UM COMENTÁRIO SOBRE UMA FALSA POLÊMICA REQUENTADA

Tudo bem, nós sabemos, o “artigo” foi escrito em 18 de dezembro, e não mereceria maior atenção do que a que estão lhe dando. Trata-se do texto do jornalista Hugo Studart, intitulado “Abaixo a Ditadura Gay, o Bolsa-Boiola e o KY do Temporão”. Faremos apenas algumas observações sobre o alcunhado artigo, a fim de dar um toque para @s leitor@s intempestiv@s sobre como evidenciar a homofobia latente e que tenta se proteger apelando – desarrazoadamente – ao princípio de liberdade de expressão. A ele, uh-lá lá!

Expressão, Opinião: a primeira frase do alcunhado de Hugo se vale logo do princípio de liberdade de expressão. Pois bem, Studart, o que é liberdade de expressão? No plano jurídico, o qual, cremos, você consegue chegar, afirma que é possível ao cidadão dizer o que quiser, e quem se sentir ofendido pode tanto replicar argumentativamente quanto apelar judicialmente, mostrando que houve dano de qualquer espécie para si ou para a sociedade naquilo que foi escrito/dito. Daí se depreende que não há necessidade de procurar abrigo antecipado na lei, a não ser que se saiba de antemão que o que irá escrever será ofensivo. Mas o direito à liberdade de expressão é anterior à constituição brasileira e não se reduz à lei.

Que é liberdade? Para o filósofo Spinoza, é governar os afetos, o que só é possível a partir do exame, pela Razão, da sua condição existencial no mundo. E que é expressão? É produção intensiva de dizeres através do átomo-letra, pelo engendramento desejante das afecções, a partir de Si. Produção de tese, fazer brotar o novo no mundo. Fora disso, não há expressão, mas tão somente redundância.

O artigo de Studart, cheio de clichês, não carece de defesa do direito à liberdade de expressão: ele próprio o cerceira, limitando sua escrita à manipulação de clichês do enunciado cristão-burguês.

Um clichê: “Os hospitais, isso é público, estão derretendo por falta de verba. Falta dinheiro para toda a sorte de medicamentos essenciais. Neste exato instante, por exemplo, faltam nos hospitais públicos bolsa para coleta de sangue e os hemoderivados fatores VIII e IX da coagulação, essenciais para a sobrevivência dos hemofílicos. O dinheiro está sendo desviado para KY, camisinhas e pênis de borracha”.

Equívoco fruto da estreiteza intelectiva ou do apêgo ao enunciado da privação. Ao Estado cabe fomentar e investir em ações de políticas públicas. Tanto um quanto outro são políticas públicas da área da saúde. Não são, portanto, concorrentes, senão dentro de uma visão de concorrência capitalística, medicina de mercado.

Mas se a lógica a ser usada for essa, então continue-se e libere-se a compra de órgãos. Assim, desonera-se o Estado, que pode investir em outras áreas enquanto quem tem mais dinheiro se salva comprando o rim ou o fígado que lhe falta. Se, para Studart, o Estado nada tem a ver com o fato de um transsexual ter nascido com um pênis que não lhe é funcional, o que teria o Estado a ver com outrem que nasceu com um fígado que degringolou? E não nos venham afirmar que se vive com um pênis indesejado mas não se vive com um fígado doente: a saúde não se reduz ao binômio morte/vida, mas é biopolítica: versa sobre os modos de existir. A lógica é a mesma dos mega-laboratórios: o lucro acima da saúde.

A crítica em relação aos excassos recursos para a área da saúde é válida, mas quando esta “crítica” é seletiva, excludente de quaisquer segmentos sociais, descofiem. Tem cheiro de defunto no ar: a economia (neo)liberal. O mesmo vale para o argumento (!) de que o Estado não deveria oferecer serviços psicológicos aos pretendentes à cirurgia de redesignação sexual. Errado: pelo documento normativo da conduta do profissional de psicologia, emitido pelo CFP, não deve haver discriminação a nenhum tipo de demanda psicológica. Ainda mais quando os conflitos advêm dos enunciados sobre o corpo produzidos por este mesmo Estado.

