DIA DOS NAMORADOS TOCANDO DE LEVE EM SANTO ANTÔNIO
A sociedade dita humana é marcada, antropologicamente, por rituais. Pontuações cronológicas nascidas de fatos históricos concebidos como produções materiais, e pontuações engendradas pela imaginação, muitas em formas de superstições. Manifestam-se em datas comemorativas. Uma referentes à história política da sociedade, feitos sociais, econômicos, esportivos, artísticos, etc; outra referente à alegorias, festividades religiosas e familiares.
Tratando-se do Dia dos Namorados, o mesmo se aloja no tipo de segunda pontuação cronológica. Uma data com o sumo sabor capitalista-comercial. Momento para possível melhora nas vendas. Data em que as formas de relações entre casais, ou mais, estão vinculadas a venda, compra e lucro. Muitas vezes até como lucro de fortalecimento dos namorados. Daí poder ser sintetizada para o comércio em: “Amar é dar presente!”
De formas, que a mercadoria, seja ela de que forma for, representa o elemento intermediário por excelência do acordo enamorante. É exatamente neste sentido calculista do namorar que apresentamos histórias tocando de leve em Santo Antônio, o Santo apanhado pelo capitalismo como seu garoto-propaganda. Disfarçado como aquele que une os casais em enamoramento. Ou, quem sabe, em casamento.
UMA AMOR MALOGRADO*
Ele, como jovem, carregava duas inquietações perversas para sua idade. Uma, não ter um emprego. Outra, não ter uma namorada. Para ele, a segunda estava intricadamente ligada à primeira. Sem emprego, nada de salário. Sem salário, como arranjar uma namorada? Uma namorada, além de afetos, implica relações materiais, como pegar uma tela, dar uns rolés de busão, comer pipoca na praça, ir a uma balada, tomar um sorvete, tudo que só é possível com o vil metal. E quantas garotas ele via desfilando em sua frente sempre que ficava de bobeira no Shopping. Quantas, quando uma só poderia ser sua namorada. Fantasia que esmaecia quando passava sua carteira de estudante na catraca do busão, que o condizia para a escola e para casa.
Certa tarde, precisando comprar uns objetos para a mãe, foi ao Shopping. Comprou os objetos e aproveitou para ficar de bobeira olhando as gatas. Perambulando no ventre do capitalismo psicodélico, não prestou atenção a uma voz chamando-o. Em seguida, como saindo de um quadro surrealista, percebeu que uma mulher, na porta de uma loja, chamava-o. Ele se aproximou, a mulher perguntou o nome dele, o que ele fazia, ele respondeu. Nisso, ela perguntou se ele não gostaria de trabalhar na loja. O coração disparou, um frio na boca do estômago, olhou para os lados, todas as gatas magicamente se transformaram em uma beleza só. Efusivo, respondeu que sim. A mulher confessou que alguns dias já vinha observando-o, e seu tipo físico era ideal para a função de vendedor de sua loja, que investia na beleza jovem, por isso o escolheu.
Começou a encarar a batalha, muito dedicado, amigo com os outros funcionários, logo formou um novo laço de amizade. Uma tarde, uma jovem entrou na loja para comprar um objeto. Ele foi atendê-la. Ela olhou para ele e disse que o que queria comprar poderia ser comprado em qualquer loja, mas que escolhera aquela por que pretendia conhecê-lo. Há alguns dias o tinha sacado. Ele sorriu tímido, mas feliz. Ela sorriu e pegou em sua mão. Deste momento em diante se enamoraram.
O dia do primeiro pagamento correspondia à véspera do Dia dos Namorados. Depois do trabalho, os dois se encontraram na Praça de Alimentação. Ele, então, disse que gostaria de lhe dar um presente no Dia dos Namorados, e perguntou o que ela gostaria de ganhar. Ela sorriu maravilhada, e exclamou que era o que estava esperando que ele lhe perguntasse. Aí, pediu que ele cortasse os cabelos. O rapaz sorriu pensativo, balançou a cabeça verticalmente, olhou firmemente nos olhos dela, inspirou em silêncio, e disse que não faria isto. Ela ficou surpresa, e argumentou que agindo desta forma ele mostrava que não a amava. O rapaz calmamente disse que se ela se enamorou dele com os cabelos grandes, e ele se auto-estimava com esta imagem, se cortasse os cabelos, ele passaria a ser outro, e como outro não mais a amaria, e ela estaria apaixonada por este outro dos cabelos curtos, não ele. E se ela tivesse se aproximado dele com o propósito de que no futuro ele cortasse os cabelos, como no momento estava acontecendo, ela, quando o viu com os cabelos grandes, e até aquele momento, não o amava. Amava sim uma imagem produzida nela pelo preconceito de adultos muito antes de ela nascer. Diante das considerações do rapaz, ela se amuou, levantou-se e saiu dizendo que ele quem perdera, pois ela tencionava no Dia dos Namorados apresentá-los aos pais. Da sua parte, ele sorriu, enquanto por suas costas uma garota passava puxando de leve seus cabelos.
