“É PRECISO POLITIZAR O SOFRIMENTO PSÍQUICO”, DEFENDE PSICÓLOGO HISTÓRICO-CULTURAL

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Dassayeve Lima critica medicalização e defende sofrimento como resultado de condições sociais e políticas

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Em 2024, mais de 470 mil trabalhadoras e trabalhadores foram afastados de suas funções por questões de saúde mental, segundo o Ministério da Previdência Social. Para o psicólogo histórico-cultural Dassayeve Lima, que mantém o perfil Saúde Mental Crítica no Instagram, esses números revelam uma crise que não pode ser tratada apenas no campo individual.

“Não vamos mudar muita coisa se não observarmos aquilo que, em saúde coletiva, se chama de determinação social do processo de saúde e doença”, afirma, ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato. “É uma ilusão acreditar que práticas individualistas vão promover uma outra lógica de relação com o mundo, com o trabalho e com as pessoas”, explica.

Lima critica o reducionismo que transforma o sofrimento psíquico em questão de “falta de terapia”. Segundo ele, o neoliberalismo reforça essa visão ao deslocar causas estruturais, como a precarização do trabalho e a desigualdade social, para o âmbito da responsabilidade pessoal. “O problema não é mais o excesso de jornada ou a exploração. O problema passa a ser a sua incapacidade de administrar o estresse”, critica. “Essa ideologia despolitiza o sofrimento e o transforma em mercadoria”, indica.

Ele defende políticas que garantam tempo livre e dignidade em prol da saúde psíquica. “O regime 6×1 imprime uma alienação de si. A pessoa não tem tempo para descansar, socializar, viver. Saúde mental tem a ver com modo de vida, com bem viver”, afirma. Para o psicólogo, recuperar o tempo, o ócio e o vínculo com o outro são práticas políticas e coletivas.

De acordo com o especialista, a lógica manicomial permanece viva no Brasil e no mundo porque “o capitalismo precisa do manicômio”. “Ele demanda instituições que administrem os corpos improdutivos. Mas a ideologia manicomial vai além dos muros: ela transforma pessoas em diagnósticos e produz violência”, lamenta.

A crítica se estende à medicalização e ao mito do “desequilíbrio químico” do cérebro, frequentemente usado para justificar o consumo de psicofármacos. “Nunca houve evidência de que depressão seja causada por um desequilíbrio químico”, aponta. “A partir dos anos 1990, com o boom das neurociências e do neoliberalismo, se consolidou a ideia de que o sofrimento está no cérebro, e não nas relações sociais. Foi aí que nasceu a pílula da felicidade”, conta.

Para Lima, o remédio pode ser legítimo como alívio, mas não deve ser tratado como uma solução universal. “É preciso perguntar se o que estamos silenciando com o medicamento não é justamente a denúncia de uma opressão que vivemos”, diz. “Politizar o sofrimento é reconhecer que ele diz algo sobre o nosso modo de vida”, defende.

O psicólogo pontua que politizar o sofrimento psíquico também significa também garantir investimento público em saúde, fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede de atenção psicossocial.

 

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