SE DEPENDER DO CAPITAL FINANCEIRO, COPA EM MANAUS (SE ACONTECER) NÃO SERÁ PARA OS AMAZONENSES
A imprensa manoniquim está em polvorosa e continua contando com o ovo antes da galinha botar. Graças a uma carta-padrão enviada pelo secretário-geral da FIFA, Jerôme Valcke, indicando que a entidade aceitou as 12 sedes que a CBF queria, e que isto aconteceu em observância ao Estado do Amazonas. A carta foi uma resposta à uma consulta feita pelos senadores João Pedro (PT) e Arthur ‘5,5%’ Neto (PSDB).
O fator que levou aos píncaros da excitação imaginativa a imprensa e os ufanistas da Copa Sem Copa foi o fato de multinacionais que patrocinam o evento e que possuem fábricas no Pólo Industrial de Manaus demonstrarem apoio à candidatura de Manaus. A Adidas, empresa de material esportivo que cresceu com o apoio da Fifa, durante a gestão de João Havelange, tem pretensões de montar uma unidade no PIM.
COPA, SEM COPA: O CAPITAL NÃO TEM PÁTRIA
Mesmo antes da palavra ‘Globalização’ se tornar senso comum nas décadas de 80 e 90, para decair no fascismo de ultradireita, xenofobia e no protecionismo econômico que atualmente ronda os países desenvolvidos, o mercado já era global. À produção do capital não interessa certidão de nascimento ou pedigree: o que vale é a relação entre trabalho, produção e lucro.
Evidência disso é o próprio protecionismo econômico que tem se acirrado nos últimos meses, com a alcunhada crise financeira: na Inglaterra, por exemplo, os demitidos das empresas são predominantemente estrangeiros, e eclodem protestos em todos os lugares para que as empresas contratem trabalhadores de seus países de origem. Ao mesmo tempo, a campanha “Buy American”, enterrada nos tempos áureos da desregulação do mercado financeiro nas décadas 80 e 90, ressurge com força em tempos de Barack Obama.
Daí o capital não ter compromisso com nação ou nacionalidade: aos donos dos meios de produção e grandes financistas, interessa quem oferece melhores condições de lucratividade, muitas vezes legalmente ou não.
O processo para escolha das cidades-sede da Copa 2014 não foge a esta regra. À FIFA não interessa como rola a bola, mas sim quanto de lucro será possível obter com o evento. Daí, na copa de 1986, no México, por exemplo, os jogadores terem de entrar em campo no horário ingrato, com sol a pino, o que fez com que jogadores como Maradona e Sócrates reclamassem publicamente, recebendo do então presidente da FIFA, João Havelange, a resposta: “que se calem e joguem”.
Daí a força institucional da CBF aumentar de forma a ameaçar quaisquer candidatura ao legislativo e executivo nos próximos cinco anos. Ricardo Teixeira tem recebido agrados de praticamente toda a classe política, que não pretende perder votos em questionar como se dará a organização e os critérios de escolha dessas cidades.
Governadores em todos os Estados aproveitaram para agradar o máximo possível os inspetores da FIFA. Em Manaus, como se sabe, até o cocar dos indígenas entrou na ordem do capital. O governador Eduardo ‘Maria da Penha Nele!‘ Braga estende a gestão marketista que tem feito no Estado do Amazonas e procura vender a ideia de que a escolha já foi feita, e que somente o Amazonas tem usado a tática do servilismo ao extremo. A qual, como mostra a competente jornalista Phydia de Athayde, na revista Carta Capital, se mostra furada:
“Nós os recebemos de forma amazônica’, exalta Braga. ‘Até chegarem a Manaus, eles estavam o tempo todo sob pressão. Aqui, relaxaram num eco-resort belíssimo, ficaram absolutamente à vontade’, garante. Verdade seja dita, o tratamento mais que vip proporcionado ao francês Thierry Weil, diretor de Marketing da Fifa, ao norte-americano Dick Wiles, da Match, empresa responsável pelos ingressos do Mundial, e ao brasileiro Fulvio Danilas, gerente da Fifa e responsável pelo projeto da Copa no Brasil, repetiu-se a cada cidade”.
Os grifos são nossos. Agora imagine o leitor intempestivo se a recepção fosse efetivamente “amazônica”, para além dos estereótipos pasteurizados do chamado turismo na floresta. Nem o mosquito da malária os inspetores viram…
FUTEBOL, FUTEMARKETING, FUTEBUSINESS
Se os critérios passassem ao menos próximo ao elemento básico de um campeonato de futebol, seria impossível a uma cidade onde o esporte não vinga nem com o adubo financeiro dos governos sediar jogos de uma copa do mundo.
