O TRABALHO COMO VIRTUDE BURGUESA
A comemoração do Dia do Trabalho requer certa atenção se não quisermos cair em uma armadilha pelega. Um amaciante político/econômico/social. A comemoração não pode seguir a lógica reducionista mistificada que relega como fatos históricos às datas pontuadas, para o nicho da trivial festividade. Ou um feriado merecido por tanto suor despendido pelo trabalhador. Uma espécie de cretina recompensa do capitalismo patronal, apesar de alguns trabalhadores, hoje, encontrarem-se em labuta, em benefício de seus patrões.
Não cair na armadilha pelega é atentar para o significado simbólico do dia, e não permite que caia em uma simples ilustração de uma sociedade, que nunca foi doadora, mas só captativa. Para tal posição, torna-se imprescindível que o trabalhador passe a entender o sentido do trabalho, que o coloca como um criador, e o sentido do produto de seu trabalho que pode, ou não, lhe informar se seu trabalho é alienado, como quer o patrão, ou criativo como requer seu processual como um ato social de transformação da realidade pela práxis da inteligência, da imaginação e do corpo. O que lhe livra da escravidão por ser um trabalhador, como diz o filósofo Toni Negri, que faz uso de todas as suas faculdades como sujeito histórico.
Entretanto, é sabido que chegar a este posição examinadora de sua condição trabalhista, é uma aventura um tanto quanto espinhosa, o que requer do trabalhador grande observação, análise e definição. Pois, como soe acontecer quase que completamente, as crianças são introduzidas em um mundo em que uma das palavras mais falada é trabalho, e entretanto, não lhe é mostrado, nem na família, nem na escola, o que é trabalho, trabalhar e objeto do trabalho. Poucas crianças sabem que trabalho seus professores estão submetidos, e mais ainda, não sabem que quando estudam estão trabalhando, processando intelectual e imaginativamente conhecimentos que exigem também a atuação de seus corpos. Isto por que não lhe informaram que o trabalho vem antes do salário. Quando o salário foi fundado pelo capitalismo, tornou-se exploração alienadora da mão de obra do operário. Aí que entender trabalho apenas como salário é dar mais guarida ao capital explorador. Entender que o trabalho é uma produção criativa do homem ajuda o trabalhador a se proteger contra sua exploração. Alienado em seu trabalho, o trabalhador tem sua inteligência, sua imaginação e seu corpo vitimado pelo terror explorador do patrão.
INFÂNCIA MISTIFICADA À EXPLORAÇÃO
Com o mesmo descaso esmerado que os adultos oferecem o mundo do trabalho às crianças, eles oferecem regras de como preparar uma criança para ser um “adulto” trabalhador resignado, dedicado, submisso, agradecido, crente que o trabalho é distribuição dos bens de Deus aos homens, e que os patrões são bondosos, porque permitem o trabalhador, por seu trabalho, realizar a obra de Deus. Um lance trapaceiro do tipo absolutista: “Deus no céu, e o rei na terra”. Ou, simuladamente, uma ‘rousseauniada’: “A voz do povo é a voz de Deus”. Que dá no mesmo quando se trata de homem sujeitado.
Então, este bloguinho intempestivo, juntamente com os filósofos Umberto Eco e Marisa Bonazzi, com a obra de suas autorias Mentiras que parecem Verdades, resolveu apresentar algumas enunciações captativas que as crianças são obrigadas a ler, ouvir e seguir. Verdadeiras verdades que no céu alienante do patrão não são mentiras. Comecemos com uma poema que nos grupos escolares do Brasil era ensinado às crianças para declamarem no Dia do Trabalho, trata-se de O Trabalho, de Olavo Bilac.
Tal como a chuva caída
Fecunda a terra, no estio,
Para fecundar a vida
O trabalho se inventou.
Feliz quem pode, orgulhoso,
Dizer: “Nunca fui vadio:
E, se hoje sou venturoso,
Devo ao trabalho o que sou!”.
