Lá pelos idos dos anos 60, ao lado do Colégio Estadual, no centro de Manaus, havia a Escola Comercial Ruy Barbosa, na rua homônima. Escola particular, de propriedade do famoso professor Hamilton. Nela, o professor desenvolveu um sistema de som no qual, ao mesmo tempo em que podia falar a qualquer sala, podia também ouvir tudo o que acontecia. Daí, era comum a aula ser subitamente interrompida por algum comentário do professor/diretor troçando de algum comentário de aluno ou do professor que estivesse na sala de aula. Muito comum era a bagunça começar, e a voz altiva do professor Hamilton se fazer presente no alto-falante: “Professor Fulano de Tal, por favor, controle a sua turma!”. Gargalhadas garantidas de alunos, e até dos próprios professores, que diluíam a atitude bisbilhoteira do diretor no fato de que às vezes o pagamento atrasava, e aí já viu…

“ORIGINALIDADE” DE NOSSOS VEREADORES E DEPUTADOS

Daí a hilariedade dos edis municipais, quando discutem o projeto de lei do vereador Gilmar Nascimento, que coloca câmeras de vigilância nos corredores das escolas. Para o também edil, Jorge Luis, o projeto já está atrasado, e o município perdeu a disputa da originalidade da vigilância para as escolas estaduais. Jorge pretende impedir, com as câmeras, que os estudantes se beijem nos corredores. Vã ilusão dos vereadores manoniquins, que, desconhecendo a prática do professor Hamilton, já nos anos 60, nem desconfiam que a rasteira é mais antiga…

A diferença entre um sistema de som e uma câmera de vigilância é que a segunda é visual, paranóide, enquanto a sonora é esquizofrênica. “De vez em quando todos os olhos se voltam pra mim / De lá de dentro da escuridão / Querendo que eu seja um Deus”, rimesquizofrenizou o delirante Tom Zé, para quem a paranóia da vigilância não paga a liberdade criadora.

O PANOPTISMO DO GOVERNO DO ESTADO

Uma diretora de uma escola estadual das bandas da zona centro-sul resolveu usar as câmeras instaladas nos corredores para, além de coibir os beijaços, fiscalizar o trabalho dos professores. Daí, conta os minutos “perdidos” por estes fora da sala de aula, seja para ir buscar algum material, ir ao banheiro ou mesmo dar uma passadinha na sala de vigilância pra ver como as coisas estão. Atendendo à lógica da educação de governo, onde tempo é dinheiro, a diretora pretende que os seus professores tenham do salário descontadas as horas em que não estão na sala com seus alunos. Boa funcionária, estaria levando até as gravações para casa, a fim de tentar observar algum detalhe que o corre-corre do trabalho não permitiu capturar. Reuniões individuais com cada um deles, onde teriam que relatar onde foram, porque foram, com quem foram e porque voltaram, são periódicas.

QUEM VÊ QUEM?

Alguns professores, incomodados com o esfacelamento da autonomia pedagógica pelo olho que tudo vê (que também vê a diretora, embora ela pense que é o próprio olho), já pensam em trocar de escola. Alguns alunos se perguntam, no entanto, quem vê quem, e já sacaram que, a contragosto, professores paranóicos e amantes da chamada e das provas agora são também “avaliados” constantemente por uma força hierarquicamente superior.

Ao lado, alguns profissionais do legislativos podem tomar a atitude da eficiente funcionária de governo como exorbitância de função e invasão de privacidade. Não, evidentemente, os que votaram a favor da lei. Mas o que nenhum deles deve desconfiar é que na lógica do panóptico paranóide, ver é ser visto, e tudo desaparece sob o olhar despótico de Deus, ele mesmo observado.

Agora, se a idéia da câmera pegar, dentro em breve teremos olhos eletrônicos em cada gabinete de vereador, deputado, prefeito, governador…

2 thoughts on “O PANOPTISMO EDUCACIONAL DOS GOVERNOS

  1. COMO NETO DO PROFESSOR AUGUSTO CARNEIRO DOS SANTOS, QUE LECIONAVA NA ESCOLA COMERCIAL RUI BARBOSA EM MANAUS, GOSTARIA DE CONHECER A SUA BIOGRAFIA.
    GRATO,
    JORGE AUGUSTO CARNEIRO DOS SANTOS

  2. Companheiro Jorge Augusto,
    Infelizmente não temos notícias sobre seu avô. Mas como diria o filósofo, o que importa não é o nome que te deram, mas o que fizeste com o nome que te deram. Quiçá seu avô tenha transposto a epígrafe de professor e possa em sua biografia ser chamado de educador. Qualquer coisa, avisamos…
    Abraços!

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