DO TRANSPORTE COLETIVO COMO NEGAÇÃO

DO MOVIMENTO E DA COLETIVIDADE

Ontem a prefeitura de Manaus, em caráter oficial, declarou vencedora da licitação de exploração dos serviços de transporte coletivo a empresa TransManaus Sociedade de Propósito Específico LTDA. A empresa foi criada, como o próprio nome diz, especificamente para disputar a licitação, e é formada majoritariamente por empresas que já atuam no atual sistema. Será, a partir de agora, responsável pelas 230 linhas de ônibus existentes em Manaus.

A coluna Manaus: um passeio pela não-cidade foi fazer o que a prefeitura, por desconhecer que uma democracia só se engendra através do aumento das potências de agir de seus habitantes, não fez e continua a não fazer: ouvir as pessoas envolvidas na questão do transporte coletivo, os trabalhadores.

SOBRE A LÓGICA INERCIAL DO LUCRO

Com a administração atual, surgiram os ônibus que inverteram a lógica inercial do corpo físico-social que transita no transporte público de Manaus. Acostumados a se dirigir para a frente do coletivo na hora de descer, os manauenses tiveram que se deparar com ônibus que inverteram a entrada-saída de passageiros. Ato politicamente banal? Vejamos o que dizem os trabalhadores do transporte:

Eles vão mexendo devagarinho, colocando a catraca pra frente, tirando emprego dos cobradores, e eu não acho legal a catraca na frente, acontece muito acidente, o pessoal vai se empurrando, que desce lá atrás, ainda mais quando tem aquele espelho. Aquele espelho você olha aqui, depois vê lá atrás. A maioria dos carros não tem mais, o pessoal quebra, tira, o passageiro mesmo vira pra se olhar. Aí você tem que ficar olhando esse espelho externo aqui, quando descer o último, você dá um tempo, aí não vê ninguém e fecha a porta pra poder arrancar. Você não vê nada e é melhor você fechar a porta pra poder sair, é melhor imprensar ele do que ele cair. Ninguém gritou, ninguém falou nada, a gente sai.”

É muito perigoso, principalmente para crianças e idosos. Aumentou muito o número de acidentes por aí, e a culpa sempre cai em cima da gente.”

Esta situação, aparentemente banal – qual a diferença entre um e outro, poderiam perguntar os responsáveis pela fiscalização dos coletivos na cidade – demonstra que os administradores da cidade, quando não levam em conta a opinião das pessoas envolvidas nas questões sociais, recaem fatalmente no erro de criar mais uma série de problemas que os moradores da cidade terão de enfrentar.

INCURSÕES POLITICO E JURÍDICOGASTROS

Sobre os últimos acontecimentos na cidade acerca da luta dos trabalhadores do transporte coletivo, e que desembocaram na natimorta CPI dos transportes, os trabalhadores, através de seu depoimento, mostraram fazer uma leitura consciente das tramas que se querem passar por política em Manaus:

Isso aí, colega, é tudo uma cachorrada só! Tudo mundo come, menos a gente. Quem são prejudicados somos nós e o passageiro, porque o funcionário trabalha bem quando é bem remunerado. Se ele não é bem remunerado ele não vai trabalhar com vontade, ele falta, ele trata mal o passageiro, mesmo que ele não queira, porque ele tem problema em casa, tem dívida pra pagar. Aí ele não sendo bem remunerado ele não tem como trabalhar bem. O único Estado que não teve aumento pra categoria foi o nosso. No resto do país todo teve aumento. Só aqui que não teve reajuste salarial. Todo mundo pode fazer greve, pode reivindicar aumento salarial. Nós não podemos. Se a gente vai fazer greve, o Juiz, em 24 horas, faz uma liminar, dizendo que a gente não pode fazer greve. Proibiram a gente de fazer greve. E aí a gente já entrou na justiça, já faz seis meses que o nosso protesto está aí engavetado e a justiça não dá parecer nenhum”.

