O JUIZ E A VONTADE DO POVO
DA VONTADE
Para o filósofo Nietzsche, vontade é a potência criadora da vida afirmada pelo pensamento como viver distributivo. O Eterno Retorno. A vida continuamente nova, jamais repetida em imagens ou códigos lingüísticos. Vontade não é um querer saído dos encadeamentos de imagens e palavras (projeção psicológica) dirigido a um objeto ou um fim: “Tenciono aquela mercadoria”. “Meu objetivo é esse”. Para o filósofo, a vontade nunca é uma forma ou um conteúdo. Pode criá-los, mas não sê-los. O que já se encontra posto não é vontade. Portanto, a vontade só se faz como criação, o Novo. O que escapa ao juízo-querer-comandar.
DO POVO
O povo não é um conjunto de indivíduos habitando um território geográfico submetido às leis administrativa, econômica e social. Campo de agenciamento de controle coletivo. Ao contrário, o povo é indemonstrável, pois é multidão, To Pletus, potência-democrática das diversidades. Kratos: potência criadora coletiva, para os gregos. Potência democrática ou Conatus, como afirma Spinoza. Ou Virtú, como diz Maquiavel. Ou ainda, Multitudo, em Toni Negri. Nada do que possa ser mensurado, classificado e denominado como imagina o senso comum.
Fora do povo não existe qualquer corpo que lhe seja superior capaz de lhe envolver, e lhe ajuizar. Como corpus, átomo-potência, nenhum indivíduo pode sair da multidão, virtú, para conceituar o povo. Já que sair do povo é deixar de ser povo. Daí nada poder saber do povo.
DO JUIZ
O juiz Vitor enuncia “Vontade do Povo”. Sua enunciação nos remete a duas ingênuas sentenças.
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Ele ajuíza povo como se povo fosse algo fora de sua existência, e que, assim, pudesse ser observado, analisado e designado. Recurso senso comum muito usado pela maioria dos candidatos a cargos eletivos: “Meu povo”. “O povo é soberano”. “O povo é sábio”. Palavras de ordem para confirmar a voz de comando da semiótica arborescente: selecionadora, classificadora e hierarquizadora. Ou seja, uma enunciação que discrimina povo como corpo-observável e capturável. Quando não é.
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O juiz Vitor, em seu cargo de magistrado, compósito de uma linguagem forense capturada em uma segmentaridade com estado de coisas definidas, mostra um corpo-povo saído do entendimento eleitoral referente aos votos do candidato Amazonino. Apresenta uma sentença reducionista, mesmo se levarmos em conta o conceito simplista de povo como conjunto de habitantes de um espaço geo-político se relacionando socialmente de acordo com seus interesses comuns.
Desta forma, compreende-se que as sentenças do juiz fogem ao entendimento de povo como potência democrática para se situar em um plano ingênuo políticamente. Evidência convincente encontra-se no fato da enunciação “vontade do povo” enviar ao entendimento de que os eleitores de Amazonino representam a população de Manaus, quando não representa, faz parte (semelhança com a afirmação do juiz Agliberto: “instabilidade social”). A população conta com dois milhões de habitantes, enquanto os votos de Amazonino, inclusive os que lhes causaram certos “percalços”, vide a cassação, uns quinhentos mil votos. Metade da metade da população de Manaus. No conceito simplista de povo, nada da vontade do povo de Manaus. Sem contar com a parte da população que tem do entendimento de democracia uma aproximação com os conceitos grego, latino, com os filosóficos de Spinoza, Maquiavel e Toni Negri. Incluem-se aí os democratas ‘eunicianos’, os engajados na democracia constitutiva promovida pela insigne juíza Maria Eunice Torres do Nascimento. Sendo assim, não se tratava da vontade do povo, mas da leitura que o juiz fez sobre o corpo-eleitores de Amazonino.