Daí o equívoco da governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, que aposta na tradição futebolística do Estado, que mesmo não tendo clubes nas duas divisões principais do campeonato brasileiro, conseguem colocar 32 mil pessoas num clássico Remo e Paysandu, pelo campeonato regional, que ao contrário do amazonense, mobiliza a população. Segundo Ana Júlia, não vai haver “elefante branco” no Pará. Ela ainda afirma que os investimentos em infraestrutura que estão previstos para a cidade, num total de 400 milhões de reais em obras financiadas pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil, acontecerão, independentemente da escolha da cidade como subsede.
Os critérios da Fifa não passam pelo futebol, assim como um entendimento mínimo da importância social dos investimentos para além do evento não passam pelo gabinete do governador Eduardo Braga. No entanto, a se confirmar as perspectivas do governo do Pará, a população já ganhou, mesmo que os três ou quatro jogos da Copa 2014 não ocorram no Mangueirão. Já em Manaus, não há previsão de investimentos caso a escolhida seja a capital do Grão-Pará.
Há ainda para os ufanistas da Copa Sem Copa em Manaus dois aspectos a serem levados em consideração:
1) Em seu livro “Como Eles Roubaram o Jogo”, o jornalista David A. Yallop mostra, através de documentos e jornalismo investigativo, como a questão da disponibilidade dos ingressos para jogos da Copa se transformou em moeda de troca para cargos, apoio, suborno, tráfico de influência. Entre ingressos para comitivas internacionais de patrocinadores, federações nacionais de futebol (cujos votos elegem o presidente da Fifa), amigos, investidores, autoridades, cotas de patrocínio e de eventos promocionais, pouco sobra para a população local, a preços geralmente impraticáveis para uma economia em desenvolvimento.
Daí se imaginar que o lobby empresarial para que os jogos ocorram aqui tenham um caráter menos ‘futebolístico’ que econômico. A lucratividade destas empresas deve crescer muito caso Manaus seja escolhida como sede. No entanto, não se ouviu falar de que as mesmas empresas se disponibilizaram a investir na infraestrutura ou nos gastos com a preparação para os jogos. Certamente, haverá um investimento: os diretores e gerentes destas empresas estarão todos com ingressos na mão, no dia das partidas. E para a população, o que sobrará?
2) A dupla reeditada e provisória, Braga e Amazonino, os Bragoninos, não são conhecidos exatamente por obras de infraestrutura que tenham beneficiado efetivamente a população de Manaus. Entre um viaduto e outro, Amazonino e Braga orquestraram, nos áureos tempos do neoliberalismo, a privatização da água de Manaus, a qual a população até hoje aguarda que chegue nas torneiras de todos os bairros da cidade. O transporte coletivo tem estatuto e e gestão próprias, com direito a claro e impune desrespeito aos direitos trabalhistas dos funcionários, ineficiência do serviço e décadas de superfaturamento do valor da tarifa. É com esse curriculum vitae que os governantes citados pretendem fazer crer que as obras de infraestrutura para a copa serão feitas a tempo, sem irregularidades e com a garantia de que terão uma funcionalidade para além dos três ou quatro jogos que devem ocorrer caso seja escolhida. Acredite quem quiser. Há ainda quem creia num ressurgimento do futebol local a partir deste incentivo, resta lembrar que os clubes amazonenses são, há décadas, usados como trampolim eleitoral, e que, se a questão fosse falta de dinheiro, há muito que a cidade com o quarto maior PIB do Brasil teria um dos campeonatos regionais mais fortes do país. Enquanto o RePa leva 32 mil pessoas numa época de crise, em Manaus, um São Raimundo e Fast não chega a 3 mil pessoas.
Triste sina para quem deve ter no quintal de casa a ilusão do futebol no hiperreal da telinha global. Claro sinal dos tempos em que a sociedade cria para si uma realidade “mais real que o real” (Baudrillard), será ver a população amazonense assistindo pela telinha de plasma nos bares da cidade os jogos que estarão ocorrendo no novo Vivaldão, enquanto lá dentro estarão – igualmente vilipendiados! – europeus, estadunidenses, africanos, chineses, asiáticos e até brasileiros. Mas nada de povo.
Assim, aos ufanistas da Copa Sem Copa, porque sem futebol, sem o elemento necessário e que dá sentido ao próprio acontecimento, resta a ilusão quase psicótica de que, caso seja escolhida, Manaus sairá vencedora. Nenhuma cidade, seja Manaus ou Belém, do ponto de vista do jogo, tem o que ganhar. Economicamente, Belém já é superior a Manaus, já que mesmo com PIB menor, a produção econômica é, em maior grau que aqui, investida em infraestrutura e condições de existência na cidade, enquanto Manaus, a se avaliar pelos governantes que temos, mesmo com mil copas não teremos uma cidade.
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