DURA LEX CONTRA A 'PIRATEAÇÃO'
O nómos, em sua coletividade, o que faz uma potência ativa perseverar em seu ser, nunca separa os homens — a falsa sentença “a minha liberdade acaba onde começa a do outro” —, ao invés disso, a partir de suas singularidades aproxima-lhes pela razão, formando uma potência única, superior, democrática. Ao contrário, a lei moral opera pelo medo imposto a uns e o privilégio concedido a outros — a minha liberdade começa onde acaba a do outro —, deixa de ser nómos e passa a ser tiranomia. A lei do tirano. Dura lei.
Quando vereador Braz Silva (PSDC), líder do prefeito na Câmara Municipal de Manaus,defende enfaticamente “uma posição séria por parte da Policia Civil e Militar” para coibir a pirataria de CD’s e DVD’s em Manaus está apenas repetindo inadvertidamente o enunciado romano DURA LEX, SED LEX <“a lei é dura, mas é a lei”> própria dos estados autoritários, tirânicos, onde não se observa com o entendimento, enquanto “modo infinito do atributo pensamento” (Spinoza), a linha dura do estado de coisas atual, rígido; não vendo, portanto, as criações comunitárias para escapar em linhas flexíveis e linhas de fuga, verdadeiros cortes epistemológicos e existenciais.
UMA ESTRATIFICAÇÃO ECONÔMICA
A partir da Indústria Cultural inserem-se pelo menos três estratificações: a primeira diz respeito à velha dominação econômica; o povo que não pode pagar pela música que é dele, feita para ele, como diz Marilene Felinto num texto do qual pirateamos abaixo um trecho. Mas com a pirataria o povo pode armazenar mais de 500 músicas em formato mp3 em um único DVD.
Aos ditos artistas bem situados no mercado, que passam os finais de semana em gugus e faustões, é que interessa o fim da pirataria. Zezé di Camargo, que saiu das plantações de verduras para as fazendas milionárias de gado, é contra a pirataria. Roberto Carlos, sua majestade da mágoa/ressentimento/dor na natalina noite globólica, também é contra. Calypso sabe que Jô não a quererá vê-la mais que uma noite ao ano, mas Joelma e Chimbinha também não o querem, é no meio do povo que sobrevivem, por isso saíram direto do estúdio e foram levar seu último CD para os camelôs “fazerem o que bem entenderem”.
UMA ESTRATIFICAÇÃO DOS AFETOS
Associada à econômica está a serialização das formas de sentir. Phillips e Ivete Sangalo, tudo a ver com os cansados. A Indústria Cultural pretende controlar os gostos. Aí, principalmente a pirateação caseira via internet — será que alguém mandará algum dia a polícia vasculhar de casa em casa quando os pobres tiverem computador como hoje têm televisão — ajuda na explosão das possibilidades de escolha, fazendo fugir das prisões dos sentidos. Sem a pirateação na rede, como alguém que nunca saiu de Manaus conheceria o mineiro Sirlan, que gravou um único disco, no qual todas as músicas foram censuradas pela ditadura militar; ou a sensibilidade de Paulo André e Rui Barata, ali no Pará; ou a paraibana Cátia de França e sua poiésis sonora social; e o bumba-meu-boi de Papete, então?
Hoje, é possível assistir ao documentário Sicko, de Michael Moore, que trata do sistema de saúde norte-americano, no mesmo dia em que estreou nos cinemas dos EUA (clique aqui para baixar). Ajuda-nos a perceber e intervir no nosso. Em Manaus, jamais o assistiríamos, pois que não vem via Hollywood. Blow-up, de Michelângelo Antonioni, quantos não o viram não por desentendimento kinemasófico, como querem os preconceituosos, mas porque não podem comprá-lo. Um pacote com cinco películas de Almodóvar, então?
UMA ESTRATIFICAÇÃO DISCIPLINAR
Será que Braz não viu nada disso? Apenas obedeceu e repetiu as palavras de ordem da Indústria Cultural, das multinacionais, do empresariado local, sem observar bem a situação em sua totalidade, levando adiante a velha fórmula disciplinar. Mas o empresariado local e Braz estão preocupados somente com os pequenos vendedores das ruas, das praças, que inventam novas formas de trabalho. Uma fábrica vai fechar por causa da pirataria. Mas quantos empregos não se fizeram por causa da pirataria. Mas a fábrica é mais importante para o fortalecimento da Zona Franca de Manaus. Mas se a ZFM já era flácida antes do povo manoniquim saber sequer que existiria um aparelho chamado computador. De modo que o mais importante acaba sendo a manutenção da exploração generalizada do trabalhador nas fábricas do PIM.
