UMA SERAFINADA REELEITORAL
O prefeito Serafim, em um programa da TVUFAM, ameno, de cordialidade insuspeita, perguntado pelo bom apresentador, sem nenhum emaranhamento com o jornalismo político, professor de educação física, sobre sua possível candidatura à reeleição, respondeu que no caso iria enfrentar dois tipos de candidato: um, vindo do executivo, falaria sobre seus feitos; outro, neófito ao cargo, falaria sobre o que iria fazer. Só que teria de mostrar como iria conseguir dinheiro. No caso dele, mostraria que depois de anos foi o prefeito que fez uma maternidade. Não fez! Mas antes, perambulemos sobre esta locução, “Eu fiz!”.
NINGUÉM ESTÁ SÓ
Pois bem, esta tentativa de centralizar atos sociais é a narcisação (ilusão de ser invejado) pública que um alcunhado político assume: nada saber sobre política. A não ser o que viram, e lembram, dos governantes. Por isso, todos, apanhados na acusação da culpa histórica, sempre usam este imperativo sem jamais suspeitarem que é exatamente esta confissão que os desnudam democraticamente. Mostram como não tem a vivência democrática como pluralidade de fluxos e quantas sociais. O “Eu fiz!” é um transtorno egóico construído na ilusão da heroicidade materializada como sedução. “Eu sou mais do que Eu sou — Eu posso! Acreditem em mim, que só eu posso fazer por vocês”. Sem perambulação histórica, podemos afirmar: em democracia, egoicidade, não pode. Não se faz. Em democracia, um governante é nada mais do que o sujeito político pontuador do Direito Civil de todas as necessidades que à priori foram concebidas pela comunalidade como contrato Bem Comum. O que o povo sentiu e compreendeu como lhe sendo necessário. Nisso, todo governante democrata é um poiético produtor da cartografia de desejos democráticos juntamente com os cidadãos. Desta forma, Serafim não fez a maternidade. Foram as linhas pulsantes, moventes e construtoras que o levaram à efetivação deste corpo arquitetônico/médico. Talvez ele diga: “Mas foi eu quem viu a necessidade da população”. Não viu. Ela se mostrou. E pode continuar: “Mas eu poderia não ter feito”. Alguém iria fazer. É a potência do povo. Em democracia não há como escapar. Um dia vai acontecer, apesar das miragens teocráticas. Daí que essa serafinada, brechtianamente fabulante, o irmana ao seu desafeto maior, Amazonino: “Foi eu quem fiz!”.