A ADIVINHAÇÃO
Desde meninota, nas festas de Santo Antônio, ela gostava de participar das adivinhações ao Santo Casamenteiro. Chegada aos vinte anos, com as amigas, casadas e solteiras, falando que ela estava chegando na idade do caritó, entrou na ansiedade de querer casar. Só que queria casar com o rapaz certo. E ninguém mais indicado para apontar um partido certo do que Santo Antônio. Por isto, esperou ansiosa o dia do carequinha.
Chegado o dia, entre os festejos, as comilanças, os foguetes e as músicas, chegou a hora das adivinhações. Eufórica, ela escolheu logo a que mais acreditava: a faca na bananeira. Faca enfiada na bananeira, apreensiva, mas feliz foi dormir.
No outro dia, bem cedinho, foi até a bananeira. Bem de levezinho tirou a faca, olhou a lâmina, e tentou decifrar o nome do futuro marido. Seu corpo se arrepiou todo. Lá estava escrito, para seu entendimento, o nome: Aldino. No mesmo momento recorreu à memória para ver se encontrava algum Aldino, entre seus conhecidos. Nada. Não tinha ninguém com este nome. Para se confortar, falou para sua expectativa não entrar em desespero, é só esperar, que Santo Antônio era o “bicho” em casos de casamento. Pelo menos o nome do amado ela já sabia.
Ocorreu que varias vezes ao pegar o ônibus para ir ao emprego, duas paradas à frente, um rapaz gentil, sentara ao seu lado. De tantas coincidências, ataram uma relação de passageiros, ao ponto dela já esperar sua entrada no ônibus. Algumas vezes frustradas: ora já havia alguém sentado na poltrona, ora um estranho sentava ao seu lado, antes do passageiro-amigo.
O certo é que um belo dia ela ariscou perguntar seu nome, ele respondeu amigável: Aldino. Ela quase morre. Era o enviado de Santo Antônio, e logo apertou a mão do rapaz, que adorou.
Como a amizade encontrava-se muito bem engatada, passar para o namoro foi um passo, e menor que um passo, para o casamento. Casaram-se, e como ele fora transferido para outra cidade, lá foram os dois viver seus paraísos.
Aconteceu de terem que comprar uma casa financiada pela Caixa, que exigia dos documentos fidelidade. Foi, então, que ela viu, quando ele assinou um papel, que o nome de seu amor não era Aldino, e sim Aldiro. Desmaiou. Nome produto do misto de Aldiléia e Ronildo, segundo revelação dele logo após o desmaio.
Já em casa. Ele explicou que os colegas lhe chamavam de Aldino, porque achavam Aldiro muito feio. Ela abraçou-o, chorando, e contou toda sua história antoniona. Desesperada, abraçou-lhe mais forte, e disse que era preciso eles se separarem para ela sair em busca do seu Aldino. Ele analisou que se eles se amavam tanto, nada era mais importante. Mas ela, inquebrantável em sua opinião, tomou-se resoluta em ir ao encontro de seu Aldino. Como estava perto do dia de Santo Antônio, ele sugeriu que ela tentasse de novo a adivinhação, e, sem qualquer ânimo, só para não magoá-lo, ela aceitou.
Chegou o dia do Santo, e com ele a noite, e os dois foram até uma bananeira. Ela enfiou a faca. No outro dia, ansiosos, os dois foram ver que nome deu. Triste, ela, leu: Aldino. Foi, então, que ale pegou a faca e leu com atenção. Lá estava escrito, Aldiro. Ela, dominada pela ânsia de casar, não percebeu que o n de Aldino não era n, era r. R de seu grande amor: Aldiro.
*Malogro é um termo usado pelo filósofo Sartre para significar uma existência inautêntica. Uma existência como consequência, e não como princípio que se faz como subterfúgio, atalhos, a Má-Fé burguesa.
Li o texto em um sopro. Associei até àqueles que vocês publicavam – encontros casuais. Taí, encontros casuais no meu Santo Antônio. Três questões me chamaram a atenção: o cabelo grande, Sartre e a Advinhação. Muitos homens cultivam cabeleiras bonitas, esvoaçantes, sedosas que muitas fêmeas sentem-se gratificadas de acariciá-las. Essa não foi minha sina. Quando criança, lá no Seringal Mirim, minha mãe, por falta de grana e preconceituosamente cortava meu cabelo no toco, ficava todo carequinha e o inconveniente era que os colegas ainda me sabacuteavam. Depois de “homem feito” ensaiei umas cabeleiras. Mas o preconceito continuava em casa. Passava pros parentes, que diziam: poxa o filho do Dondon depois de velho quer virar mulher, já viram o cabelo dele? Só que percebi que ali com aquele cabelo longo eu estava contribuindo para desmistificar um preconceito, manter uma vida autêntica e não corroborar com o preconceito social e jamais o cortei. Podiam me chamar de mulher, fio-fio, o importante era estar do lado de cabeludos históricos como Jesus Cristo, mesmo ocidentalizado,Tiradentes, Bob Dylan, Marley, dentre outros de vastas cabeleiras. Outro ponto interessante foi referente ao filósofo Sartre falando do malogro, como vida inautêntica. Falar uma coisa e viver outra. E por fim as advinhações. O folclore. Aldino e Aldiro. Um casamento. Um namoro – encontro casual. O homem que amo, não é o homem que amei. Ser ou não ser, eis a questão. João Melgueiros/B. Álvaro Maia.