Na sociedade de consumo, onde tudo se torna mercadoria reificada como objeto de lucro, e que as relações sociais são atravessadas pelos meios de comunicação, as mídias, principalmente as televisivas, se mantêm do mais alto grau de desaparição dos fatos. Condição de apanhar um fato real com todas suas notas de visibilidade representadas em tempo e espaço definido encadeadas em uma enunciação própria, confirmadas pela percepção e o intelecto , e desativá-lo para que seja apresentado como imagem virtual em tempo real. Imagem sem suporte material, e tempo destacado da história e dos conteúdos existenciais. Nada mais que elevação do fato a fetiche.

Estabelecida neste vazio, a mídia-televisiva trata a informação tão somente como um espectro, onde o acontecimento é preterido em favor do espetáculo virtualizado. Assim, diante de fatos considerados por ela como catastróficos, seu exercício é se apossar de objetos e pessoas envolvidas na catástrofe, desativá-las de suas realidades e existências, através da abstração formal, e transformá-las em mercadoria de lucro no mundo virtual, onde nenhum contato é possível com o mundo real, já que o fato entrou na névoa da desaparição É assim que ela consegue manter sua audiência: sempre com imagens desativadas prontas a capturar o telespectador dos sentidos e da inteligência virtualizados, desaparecidos de suas significâncias sociais.

A CATÁSTROFE DO VÔO 447

Desativada do real, a mídia-televisiva toma os fatos pela simplificação de seu vazio. Assim, tem como catastrófico uma ocorrência onde acontecem mortes, o signo místico de alto valor comercial. Entretanto, foi exatamente por este entendimento que ela se viu nestes últimos dez dias em situação desesperadora como veículo vampirante da expressão da dor lucrativa.

O acidente do Vôo 447 impôs na mídia-televisiva o maior grau de desespero diante da impossibilidade de lucrar com a dor alheia. Como sua lógica capitalística é apanhar os fatos ocorridos na esfera real e fazê-lo, pela abstração formal, desaparecer e exibir seus resíduos virtuais lucrativos como imagem despotencializada, e como o avião desapareceu nas águas oceânicas distante de suas possibilidades, ela viveu a dor do que é uma real catástrofe: o momento em que todas as regras de um sistema desaparecem e o sujeito não possui mais notas capazes de lhe conduzir na nova objetividade. Sem os destroços do avião, sem corpos, ela se viu imobilizada em sua própria desaparição. Queria um objeto qualquer para exibir como mercadoria. Como não havia nada sobre a superfície da tela oceânica, e mais a distância onde ocorreu o acidente, ela teve que se contentar com seus recursos da tecnologia virtual: montou avião como figura-virtual em espaço com o oceano como fundo, ajustados em textos especulativos, para não perder de vez a oportunidade de lucrar.

Agora, como o tempo afastou a força impactante do acidente como objeto comercial, eliminando seu tempo real, deixando somente os parentes das vítimas com o acontecimento/presença/real, onde o tempo da dor é mais longo, esta mídia-televisiva tem que enfrentar a realidade que o fato aéreo lhe impôs como fracasso econômico, onde a dor alheia é só mais uma mercadoria na mídia de mercado.

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