GREGÓRIO BEZERRA, DE MENINO ANALFABETO A LIDERANÇA COMUNISTA
Líder comunista enfrentou a tortura pública sem abrir mão dos ideais de justiça e igualdade
Gregório Bezerra foi importante político pernambucano – Fundaj
Gregório nasceu na cidade de Panelas, na Zona da Mata de Pernambuco, e desde cedo, aos 4 anos, precisou trabalhar no campo para poder ajudar os pais. Ainda criança, fugiu para o Recife, onde viveu nas ruas. Na juventude, trabalhou como pedreiro, carregador e carvoeiro. Foi nesse ambiente de precariedade que ele se aproximou das lutas sindicais e das ideias socialistas que ganhavam força entre os trabalhadores urbanos no início do século XX, sobretudo graças à influência da Revolução Russa.
“Em 1917 cheguei a ser ajudante de pedreiro, arrumador de armazéns e até carvoeiro. Nos serviços de construção civil foi que me demorei mais. Participei, então, das lutas sociais do operariado pernambucano. Em 1922 ingressei no Exército.”, diz o próprio Gregório, em seu livro de memórias.
Por causa da repressão, foi preso. Após ser solto, em 1922, começou a procurar emprego na cidade e deparou com a constante exigência da carta de reservista. Foi quando se alistou e ingressou nas Forças Armadas. No exército, ele se forma e começa tomar conhecimento de conceitos políticos cruciais daquela conjuntura. Segundo o historiador Pablo Porfírio, da UFPE, “o Exército brasileiro, antes da Segunda Guerra Mundial, ainda tinha setores que dialogavam com as ideias de esquerda. Gregório é produto desse contexto.”
“Até então era apolítico. Caíram-me nas mãos alguns livros sobre a História do Socialismo e das Lutas Sociais. Descobri a verdade, finalmente. Inspirado no exemplo e na luta heróica do povo soviético, desde a Revolução de 1917, achei o caminho que há muito procurava: – o caminho da libertação do Proletariado e das massas Camponesas.”, descreve Gregório.
Levante comunista
Em 1935, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma importante Frente política que reunia tenentes, comunistas e lideranças políticas insatisfeitas com Getúlio Vargas, tinha o propósito de proteger o país do avanço do fascismo. O grupou colocou em pauta a suspensão do pagamento da dívida externa, melhoria salarial, direitos sociais e o combate ao racismo, além de defender direitos trabalhistas.
A ANL era um movimento de massa de acordo com os aspectos do Brasil nos anos 1930. E colocou em prática esse propósito por meio do primeiro movimento armado dos comunistas no Brasil – a então chamada Intentona Comunista. O levante, liderado nacionalmente por Luiz Carlos Prestes, eclodiu em Natal, no Rio Grande do Norte. Em seguida, Pernambuco também se somou no movimento. Mas acabou fracassando. A mobilização, restrita mais às tomadas de quartéis, foi sufocada, com o saldo de 700 mortes, segundo Ruy Castro no livro Trincheira Tropical.
“Dei tudo que pude. Fui gravemente ferido, preso e barbaramente espancado e torturado pela polícia política de Malvino Reis, Etelvino Lins & Cia. Recolhido à Casa de Detenção, fui julgado e condenado a 27 anos e meio de reclusão, pelo Tribunal de Segurança Nacional. Recebi, na prisão, a dolorosa trágica notícia do trucidamento do meu irmão, o dirigente operário José Lourenço Bezerra, que havia sido preso a 4 de agosto de 1936 e morto a 18 do mesmo mês, após 14 dias de torturas e de espancamentos. Deixou viúva e 5 filhos menores, o mais velho, com 6 anos.”, diz o livro de memórias.
Deputado constituinte
Em 1945, com o fim do Estado Novo, Gregório se candidata a deputado constituinte pelo Partido Comunista do Brasil e é eleito, um dos mais votados de Pernambuco. Naquela eleição, com o retorno de Prestes às atividades políticas, o partido faz uma expressiva bancada, com 15 parlamentares. Era um reflexo da atmosfera política do país. Recife, assim como outras capitais do Nordeste, também respirou esse clima mais à esquerda.
“O movimento comunista no Recife cresceu muito. Havia uma acumulação de força política e uma forte presença nas lutas urbanas e rurais. Jaboatão dos Guararpes, por exemplo, era conhecida como Moscouzinho, por ter eleito um prefeito comunista”.
Em 1948 Gregório teve o mandato cassado após cumprir um trabalho em defesa da soberania nacional, e passou a viver na clandestinidade. Um ano antes, o presidente Eurico Gaspar Dutra, em represália à liderança de Prestes, colocou o Partido Comunista na ilegalidade e criminalizou a atividade política no país. Acusava o PC de ser um partido estrangeiro, a serviço da União Soviética, e que atuava de forma antidemocrática, por promover “luta de classes, greves e desordem”. A decisão atingiu a atuação de Gregório. Em 1948, o Congresso Nacional cassou o mandato dos parlamentares comunistas. Na clandestinidade, Gregório seguiu para outros estados para ajudar na organização sindical.
O golpe e a tortura em praça pública
Quando os militares tomaram o poder em 1964, Gregório articulava camponeses na Zona da Mata de Pernambuco. No dia seguinte, foi preso e levado ao Recife, onde sofreu uma sessão de tortura pública comandada pelo Exército, na Praça de Casa Forte. Foi espancado, arrastado pelas ruas e teve os pés queimados com ácido.
A cena marcou a memória nacional como símbolo da violência do regime. Condenado a 19 anos, foi libertado em 1969, quando a oposição armada exigiu sua soltura em troca do embaixador americano Charles Elbrick.
Após exílio em Moscou, Gregório retornou ao Brasil com a anistia em 1979. Candidatou-se a deputado em 1982, mas não chegou a assumir o cargo. Ficou na suplência. Morreu no ano seguinte, aos 83 anos, em São Paulo
“Gregório, Julião e tantos outros foram brutalmente torturados logo após o golpe, mas essa memória ainda é pouco falada, não chega ao grande público e dificilmente chega às escolas”, reflete o historiador Pablo Porfírio. “As vítimas mais lembradas são as de 1968. As de 64, sobretudo as ligadas à questão da terra, ainda precisam ser reconhecidas. E falar da terra no Brasil é mexer nas estruturas de poder mais profundas. É uma memória que precisa ser disputada”.