“É PRECISO POLITIZAR O SOFRIMENTO PSÍQUICO”, DEFENDE PSICÓLOGO HISTÓRICO-CULTURAL
Dassayeve Lima critica medicalização e defende sofrimento como resultado de condições sociais e políticas
Dassayeve Lima, do perfil Saúde Mental Crítica, afirma que a saúde mental “tem a ver com o modo de vida, com o bem viver” – Pexels
“Não vamos mudar muita coisa se não observarmos aquilo que, em saúde coletiva, se chama de determinação social do processo de saúde e doença”, afirma, ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato. “É uma ilusão acreditar que práticas individualistas vão promover uma outra lógica de relação com o mundo, com o trabalho e com as pessoas”, explica.
Lima critica o reducionismo que transforma o sofrimento psíquico em questão de “falta de terapia”. Segundo ele, o neoliberalismo reforça essa visão ao deslocar causas estruturais, como a precarização do trabalho e a desigualdade social, para o âmbito da responsabilidade pessoal. “O problema não é mais o excesso de jornada ou a exploração. O problema passa a ser a sua incapacidade de administrar o estresse”, critica. “Essa ideologia despolitiza o sofrimento e o transforma em mercadoria”, indica.
Ele defende políticas que garantam tempo livre e dignidade em prol da saúde psíquica. “O regime 6×1 imprime uma alienação de si. A pessoa não tem tempo para descansar, socializar, viver. Saúde mental tem a ver com modo de vida, com bem viver”, afirma. Para o psicólogo, recuperar o tempo, o ócio e o vínculo com o outro são práticas políticas e coletivas.
De acordo com o especialista, a lógica manicomial permanece viva no Brasil e no mundo porque “o capitalismo precisa do manicômio”. “Ele demanda instituições que administrem os corpos improdutivos. Mas a ideologia manicomial vai além dos muros: ela transforma pessoas em diagnósticos e produz violência”, lamenta.
A crítica se estende à medicalização e ao mito do “desequilíbrio químico” do cérebro, frequentemente usado para justificar o consumo de psicofármacos. “Nunca houve evidência de que depressão seja causada por um desequilíbrio químico”, aponta. “A partir dos anos 1990, com o boom das neurociências e do neoliberalismo, se consolidou a ideia de que o sofrimento está no cérebro, e não nas relações sociais. Foi aí que nasceu a pílula da felicidade”, conta.
Para Lima, o remédio pode ser legítimo como alívio, mas não deve ser tratado como uma solução universal. “É preciso perguntar se o que estamos silenciando com o medicamento não é justamente a denúncia de uma opressão que vivemos”, diz. “Politizar o sofrimento é reconhecer que ele diz algo sobre o nosso modo de vida”, defende.
O psicólogo pontua que politizar o sofrimento psíquico também significa também garantir investimento público em saúde, fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede de atenção psicossocial.