Outro clichê: “Temporão decidiu comprar mais 1 bilhão de camisinhas já lubrificadas. A licitação vai sair do armário na próxima semana. Está programada para o dia 29 de dezembro, no apagar das luzes do ano. Deve consumir outro R$ 1 bilhão dos cofres públicos. Por que tanta pressa? Por que tanto discrição com o dinheiro público?”.

Meu bem, isso se chama política de prevenção. O carnaval está chegando, faz parte da estratégia de enfrentamento à AIDS a distribuição maçiça e gratuita de camisinhas em todo o país, desde, pelo menos, o primeiro governo FHC, quando já era modelo reconhecidamente eficaz no combate à epidemia. E, para usar uma terminologia que deve agradar ao escriba: camisinha cabe em qualquer piroca, seja homo, hetero, bi, multi, pluri… Como se a funcionalidade de preservativos tivesse como alvo somente a população LGBT, apesar da fonte studartiana tê-lo afirmado. E não houve nada de “discrição”, a notícia está estampada na agência Brasil de Notícias. Vai lá e confere, boneca!

Outro clichê: “Recentemente, Temporão mandou comprar e distribuir pênis de borracha para usar em educação sexual e cartilhas ensinando as melhores técnicas de penetração anal entre parceiros do mesmo sexo. Ninguém entendeu direito o que a didática do prazer tem a ver com prevenção à Aids”.

Ninguém quem, cara pálida?!? Esta colunéeeeesima não é Odysseus, mas também se arvora a ser “ninguém” neste embate ciclópico. A didática do prazer, para continuar na terminologia studartiana, tem absolutamente tudo a ver com a prevenção da AIDS. Não obstante a tecnologia de apropriação do discurso médico-científico sobre o corpo, empreendida do século XVIII em diante, até descambar na biopolítica (Foucault), o Estado tem se imiscuído nos corpos e no seu uso. É bom lembrar, pro exemplo, que a masturbação, de pecado, passou a fonte de doenças, condenada pela psiquiatria e pela epidemiologia. Há, portanto, toda uma enunciação sobre o corpo e seu funcionamento, que determina os modos de existir e de cuidado. Portanto, o conhecimento do corpo e de seu uso, quando não se faz de modo intrusivo, mas sugestivo, é sim objeto de atuação do Estado. Nem precisa ter praticado para saber que o sexo anal sem proteção e sem lubrificação causa erupções e microfissuras por onde o vírus da AIDS passa tranquilamente. Este mesmo enunciado que produz saberes sobre o corpo e a sexualidade, os segrega a territórios obscuros socialmente, e também incide sobre as classes sociais. A educação sexual, neste sentido, é parte integrante de uma política de saúde democratizante, como o é em países socialmente desenvolvidos. Faltou comprar só a xoxota de borracha.

Outro clichê: “A licitação vai sair do armário…”, “Bolsa-Boiola”, “Os travestis optaram por ser assim”, “Gaystapo”, dentre outros.

Studart insinua, mais uma vez ofendendo a inteligência de seus leitores, que Temporão estaria “legislando em causa própria”, e vai até o império romano para insinuar que o Ministro estaria sendo favorável aos LGBT por ser gay, para em seguida afirmar que não se está em discussão a orientação sexual de Temporão, mas tão somente a “boa gestão do dinheiro dos nossos impostos”. Aqui a homofobia do texto de Studart é mais evidente. Ele usa a condição sexual para insinuar um ato de corrupção governamental, e até tenta usar a imagem do imperador Heliogábalo para tentar estabelecer a idéia. Uma colagem malfeita que não se sustenta ao primeiro senão. A orientação (não opção, como a ciência já provou, Studart) não incide sobre valoração ou qualificação de ninguém, exceto quando o discurso judicativo se baseia na xeno/homofobia. Se houve prevaricação, que se apresente provas, ou pelo menos indícios plausíveis. Se não há necessidade de compra do material, que se explique o porquê. Mas Studard prefere afirmar sub-repiticiamente que Temporão age em favor da prevenção à AIDS entre a população LGBT por que é gay. Quanto aos clichês, são fruto de um método de persuasão antigo: desqualificar o adversário, ao invés do argumento, através do humor homofóbico globístico. Studart usa os termos como se estivesse na telinha global (ou quaisquer das co-irmãs) num sábado à noite, pilotando pseudo-humorístico. E insiste que não é homofóbico. Acredite quem puder.

