ENQUANTO A PALESTINA PADECE, ISRAEL PEDE DESCULPAS À ONU

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Ontem (16), segundo notícias divulgadas em vários meios de comunicação, o primeiro-ministro israelense Ehud Olmert afirmou que Israel havia bombardeado o complexo da ONU, uma Agência de Ajuda aos Refugiados Palestinos (UNWRA), onde se encontravam alimentos, refugiados, alguns escritórios e uma escola, na Faixa de Gaza. Após o bombardeio, enquanto o prédio e alimentos queimavam e três pessoas eram dadas como feridas, Ehud Olmert e o ministro da Defesa de Israel Ehud Barak pediram desculpas pelo que classificaram como “um triste incidente” e “um grave erro”, respectivamente. Olmert ainda disse: “Nós não queremos que incidentes desse tipo ocorram e peço desculpas, mas não sei se você sabe, mas o Hamas disparou do complexo da UNRWA”.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, sobre este acontecimento disse: “Apresentei meu forte protesto e ultraje ao ministro da Defesa e à ministra de Relações Exteriores, e exigi uma plena explicação”. Ainda: “O ministro da Defesa me disse que foi um grave erro e que levou isso muito a sério. Ele me garantiu que será dada atenção extra às instalações e funcionários da ONU, e que isso não irá se repetir”.

O ABSURDO DA DESCULPA

Pedir desculpas implica em um enunciado irracional ao qual pretende colocar a temporalidade convencional subjugada a uma força externa autônoma, que teria o poder de manipular o movimento do tempo. Pretende impor a volta de um acontecimento, o que é impossível. Portanto, constitui-se como uma atitude passiva frente aos eventos suscitados pelos movimentos da produção da existência. Prática reativa que nega a produção do novo no mundo. Má consciência (Nietzsche). Por estas razões, o pedido de desculpas é muito requisitado por aqueles que desprezam a produção constitutiva do coletivo como um plural de singularidades; e põe em ação circuitos móveis e modulares de diferenciações e identidades que constituem “um regime específico de relações globais” (Toni Negri e Michel Hardt). Para estes, deve existir a possibilidade de se livrar da culpa conquistada, de maneira incólume, seja lá o que suas atitudes tenham ocasionado de violência aos outros.

Daí poder existir o implícito pedido de desculpas de Bush, depois de uma tanática administração nociva ao mundo, por ter errado em sua administração pública e ainda dizer que agiu dignamente e, logo depois, premiar com medalhas seus irmãos siameses.

Mas para que exista o absurdo da desculpa é necessária a existência de um juiz e de um condenado (uma vez que a culpa já lhe foi impressa, este não pode ser um réu). Assim, o juiz é o que tem os devidos poderes de decidir se o condenado será liberto ou não de sua culpa. E este juiz deve reunir sobre si poderes soberanos e uma autolegitimidade. Contudo, mesmo que o juiz possa lhe retirar a culpa (um absurdo), isto será feito depois do fato já ocorrido, post festum.

A ONU E SUA MISSÃO

Atualmente, quem representa este juiz com poderes soberanos e com autolegitimidade no mundo é a ONU. Depois da segunda guerra mundial, a Organização das Nações Unidas estabeleceu uma ordem jurídica, que primeiro ocorreu na Europa, mas depois se consolidou de modo global. Esta ordem consiste em garantir o reconhecimento e a legitimação da soberania dos Estados individuais, mas, para tanto, a ONU procede através de direitos internacionais constituídos por pactos e tratados. E, para manter esta ordem, a ONU deve manter um centro supranacional, onde as decisões possam ser suscitadas através do uso da dissuasão racional entre os países membros. Deste modo, a ONU desempenha, através da criação de direitos internacionais, uma produção normativa jurídica global imperante. Todavia, não é difícil verificarmos o quanto a ONU tem falhado neste seu intuito. Suas decisões não vêm sendo respeitadas. Exemplo disso foi a invasão norte-americana no Iraque, que passou sobre as suas decisões. Outra demonstração de sua atual insuficiência vêm sendo as desastrosas ações que vem exercendo na tentativa de um cessar fogo na ofensiva de Israel contra a Palestina. Sem falarmos o fato da Palestina não ter um território nacional reconhecido, o que a impede de fazer e participar de acordos autênticos de paz.

A ONU E O ABSURDO DA DESCULPA

Este episódio de morticínio efetuado por Israel sobre os palestinos evidencia o quanto a ONU pode ser vista como um órgão conveniente com o que vem ocorrendo. Primeiro que ela não questionou o pedido de desculpas de Israel e o aceitou como um “incidente” e um “erro”. Segundo, após o acontecimento ela exaltou a atitude de Israel dar uma atenção extra aos seus funcionários e às suas instalações, mas em nada falou sobre a continuidade dos ataques israelenses.

Ban Ki-Moon ainda falou que o número de mortos já atingiu “um ponto intolerável”. Daí podermos inferir que há um número tolerável de mortos pela ONU e que, agora, que eles foram o alvo, este ponto chegou ao limite do intolerável.

Israel demonstra o quanto a ONU falha em sua missão de garantir e reconhecer um sistema jurídico que possa garantir direitos em amplitudes globais. Ainda que a ONU possa desculpar ou não o que Israel fez, em nada isso adianta. Tudo já está feito. Enquanto a ONU entra no jogo do não jogar do absurdo da desculpa, a Palestina e os palestinos padecem. Resta à ONU cumprir o seu papel de manter a contabilidade cadavérica. Pois Israel continuará lhe dando o que contar e ainda sairá como a nação que luta contra o mal na Terra. Tudo que é próprio do absurdo da desculpa.

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