É preciso, desde a infância,
Ir preparando o futuro;
Para chegar à abundância,
É preciso trabalhar.
Não nasce a planta perfeita,
Não nasce o fruto maduro;
E, para ter a colheita,
É preciso semear…
Informações de Umberto Eco e Marisa Bonazzi de enunciações de alguns autores com suas pedagogias teratológicas.
SEM SUOR
Sem suor, quem, alguma vez, achou gosto nos prazeres?
A felicidade nos deu alegrias e deveres:
Por isso, o preguiçoso está sempre de mau humor;
Enquanto quem se esfalfa possui o coração livre e altivo.
Mãos à obra, amigos, a quem cantar mais, bem mais leve o cansaço parecerá.
OH, SIM
Oh, sim! Quem trabalha é feliz;
É isto que diz o martelo, que diz
A plaina, a pá, a serra,
O trabalho é como uma reza.
Quem não trabalha está sempre descontente;
Possui a alma turva e escura.
E se você o olhar, oh, que susto!
Verá dois olhos de lobo.
A ALEGRIA SEGUNDO MANTEGAZZA
O trabalho significa apetite, alegria, vivacidade, coração feliz, sono tranqüilo, mente serena, paz na alma e júbilo no coração..
Saúde e alegria ao homem que se cansa, rompendo os torrões da terra ou difundindo a luz da verdade entre os homens, enriquecendo o patrimônio das coisas úteis e o tesouro das belezas.
Sobre a sua cabeça, o céu está sempre sereno e, seja à luz do sol ou sob o esplendor das estrelas, a atmosfera que o rodeia deixa transparecer o perfume de mil bênçãos.
Saúde e alegria ao homem mais feliz da terra!
O FILHO MÍOPE
— Papai, você é mais bonito e mais majestoso que um rei. Trabalha no meio de fagulhas de ouro. Ao redor de sua testa brilha uma coroa de pérolas.
E não via que aquelas pérolas eram gotas de suor.
QUE BELEZA!
O operário mostra suas mãos cheias de calos;
Durante toda a vida tocaram
A terra, os fogos, os metais.
Estão vazias de riquezas, estão negras, cansadas, pesadas.
Diz o Senhor: — Que beleza!
Assim são as mãos dos santos.
QUEM TRABALHA PENSA DEMAIS
Eles trabalham e cantam, porque trabalho é alegria e saúde.
Os animais também trabalham: os bois subjugados ao arado, os passarinhos ao redor do ninho, as abelhas, para recolher o doce néctar.
Quem não trabalha tem tempo de pensar em coisas feias e de praticá-las.”
E O BARCO VOLTOU SÓ
O pescador, que vive grande parte dos seus dias na solidão do mar, é um homem que sabe esperar. A água tem seus caprichos, o lago, suas fantasias. Os dias nunca são iguais. O pescador, ao sair, não sabe se voltará com o barco cheio ou sem um único peixe para o jantar: ele se coloca nas mãos do senhor.
O SÁDICO
O senhor deu ao jovem o pão para salvá-lo da fome e deu-lhe trabalho para salvá-lo do ócio.
Sem pão, ele teria morrido; sem trabalho ele se tornaria ruim.
ORAÇÃO
Senhor, fazei com que minhas mãos conheçam as alegrias do cansaço, como as de meu pai e conheçam as alegrias do conforto e do amor, como as de minha mãe.
Outra contribuição brasileira na pessoa do poeta Correa Junior: A um Pequeno Operário:
Ama o trabalho – a oficina
Onde, entre amigos leais,
Vais cumprindo a tua sina,
Com a tua mão pequenina
Polindo tábuas, metais.
.
Maneja a plaina, o martelo,
Cheio de crença e vigor!
És o operário singelo
Cujo esforço é sempre belo,
Cuja riqueza é o labor.
.
Bendita seja a energia
Que palpita em tua mão!
Quem no trabalho porfia,
Com o trabalho, dia a dia,
Torna mais forte a Nação.