O TELE-JORNAL E A DOR
O medium televisivo, enquanto intermediário eletrônico, carrega em seus sistemas de sinais e informação uma função-linguagem específica. Esta age de acordo com o regime de signos (semiótica) próprio a este medium que é o significante que remete o signo ao signo. Seus transportadores de entretenimento vazio (revistas eletrônicas semanais, programas de auditório, de humor estagnado-preconceituoso-homofóbico) e em especial de noticias esfaceladas (telejornais), entre outros, são organizados, repartidos e passados ao público-telespectador obedecendo a estes pressupostos de forma que reforcem a linha dura do estado de coisas que impede a criação coletiva.
Do Conceitos Tele e Jornal
& Tele provém da forma grega tele, distante, ao longe. Usado como prefixo em telecomunicação para denotar o estreitamento da distância entre espaços através de médias (intermediários) eletrônicos. Nestes teles a presença passa a existir quando a separação entre Fonte (codificador) e um receptor (decodificador) atinge o máximo. Daí a noticia nos tele-jornais estipularem uma aproximação física-psicológica de imagens e sons, mas intensificar a distância do entendimento como reflexão critica entre o tele-espectador e as noticias.
& Jornal vem de jornada. É transportador de noticias. Pode ser produzido e divulgado a partir de uma variedade de intermediários e por diversos sinais: letras (impressão), som (rádio), audiovisual eletrônico, digitalizado (tevê, informática).
A TV Icônica e o Tele-Jornal
O medium televisivo é organizado através do ícone. Classe de signo que remete a uma semelhança direta. Não requer um esforço intelectual para que seus sinais e imagens sejam captados. Na tevê icônica não há a possibilidade do tele-espectador realizar uma reflexão critica a partir das imagens e sons que ela transmite. Ela age de forma hipnótica. Todavia, diferente do que o americano McLuhan sustenta como sendo o conjunto de pontos luminosos que preenche a tela da TV, deixando espaços vazios que devem ser ocupados pela percepção do telespectador, o caráter hipnotizante da TV é a própria estrutura do medium televisivo que realiza o ato hipnotizante. Esta estrutura não se resume ao seu aspecto eletromagnético, mas à inexistência de comunicação, a impossibilidade de decodificação por parte do tele-espectador, a sobrecodificação de signos imagéticos e de sons, a paralisação cognitiva e o significante que remete ao significante, rasteiramente, deslocando o significante televisivo para o significante familiar que constituem a TV tanto como uma semelhança direta como dispositivo hipnotizador.
O tele-jornal funciona dentro desta estrutura, pois não trabalha a noticia como um acontecimento dentro de uma realidade natural (mundo das coisas) e histórica (mundo dos homens) que se torna pública. A composição de acasos que engendra o acontecimento, que é interpretado a partir das experiências dos envolvidos e assim constitui o fato, que é decodificado e passado como noticia a outros, é desprezado pelo tele-jornal. A notícia como práxis no mundo é inexistente nos tele-jornais. Para o tele-jornal a noticia é sem profundidade. Ela apenas deve encarnar o estado de coisas rígido, dissipa e fragmenta a realidade, uma vez que a trata como mera eventualidade, algo irrelevante à Vida (movimento intenso que corre por fora da realidade estagnada). É desta forma que o apresentador do Jornal Nacional, William Simpson Bonner, pode comparar o seu telespectador com o personagem Homer Simpson, o estereótipo do retardamento americano; que Carlos Nascimento pode usar uma linguagem coloquial e fazer comentários vazios sobre as reportagens apresentadas pelo tele-jornal na rede SBT de televisão em que é funcionário. Tais atos são possíveis porque o tele-jornal como o medium televisivo faz-se uso da função-linguagem fática (Ramon Jakobson), linguagem de contato onde os sinais televisivos são usados de forma a estabelecer uma reciprocidade entre a identidade-TV e a identidade-familiar.
Da Predominância da Dor
A escalada (noticias selecionadas como principais) que os tele-jornais priorizam são aquelas que proporcionam a dor. Esta preocupação se dá em razão dos tele-jornais agirem de acordo com uma linguagem emocional, onde o que importa é a Padronização das Emoções (Paul Virilio). O conjunto apresentador-noticias superficiais deve ser colocada ao público-telespectador de maneira que gere a comoção, a pena, a compaixão, a culpa, a indignação, o medo, a des-sexualização do sexo, a ética como moralidade, a corrupção unívoca, entre outros sentimentos constituídos, para afirmar a estagnação intelectual do tele-espectador, ganhar a confiança da família e ser bem aceito nos lares. Tudo isto precisa ser visto e sentido. Deve-se ter um fundo onde este conjunto apareça nitidamente, onde estas expressões saltem ao lares e a empatia seja realizada. Esta substância de expressão é a rostidade, os traços que vão se formando e se petrificando no rosto do apresentador. A dor é a sua maior ejaculação. Seu rosto cristaliza as emoções padronizadas e leva até a casa, ao ambiente familiar a confiança de se ter um apresentador que não somente transmite noticias,mas que as sente, que se comove, que chora e se indigna com a situação do país e do mundo. Seu rosto torna público a dissipação da realidade feita pelas noticias vazias, seu rosto é a grande arena da intolerância, da tirania do telejornal que não informa, não comunica, não movimenta a alegria de agir pela inteligência. Mas há o final do tele-jornal. Aí vem as notícias amenas, a esperança. E seu rosto ensaia um sorriso, mas os traços formados são estereotipados e seu sorriso é a marca da dor que é o bojo de suas intenções. Como o tirano, a TV quer implantar a tristeza nos corpos. Sem a dor o tele-jornal e a tevê, que funcionam desta forma, não existiriam em uma subjetividade capitalística.
& Esta coluna acredita na possibilidade da expansão da consciência pelas experiências autênticas que fazem soltar novas percepções, a criação de novos olhares sobre o mundo. Na alegria-estética de perceber o medium televisivo como uma violência à inteligência coletiva, contamos com a sua contribuição.