Enquanto Lula já foi até acusado de ter visto cópia pirata de filme, que por sinal nem valia a pena; enquanto o ministro da cultura, Gilberto Gil, vai percebendo que a questão da pirataria deve passar por um debate que envolve toda uma nova concepção de leis que devem ser modificadas, inventos tecnológicos, novas formas de pensar, há quem venha apoiar a utilização truculenta da polícia. Há algo na pirateação que esses não querem ver: ela mostra o quão barato poderiam ser os produtos culturais.
Para Braz, que é metido a ironias, damo-lhe forças:
— Vereador, sua luta é grande. Boa Sorte!
CÓPIA DE LIVRO E PIRATARIA – TUDO DIREITO
Marilene Felinto
(…)
O abalo sofrido hoje pela obra (artística ou intelectual) é de outra natureza. A massa não se interessa pela obra original como fetiche, como objeto de culto ou instrumento mágico. Pouco importa à massa se a cópia pirata do CD não tem a capa original. A música toca com a mesma autenticidade, e muito mais barata. É a sociedade de consumo cavando na marra o direito de acesso ao que é caro. O discurso asséptico embutido nas ações de combate à pirataria no país – o de que a produção pirata teria vinculação com o crime organizado e que extinguiria empregos – é hipócrita e esconde coisa pior. Esconde que a propaganda de massa é que é a grande incentivadora da pirataria. A indústria cultural – da massificação propagandística da arte – dos países capitalistas está chafurdando em seu próprio excesso: a pirataria de CDs, softwares, roupas e outros produtos industrializados (e de grife) em geral é o vômito da indústria cultural e de sua propaganda feroz.
O consumidor da cópia de livros como ferramenta educacional e de acesso ao conhecimento, entre uma população que não tem poder aquisitivo para comprar livros; e o consumidor da camisa ou do par de tênis piratas são personagens do mesmo processo de mudança nas condições de produção e distribuição da mercadoria. A era da eletrônica vem democratizando ironicamente o poder de ação que se tem hoje sobre esses processos (como não tinham os homens de antigamente).
Atenção para o fato de serem os jovens os maiores consumidores de produtos pirateados no Brasil hoje. Isso é sintomático de quê? De algum ideal socialista ou da voracidade de consumir (venha como vier a mercadoria a ser consumida)? Se formos bons (e eu não sou), diremos que é sintoma de uma desobediência saudável, de uma janela entreaberta no alheamento, de uma revolta (ainda que inconsciente) contra a preservação do monopólio do capital (privilégio de apenas uns poucos), contra a concentração de bens, de renda, de saberes e de prazeres. (Leia e faça a pirateação aqui)
Marilene Felinto é escritora e jornalista.
Artigo publicado na seção Desaviso, na Revista Caros Amigos – Ano X, número 109, Abril 2006.
Eu gosto dos produtos da DURALEX ,tenho varios , voces fazer ele em divesas cores ;
Quando voces lançaram aquele jogos de jantar na cor rosa
eu não tive condição de comprar , e o mesmo já saiu de linha .
Porque não relançar o mesmo , pois foi um dos mais bonitos
da coleção de jogos de jantar.
Aguardo resposta.
Att:Elsa
Queridíssima Elsa, como é bom ter você como nossa cliente mais especial!!!
Ficamos tão tristes porque não poderemos atender ao seu pedido. Acontece que a nossa linha DuraPink, que você se refere, esgotou-se. Foi um sucessaço, sabe? Graças a consumidoras de bom gosto, como você!
Não sabemos nem mesmo se ainda existe por aí algum conjunto desta linha para venda. Não sabemos nem em que lugares do mundo foi pirateado, de tanto sucesso que fez.
Que pena…
Mas continue prestigiando a nossa marca que foi feita pra pessoas como você!
Beijos e um excelente jantar!
Equipe “Dura Lex Sed Lex”.
(A Cozinha é dura, mas é cozinha!)