A homofobia nem sempre é uma atitude direta. Nem todos os homofóbicos são ingênuos a ponto de atacar de frente um movimento social que ganhou respeitabilidade. Isso a gente só espera dos disangélicos mais abissais. Mas que o texto do jornalista está carregado de elementos homofóbicos, e por isso mesmo a necessidade obsessiva de convencer o leitor de que se trata apenas de “boa gestão dos impostos”, isto não resta dúvidas.

Por isso esta coluna recomenda: ao invés de ficar esperando o beijo gay da Globo, vão estudar, lindonas!

Ui! E agora vamos ver outros sopros gays (ou não) que passaram no nosso Mundico!

Φ NATAL GAY, É NA HOLANDA, BABY. O Natal Gay, ocorrido no último domingo, no Pink Market, em Amsterdã, foi um sucessaço, com direito a encenação de uma versão gay da natividade, com a travesti Wendy Mills interpretando Maria. Um acinte, segundo a associação Christians for Truth, que tentou, mas não impediu o evento. Para Frank van Dalen, do Pro-Gay, o objetivo do movimento é mostrar que não basta ser tolerado, é preciso que os LGBT sejam protagonistas políticos e ativos cidadãos. O evento fará parte, agora, do calendário de eventos da cidade. Tá pra ti, doida? Sentiu a brisa, Neném?

Φ ATIVISTAS SE ACORRENTAM CONTRA HOMOFOBIA NO CHILE. Ativistas do grupo chileno Movilh – um dos mais ativos da América do Sul – acorrentaram-se na frente da sede do partido Unión Demócrata Independiente (UDI), para protestar contra o veto do partido à leis que estabelece medidas contra a discriminação. Segundo Rolando Jiménez, um dos acorrentados, presidente do Movilh, houve várias tentativas de negociação com o partido, antes da medida protestativa. Jimenez, Eduardo Ubilla, o ex-policial César Contreras e a transexual Claudia Espinosa, foram presos após serem retirados à força da frente do prédio. César Contreras processa a polícia por discriminação, enquanto Claudia move ação contra o prefeito da cidade de Idependencia, por impedir que ela trabalhe como camelô, por causa de sua aparência. Sentiu a brisa, Neném?

Φ 66 PAÍSES SE MANIFESTAM CONTRA CRIMINALIZAÇÃO DO HOMOEROTISMO NA ONU. O Brasil e mais 65 países assinaram a Declaração para Descriminalização da Homossexualidade no Mundo. A declaração foi proposta pela França, mas não foi assinada pela maioria dos 192 países que compõem a ONU. Mesmo assim, para a ministra francesa dos direitos humanos, Rama Yade, é um momento histórico para o mundo. No entanto, de pouco adiantará a assinatura se não se tomarem medidas efetivas para pressionar os países, sobretudo que usam a religião muçulmana como desculpa para perseguir homoeróticos, a mudarem de atitude. Sentiu a brisa, Neném?

Φ SÃO SILVESTRE TERÁ VERSÃO GAY. Enquanto milhares de corredores de todas as cores, nacionalidades, gêneros e orientações sexuais/eróticas disputam a principal corrida pedestre do Brasil, a São Silvestre, a boite paulista NostroMondo promoverá a versão gay da disputa, com premiação de 300 Reais para o vencedor e mais 100 para o segundo e terceiro lugares. Com a diferença que esta ocorrerá somente no dia 1o de janeiro, a partir das 16h, em frente à boite. Para tirar a ressaca, se divertir e conhecer gente interessante, é a pedida! Sentiu a brisa, Neném?

Beijucas, até a próxima, e lembrem-se, menin@s:

FAÇA O MUNDO GAY!

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