O VICE E AS SUBJETIVIDADES
Os estóicos chamavam de lecton uma palavra sem suporte material. O filósofo Spinoza chamava de quimera um ente sem essência, que não pode ser pensado, e sem existência, que não pode ser experimentado. Freud chamava de fálico a representação simbólica de um objeto, no caso da teoria libidinal-sexual, o pênis. Que não é o órgão biológico, mas referente dele, mais castração (neurose) do que ação. O vice, em política, carrega estes três enunciados como sua suposta expressão. Ele, no discurso da praticabilidade, onde o sujeito se mostra no território dos estados de coisas sociais com sua enunciação, não realiza significações próprias. É sempre um virtual referente ao seu titular, no qual é assinalado, mas sem jamais ser encontrado. Um virtual nunca atualizado como real. É um engodo. Quando se pretende encontrá-lo, é seu titular que aparece. Em sua falsa aparição, ele evidencia mais seu modelo do que a si mesmo. Isso porque não chega nem a ser cópia.
E nessa dança fantasmagórica, ele não pode nem ser tido como o duplo do outro que aparentemente significa, já que é sua existência quem depende do outro e não o outro de si. Dolorosa aventura do vice. Não é nem Eu e nem Não-Eu. É apenas vice. Mesmo que venha a ser titular da posição com a ausência definitiva do personagem principal, será sempre vice, pois foi assim que foi dado a se dizer. Será sempre o rastro e não o objeto. Mais imaginação e menos razão. É um ente da superstição. Assim como lobisomem: nem lobo nem homem. Só uma aparição supersticiosa. Não pode realizar nem o lobo nem o homem. Talvez o filósofo o chamasse de uma falsa sedução, já que não desvia. O que é da sedução.
AS SUBJETIVIDADES
A subjetividade é um corpo heterogêneo constituído de elementos materiais e imateriais produzidos por instâncias individuais, coletivas e institucionais cuja expressividade prática se realiza por uma semiótica com o poder de afetar os sujeitos tornando-os sujeitados a seus regimes de valores. Como exemplo o sistema capitalista, com seu regime de signos econônimo/político/social, com força de subjetivação daqueles que se assemelham a ele e passam a ser seus agentes propagadores ou máquinas de subjetivação.
Na chamada instância política, quando predomina uma subjetividade retrógrada, triste, tirânica, espera-se que uma outra subjetividade constituída de outros elementos diferentes daquela se faça emergir para poder se tornar enunciação coletiva, um novo processual de subjetivação. No caso, a democracia. Entretanto, em quase todos (talvez todos) estados do Brasil, isto não acontece. Aqui em Manaus não escapa à regra. Predomina a subjetividade reacionária. E nisso, as coligações não escolhem seus vices como composição diferente. Mas como identificação. Aí a grande vingança do vice: ser o próprio titular. Ser a fidelidade real do cabeça de chapa. Ou seja, é também cabeça. Mesmo que não seja traduzida em votos. Assim é que tanto faz Sabá (PR) ser vice de Omar (PMDB), que é vice-governador de Braga (PMDB), que lhe apóia, como ser vice de Amazonino (PTB) ou de Serafim (PSB), dá no mesmo, já que todos são sujeitos sujeitados a subjetividade retrógrada, calculista, ambiciosa, que entristeceu o Amazonas durante mais de vinte e cinco anos. O mesmo se aplica para o deputado Carlos Souza (PP) — cuja eleição foi sempre conseguida com o uso perverso da miséria de parte da população —, que se coloca como vice de Amazonino. Estaria muito bem nos três prefeituráveis citados. O mesmo seria se Amazonino o preterisse e escolhesse um ‘intelectual’. Este aceitaria, pois faria parte desta força maquínica reacionária que não segrega o novo, mas só fortalece o buraco negro da dita política local.
A SUBJETIVIDADE PRAÇA
A candidatura do deputado federal Praciano (PT), o Praça, nos oferece um caso hilário. Embora transporte signos de uma subjetividade democrática como potência criadora de novas formas de existências, entretanto, tem como vice um sujeitado da subjetividade retrógrada: deputado estadual Luiz Castro. Cuja grande contribuição é mais de retração buraco negro, do que disjunção da dor para construir comunidade, “libertar as relações e determinar a alegria”, como afirma o filósofo Toni Negri. É aí que Praça não é Praça “do povo como o céu é do condor”, como diz o poeta. Não Caetano, que é reacionário.
No mais fica a expressão subjetivadora: “Vice, Maria!”.