Todo mundo come, né? Os empresários tem dinheiro, os empresários tão aí, tão montados com barriga no dinheiro. Esse ano que vem tem eleição, não tem como mexer com eles. Não tem jeito de ser bom não. Entrou lá, vai morder. Tudo começou praticamente de baixo e não vai querer mexer com empresários. Por mais seguro que o cara seja, rola dinheiro. Tá aqui a minha parte, tá aqui a tua”.

Eu ouvi um colega falando que eles fizeram tipo um consórcio, uma cooperativa, como se fossem novas empresas, mas não é nada disso. São as mesmas empresas, os mesmos empresários que se juntaram e fizeram uma cooperativa, foi isso que eu ouvi falar. É tudo jogada. Aí nós falamos em greve, em não sair da garagem, que aí ninguém sairia das suas casas e ninguém seria prejudicado. Aí um juiz expediu outra liminar, dizendo que a gente também não podia fazer deste jeito, pois iria dar prejuízo ao empresário”.

CADA UM POR SI E DEUS CONTRA TODOS

Sem nenhum tipo de apoio, os trabalhadores do transporte coletivo ainda são obrigados a “fiscalizar” a população, não tendo para isto nenhum respaldo. Pela lógica do lucro, vale colocar trabalhador contra usuário:

Não! Não tem nada disso não. Nem no sindicato tem isso. Quando adoece vai pro SUS e aí dá seu jeito pra lá. Estas empresas não dão nem assistência social. Eles podem até ter assistência social lá na empresa, mas pro funcionário não tem não. Pra ti ter uma idéia, o funcionário que ‘encosta’, eles pegam o passe livre dele e limitam em duas passagens por dia. O cara precisa de mais, precisa se locomover, vai pro médico, vai fazer exame, aí limita o cara em duas passagens, justamente pra não gastar mais passagem no ônibus. O sindicato não vale de nada. Quando entra na justiça é pra beneficiar o patrão”.

As empresas não dão nenhum apoio pra gente. Você, o motorista, tem obrigação de fiscalizar. Mas e aí? O povo vem com ignorância com a gente. O que o encarregado diz? Fica na tua, porque se tu for discutir tu tá é ferrado pro resto da tua vida. Ninguém pede. Se a cobradora pede pra olhar a foto da carteirinha de estudante pra ver se é ele mesmo, ela tá é lascada. Não tem nenhum respaldo, se uma cobradora toma a carteirinha de um universitário vem televisão, vem tudo. No outro dia bota um outro no lugar dela”.

Infelizmente, em mais um dos aspectos necessários a criação de comunalidades em uma cidade, aquele que carrega os movimentos afetivos, econômicos, políticos, sociais, que é o transporte coletivo, a prefeitura mantém a estratégia do marketing, ao invés do diálogo com os agentes sociais envolvidos.

Colabore com a coluna Manaus: um passeio pela não-cidade, e enfraqueça os blocos de afetos e percepções clichezadas que impedem o engendramento das comunalidades. Mande sua sugestão de tema para afinsophiaitin@yahoo.com.br.

3 thoughts on “MANAUS: UM PASSEIO PELA NÃO-CIDADE

  1. Eu concordo plenamente no que se diz respeito as catraca e se nao abrirem os olhos logo logo nao existira vaga pra cobrador , outra coisa tbem e certas vcs motorista devem procura se mais caltelso ao dirigir e dar mais seguraça ao passageiro ,

  2. Não sei se foi o caso em Manaus, mas aqui em São Paulo, a catraca ser colocada á frente do coletivo foi reivindicação dos cobradores em 1988, uma vez que, com a catraca e caixa na traseira, os assaltos eram mais comuns, bem como a ‘fuga’ de passageiros que ficavam lá atrás e assim que a porta era aberta para embarque, saiam correndo e escapuliam sem pagar.
    Acredito que o que Manaus precisa, antes de tudo é de uma boa renovação na frota, pois já vi muitos ônibus velhos e sem condições operando por ai.

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