NOSSOS GENIAIS ARTISTAS CLASSE “MÍDIA”
Eis que se levantam as vozes dos artistas brasileiros para protestar contra a corrupção! Não, leitor intempestivo, não é mais um show da turma do ‘Cansei!‘ ou da galerinha fofa dos ‘KLB Contra a CPMF‘. Mas é igual.
Esta semana, artistas do alcunhado rock nacional e das novelas globais se ergueram contra o que chamaram de câncer brasileiro: a política. Entre pedidos de impeachment do ministro Gilmar ‘Paranóico’ Mendes e confusões no senso de temporalidade dignas de um transtorno psiquiátrico (confundir, por exemplo, os governos FHC e Lula), os artistas ‘inganjados’ manifestaram seu senso político sem precisar sair do conforto dos condomínios “IV Frota” em que vivem.
Alguns chegam a simular uma suspeição sobre a indiferença da classe quanto aos problemas sociais do Brasil, mas nenhum sequer chega a movimentar a superfície da obviedade. Mas não querem ser acusados de oportunistas: se manifestam antes de terem o rolex roubado. Acreditam que, com os holofotes que iluminam todas as ações que fazem, podem também dar um raiozinho de luz para que a população alunada (=sem luz) possa enfim acordar e se rebelar contra a opressão.
A CLASSE MÉDIA VIRA CLASSE MÍDIA
Do que se sabe sobre a moral enquanto sistema de valores que permitem um julgamento das coisas do mundo, é que é sempre uma moral de classe. É produzida, portanto, por um grupo, e tem por objetivo menos discernir sobre o certo e o errado do que estabelecer como verdadeiro e real o modo de existir deste grupo.
A classe média, economicamente, ainda não chegou à alcunhada elite, mas não pertence mais ao proletariado iletrado. Vive, portanto, na corda bamba. Nem suporta ser comparada com o que foi, e nem consegue chegar aonde quer. Mas ao menos o sistema de valores que é a moral de classe, é possível (eles crêem) simular.
Daí a dificuldade epistemológica de compreender certos conceitos. Julgar e compreender são faculdades diversas da cognição. A classe média é adepta da lógica do se dar bem. “O meu pirão primeiro”, diria Aldyr Blanc no swing de João Bosco. É por isso que os conceitos de arte e política que a classe média trabalha estão intimamente ligados à uma gastronomia: a da sociedade de consumo. Não são conceitos, são significantes que podem ser adaptados ao gosto do cliente.
Com a ascensão da mídia, que se quer formadora de opinião, a classe média abraçou o reino da clonagem em escala industrial da telinha pulsante, e embarcou na viagem do faz-de-conta. Fetichizou as luzes da ribalta eletrônica, e foi sugada pelo tubo de imagem, se tornando ela própria o programa que assiste. O verdadeiro reality show acontece do outro lado da tela.
O curto-circuito entre emissor e receptor causou uma fusão teratológica, e surgiu a classe mídia, derivação teratogênica da classe média, para quem a sedução da telinha é suficiente para a ilusão do existir. Daí, os objetos não terem, para essas pessoas, a concretude da existência. A relação de indiferença com o que lhes acontece e o que acontece o seu redor é mais um sintoma da transparência do real para essas pessoas do que uma dessensibilização promovida pela exposição excessiva à violência.
A ARTE GASTRÔ E A POLÍTICA DOS GLOBAIS
Daí a arte não ser, nesta sociedade, um conceito, mas um mercado de odores e sabores nulos. Uma arte que não carrega os elementos de seu povo é uma arte desnecessária, e os artistas que a produzem são corpos-agentes que diminuem a potência democrática.
Daí procurarem, sem mesmo o suspeitar, seus iguais. Não por acaso, atuam em canais como a Globo, amiga dos militares e inimiga da democracia, cuja grade de programação não carrega sequer um elemento necessário pedagogicamente à produção de um olhar crítico sobre o mundo, trabalhando os mesmos signos capturadores do olhar e embrutecedores da sensibilidade.
Falam da política como se fosse possível não ser político em sociedade. Como se a sua atuação artística (des)engajada não fosse parte da laminação intelectual promovida pela sociedade do consumo. Como se eles não fossem também responsáveis pelo câncer político que apontam com o dedo moralista em riste.
Nem desconfiam os nossos geniais artistas das relações viscerais entre DanDan Orelhudo e a Globolálica, patroa da arte que eles professam. Ou desconfiam?
Para nossos globais artistas e roqueiros cocacolizados, resta o alento de que muita gente se informa pela coluna de fofocas. Eles pregam para os convertidos.