAY!

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