DUAS NOTAS PARA HARPA CRISTÃ
PRIMEIRA NOTA – LA: O Papa resolveu por apresentar uma nova lista de pecados capitais: manipulação genética, o uso de drogas, a desigualdade social e a poluição ambiental serão acrescentados aos sete já conhecidos por causa daquele filme (nada de cinema) com Brat Pitt. Segundo o Vaticano, a nova lista agora leva em conta mais os aspectos sociais, deixando claro que a antiga lista era muito bem situada dentro da ordem capitalista vigente. Com certeza conseguiu muito êxito: que pobre não pediria perdão pela gula, pela luxúria, pela vaidade? Que trabalhador exigiria seu direito à preguiça? Quando a Igreja era o futuro, estes pecados serviam para garantir a conservação de sua força. Se precisava mais um pouco de força, a Inquisição funcionava. Agora a Igreja admite o atraso, quer se adaptar à “realidade da globalização”. Continua bem situada. Mas todo atrasado está preso ao passado, não como virtual, mas como tempo morto. Poder! Poder! Agora que ninguém quer mais se confessar, só resta a Igreja tentar meter-se no poder secular. Mas enquanto pouco arrependimento conseguirá junto aos grandes latifundiários, políticos corruptos, industriários, de outro lado, os simulacros de poder ainda vão conseguindo atrapalhar o debate científico sobre o aborto e as células-tronco. Falando da alma, mas ainda e sempre a tentativa de controle do corpo. Vendo a trajetória de Jesus, o filho de Maria, escapando ao poder temporal e ao secular, disposto sempre ao encontro para a formação de novas comunidades, com certeza não entoaria: “Perdão, Senhor, pequei!”.
SEGUNDA NOTA – SI: No lado dos pentecostais, mais um moralizador resolveu provar do fruto proibido. Dessa vez foi o prefeito de Nova York, Eliot Spitzer, ferrenho perseguidor da prostituição, que teve gravada uma negociação com uma agência para um encontro com uma prostituta de luxo em Washington, e por isso ficou só na vontade. Uma investigação federal foi quem melou o ‘love’ do prefeito novaiorquino. De boca murcha, como estratégia para manter a pose da moral, ele resolveu pela confissão pública: foi com a mulher, impassível, e pediu perdão por ter “agido de uma forma que viola minha obrigação familiar e viola meu sentido, qualquer sentido, do que é correto e do que é incorreto”. Estamos quase desconfiando que isso sempre ocorre nas corretíssimas famílias norte-americanas. E que, para sorte da união da sacratíssima família, nem sempre estas tentativas são frustradas e frustrantes assim. Mas se der no jornal, na televisão, na internet, se você for político, é praticamente o fim da sua honrada carreira. O que não existe mais — a família nuclear, freudiana, burguesa —, para ser simbolicamente mantida, exige uma força mais rigorosa ainda. Não fosse tanto rigor, talvez o prefeito não precisasse ir tão longe para dar um ‘piço’ por fora, talvez sua própria esposa pudesse ser amante, talvez até construísse uma família americana onde o sexo não fosse um tabu protegido por Deus e pelo Estado, e cada um pudesse seguir a lei do desejo que caminha na direção do amor aberto “à comunidades mais vastas”, como fala Toni Negri. Vem, neném!