FILÓSOFO JOSÉ ALCIMAR*: O COMUNISTA TOIN BARBEIRO E O CIPÓ DE AROEIRA

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José Alcimar de Oliveira *

01. Toin Barbeiro (Antônio Pinheiro de Oliveira) ou tio Toinho,
nascido em 25 de maio de 1934, meu tio querido, trabalha na barbearia
mais imunda e arruinada do mundo, em Jaguaruana – CE. A barbearia,
sem iluminação elétrica e sempre de portas abertas, funciona num pequeno
espaço que ele aluga, situada numa travessa entre as duas principais
avenidas de Jaguaruana- CE. Minha mais recente ida à sua e à Jaguaruana
de meus pais deu-se em 2018, juntamente com o companheiro de luta
sindical e colega de docência, Professor Aldair Andrade.

 

 

02. Seria uma barbearia imunda e arruinada se submetida à
assepsiada falsidade das salas dos shopping centers. Toin Barbeiro é o
barbeiro em atividade há mais tempo em Jaguaruana. É a barbearia dos
pobres e esfarrapados, com preços que variam da gratuidade a um punhado
de tamarindo, sem contar os clientes idosos ou doentes que ele atende em
domicílio, sem nada cobrar dos que não podem pagar, deslocando-se numa
velha bicicleta inglesa adquirida no Ano do Senhor de 1958. Nunca leu
Espinosa, menos ainda Nietzsche, mas sua constituição ontológica combina
a alegria e os bons afetos das pessoas livres com a afirmação da vida de
quem vive e se alimenta do necessário.

 

 

03.Tio Toin é um verdadeiro cabra da peste do sertão, um comunista
prático formado na Escola Comunista do Cipó da Aroeira (ECCA), no Alto
da Catinguinha, e devoto de São Francisco de Canindé e Padim Ciço.
Trabalha e prosa sempre com alegria e um sorriso discreto e é difícil medir
qual das duas é mais afiada, se a navalha ou a língua. Cada corte na barba
ou no cabelo do freguês é também um corte na política, sobretudo no
político velhaco. É um tipo de narrador benjaminiano, enraizado no sertão e
em luta honesta, mais contra as cercas do que contra a seca mantida pelas
cercaduras do capital. É a mais politizada barbearia do Vale do Jaguaribe.

 

 

04. Quem vai à capital mundial das redes, Jaguaruana, e não visita a
barbearia de Toin Barbeiro, ou sai de lá sem informe de seu filho mais
prosador, não pode dizer que conheceu Jaguaruana. A propósito das redes,
sua barbearia é um ponto de venda da legítima rede tecida em Jaguaruana.
Sua velha companheira, Tia Mundinha, é outra prosadora passada na casca
alho. Lá, Aldair e eu tomamos o melhor café do mundo, porque feito com

prosa e água de pote. Em 2011, minha companheira Rosenira e eu
passamos a Semana Santa entre sua casa e de outros parentes da
Jaguaruana de minha infância.

 

 

05. O camarada Protágoras, um dos organizadores do Simpósio sobre
a Verdade (ainda em pleno devir), sediado em Bela Vista, Manacapuru –
AM, repassou a este escrevinhador um diálogo que ele registrou entre Juan
Rulfo e Gabriel García Márquez, no qual os dois monstros literários da
Pátria Grande manifestaram – tão logo se encerre o amazônico Simpósio de
Bela Vista – o projeto de dirigir-se a Jaguaruana para juntos escreverem
um romance protagonizado por Toin Barbeiro, com título provisório já
anunciado: De Jaguaruana a Macondo e Comala: ou as sátiras bicicletárias
de Toin Barbeiro.

 

 

06. Estou ciente de que terei em Juan Rulfo e García Márquez dois
defensores de peso letrário para que o Segundo Simpósio sobre a Verdade
seja sediado em Jaguaruana – CE, exatamente no centro do triângulo das
secas e das cercas, formado pelas casas de taipa em que moravam as três
irmãs guerreiras do sertão: Tia Marieta, Tia Jovelina e minha mãe Ana
Nilda. A quarta irmã, Tia Ester, única sobrevivente, morava à época, na
década de 1960, no Distrito do Sargento, na mesma Jaguaruana, mas um
pouco distante de nossa aguerrida Alto da Catinguinha, que sediará o
Segundo Grande Simpósio. Daí em diante o Solimões correrá para o
Jaguaribe.

 

 

07. O referido aqui apresentado tem a força literária da verdade e da
liberdade do espírito. É na literatura e na poesia, mais do que em qualquer
outra manifestação do poder criador do ser social, que a contradição se
humaniza e se dialetiza. A escritura de Marx não teria o vigor que tem se
seu método de investigação não se revestisse da força estética do método
de exposição e do contraditório. Numa célebre carta, o Mouro de Trier
declarava mover-se sempre por contradições dialéticas. Na liturgia católica
desse domingo, 27 de dezembro de 2020, o velho exegeta Simeão, num
Cântico clássico, toma o menino Jesus nos braços e se dirige ao casal Maria
e José com as seguintes palavras: “Eis que este menino está destinado a ser
uma causa de queda e de soerguimento para muitos (…), (…) e a ser um
sinal de contradição” (grifo nosso) (Lc 2,34).

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do
Amazonas, teólogo sem cátedra e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. Desde Manaus

– AM, em 27 de dezembro do ano coronavirano de 2020.

2 thoughts on “FILÓSOFO JOSÉ ALCIMAR*: O COMUNISTA TOIN BARBEIRO E O CIPÓ DE AROEIRA

  1. Artigo triplicemente esplendoroso: sentido filosófico da mensagem (O comunista barbeiro tio Toin), mensagem que fala por si (O cipó de aroeira) e o intelectual no apogeu da competência e da maturidade que fala por nós e conosco da realidade nordestina e amazônica (Filósofo José Alcimar). Gratidão por compartilhar tão formativo texto. Um abraço de luz.

  2. Prezado José Alcimar, quando vi a foto, fiquei pensando que era seu pai, tal a semelhança entre as característica de vocês, com esse sorriso maroto. Amei a crônica pela forma amorosa como você descreve a figura do seu tio, ao mesmo tempo evidenciando seus saberes críticos, em relação ao mundo e à sociedade. Confesso que fiquei com vontade de ir lá nessa barbearia só para conhecer seu tio Toin e bater um papo com ele. Minha avó foi cabelereira por muitos anos. Na infância, eu ficava sentada por ali, ouvindo as conversas das mulheres e o que diziam. Às vezes, falavam do meu pai e nas primeiras vezes eu quis saber melhor o que estavam dizendo, mas minha avó dizia que não era para eu me intrometer na conversa de adultos. Então, eu fingia que estava brincando e ficava ouvindo quietinha para ninguém mandar eu sair de perto. Assim, fui construindo meu raciocínio sobre a análise social nos primórdios da minha atividade pensante. Imagino que seu tio, com tantos anos de trabalho e conhecendo tantas pessoas que foram lá cortar o cabelo, deve ser uma livro vivo de história da cidade. Se um dia escrever um livro com os casos que ele conta, vou querer ler. Parabéns.

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