FERNANDO HENRIQUE, ACIMA DE QUALQUER SURPRESA
O filósofo Spinoza diz que nunca sabemos o que um corpo pode. O outro filósofo, Deleuze, tomou para si este enunciado como uma das linhas de corte-devir de sua filosofia. O filósofo Sartre, por sua vez, diz que só podemos saber de um homem em situação: um homem é seus possíveis. De qualquer sorte, os três mostram, com seus enunciados, ser o homem os seus encontros: o que compõe um corpo no encontro com outro. O mundo é um composto (não um todo limitado) infinito de corpos materiais e imateriais. Objetos e idéias. Nos percursos por onde transita qualquer homem, estes corpos se impõem como possíveis em suas pluralidades. Em decorrência da predominância de uma sociedade hierarquizadora, controladora e distribuidora de seu discurso em todas as instâncias política-jurídica, o enunciado mais sedutor, que lança seus corpos como convite ao encontro, é aquele que o filósofo Baudrillard concebe como vazio: o poder. Assim como “o segredo do secreto é não ter nenhum segredo” (Baudrillard), o segredo do poder é seu vazio. Mas há aqueles que pretendem e perseguem este vazio, e que, pela ilusão de sedução, fazem tudo para configurar este vazio como realidade. No nosso caso tupiniquim, a personagem pública que muito nos presenteia com este encontro-vazio é o vaidoso Fernando Henrique. Tudo pelo poder! Até o poder de não ter poder! As declarações do ex-presidente Itamar Franco ao jornal Gazeta Mercantil, onde afirma que o vaidoso, mesmo depois de deixar o Ministério da Fazenda, continuava assinando cédulas do Real, a grande fraude eleitoral que Itamar deixou passar, o que pode, segundo a Justiça, em seu Artigo Primeiro, Parágrafo II da Lei Complementar, Número 64/90 (Lei que dispõe sobre casos de inelegibilidade), enquadrá-lo no crime de abuso de autoridade, assevera esta triste vocação de homens aprisionados nas névoas cintilantes do irreal. Em política, o perigo à democracia: o individualismo-espectral contra a pluralidade social. O ponto-molar de sua fascinação pelo poder responsável pelos tristes oito anos impostos ao Estado Brasileiro. O governo que já começou corrupto. A certeza que seus encontros são bem direcionados e bem calculados de acordo com seus significados de poder. Nenhum ato seu foge a esta intenção-inabalável. Mesmo quando afirma gostar de Lula, o canto direito de sua boca afirma a intenção-inabalável: a inveja. A tradução de quem deveria estar no poder era ele, não Lula. Por isso, nutre a compulsiva idéia da respeitabilidade por via do poder: “Sou um intelectual”. No seu caso: de que vale a intelectualidade se não produz o viver dos iguais, fato que Lula produz? Como uma mariposa ofuscada pela luz artificial, Fernando Henrique, de tanto se mostrar real em sua nudez vaidosa, contribuiu para o povo brasileiro elevá-lo à categoria de um cidadão acima de qualquer surpresa. Tudo que possa vir a fazer, para nós não é surpresa. Parafraseamos a frase sofística que Marx tinha em conta: “Nada do homem me é estranho”. Para nós: “Nada de Fernando Henrique nos surpreende”. Eis o fator relevante da rejeição que a maior parte do povo tem por ele.