O SAPATEIRO CÂNDIDO E O SAPATO PRÓ BUSH
Já se comentou: o sapato é a peça mais ‘banderosa’ do conjunto indumentária do corpo humano do ponto de vista selecionador, classificador e hierarquizador. O sapato mostra a classe e condição econômica/social de seu usuário na sociedade de consumo burguês. Assim como um cavalo se conhece pelos dentes, um homem consumista se conhece pelo sapato. “Que mulher elegante! Olha só o sapato!” “Esse é um homem inteligente. Olha o sapato que traz.” São inúmeras as exclamações ‘sapatistas’. Não é para menos. Na condição do corpus-burguês, o sapato é a única peça que o homem e a mulher não podem prescindir para se apresentar no Espaço da Aparência e ser notado em sua visibilidade social. É a única peça que pode ser ostentada como um espécie de humilhação ao outro em forma de cruzamento de pernas, as pernas sobre uma cadeira, entre tantas formas de expressividades ‘sapatoegóicas’.
Um homem pode se apresentar no Espaço Público sem cueca, sem carteira, uma mulher pode se apresentar sem calcinha, sutiã, mas vão os dois se apresentar sem sapatos; dançam nos vitupérios judicativos dos ‘sapateados’. Os com sapatos. É possível, que em razão de qualquer pessoa, seja da classe que for, ter sapatos, não se criou o MSP – Movimento dos Sem Sapatos. Se criado fosse, morreria no mesmo momento, tal a ausência de força política.
Em função de sua hegemonia social, o sapato sempre teve na crista da onda em qualquer instância e estados de coisas. Nas artes, por exemplo. As pinturas estão repletas. No cinema. Planos e mais planos sobre eles. Na Psicanálise, Freud fundamentou seu valor/fálico para se chegar aos “segredinhos sujos” do inconsciente. O sapato olhado por fora é um símbolo-sexual masculino: uma caceta. Olhado em seu interior: uma xota. Quando o homem deseja seu sapato, realiza sua bissexualidade: compõe com a caceta, aos mesmo tempo que compõe com a xota. O mesmo acontecendo com a mulher. “Doutor, sonhei com meu sapato!” “Acordou feliz?” “Acordei!” “Então, não precisa da análise de hoje.” Coisas do Freud. Mas também coisas dos Surrealistas. Na política, temos que ser bairristas: o sapato tem posição privilegiada em Manaus. Nos tempos antes ditadura, um governador levou uma sapatada na cara em plena via pública, ficou marcado. Na Assembléia Legislativa, uma deputada mandou seu sapato em um deputado seu desafeto. E também, não é à toa que se coloca na janela, véspera de Natal, o sapato. O único objeto/corpo/humano em condição de carregar a alegria do presente natalino. É a criança já revelando o poder do sapato. Que seja mágico. É a força da ‘sapatolatria’ tecendo seus códigos.
A SAPATADA E O SAPATEIRO
Assim, de passo em passo, o sapato vai deixando seu rastro. Hoje, o grande rastro é a sapatada do jornalista árabe em direção a Bush. Seu ato apoiado pela maioria da população do planeta terra, e que lhe rendeu a estúpida prisão e a cruel e desumana tortura, carrega a força subjetiva do pretender o fim do imperialismo norte-americano travestido em todas forças espalhadas em vários países submissos ao capitalismo ianque.
Desta forma, na onda do sapato-libertador, esse bloguinho intempestivo teve uma brevíssima conversa com aquele que mais entende de sapato, mais que as empresas fabricantes de sapatos, o artesão de muitas caminhadas históricas. No caso especial, o sapateiro Cândido, um dos últimos sobreviventes do poderio das tecnologias. De tanta sobrevivência, tem sua banca na calçada na rua Comendador Clementino, próximo ao Colégio Ribeiro da Cunha.
CONVERSA EM UMA CALÇADA PERIGOSA
BLOG INTEMPESTIVO — O sapato do jornalista árabe está proporcionando lucro a muitas pessoas. O lucro já chegou em ti?
CÂNDIDO — Não. Acho que porque Manaus é muito provinciana. Os fregueses continuam os mesmos, embora alguns transeuntes passem por aqui e comentem o ocorrido.
BI — Nas tuas contas, quanto pode custar o par de sapatos do árabe?
C — Não posso calcular, porque não vi o sapato.
BI (Com ar de babaca) — Cara tu és um dos poucos no mundo que não viu o ato libertador.
C (Sorrindo) — E olha que eu entendo de política internacional, principalmente a questão Palestina.
BI (Tentando tirar as broncas) — Dizem que o sapato tem tamanho maior que 40. Quanto valeria?
C (Gargalhando) — O preço de um sapato não está no tamanho, mas na matéria prima usada e a técnica que ele é confeccionado.
BI (Mais otário) — Tá bom. Mas qual é o mais caro: um sapato com base de borracha ou sola?
C (Debochando) — O de couro, meu!
BI — Tu acreditas que os militares devolveram os sapatos do jornalistas ou venderam, em função de seu sucesso?
C — Não sei. Acho que deveriam devolver, é dele, comprado com o dinheiro dele.
BI — Mas se ele não tiver comprado, mas ganho de presente?
C (Convicto/convincente) — Aí que teriam que devolver mesmo, dado o valor simbólico que tem um sapato para os árabes.
BI — Qual o gênero de sapato que teria mas possibilidade de acertar o Bush?
C — O de mulher! É uma lei da física: é menor, o que facilita a pontaria.
BI (Com cara de quem não conheceu Einstein) — Se tu tivesses que escolher uma sapatada de mulher, qual sapato tu escolherias?
C (Uma mulher para o carro, pergunta sobre seus sapatos e vai embora) — Pegar sapatada de mulher acho meio difícil. Agora, se tivesse que escolher, preferia de tênis.
BI — E se fosse o Bush quem jogasse o sapato?
C (Gargalhando) — O mundo viria abaixo!
BI — Tu achas que ele acertaria o alvo?
C — Pelo menos em alguns presentes, acertava. Eles são bons na mira.
BI — Tu acreditas que depois da sapatada, na próxima guerra promovida pelo Estado norte-americano, a tecnologia vai mudar, o sapato vai ser usado como arma?
C (Deixando cair o pé de ferro) — Não! Eles não vão fazer mais guerra: já apanharam demais. Perderam todas.
BI — Mas se houvesse uma guerra e os países envolvidos entrassem em acordo de só usarem como arma sapato, qual seria o mais indicado?
C (Cortando uma sola) — O tamanco.
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