A LÓGICA DA INSIGNIFICÂNCIA JORNALÍSTICA
“Do mesmo jeito que clonarão biologicamente os seres humanos no futuro, mas no fundo eles já têm, mental e culturalmente, um perfil de clones”, afirma o filósofo Baudrillard sobre a sociedade da insignificância, onde os discursos e os gestos como figuração social são programados. A “atividade mínima, radical, exclusiva que, por sua própria repetição, torna-se virtual” (Baudrillard). A banalidade pura como confirmação de que nada mais há para ser revelado. Esta, a lógica da insignificância perpetrada pelo jornalismo de mercado, para quem tudo é mercadoria (vazio), até mesmo a existência do homem. A existência esgotada, sob a verdade virtual. O produto comercializável por sua ausência de significância social. Ou o niilismo do desejo. Homicídio coletivo do discurso. Estase sensorial e cognitiva. Corpo imóvel do jornalista e de seu leitor.
É esta lógica da insignificância jornalística que o leitor significante encontra quando tenta ler um texto deste universo jornalístico. É a violência da negação da leitura: não há discurso diverso. Só replicância-literária. A clonagem textual. Então, o que poderia ser uma experiência de leitura/cognitiva torna-se apenas uma experiência sensorial. Isolamento sensível. Anorexia intelectual.
Esta cumplicidade viral/virtual (repetição) mostra-se em total abrangência em todas empresas jornalísticas do mercado editorial. A heterogeneidade dos discursos dar lugar ao macro-texto-matriz circunscrito pelo mercado cujo desejo é o lucro. A homogeneidade da insignificância. Inscrição do desaparecimento da razão.
Uma breve exposição da desrealização do ser social e do real jornalístico. Três jornalistas do jornal Folha de São Paulo escrevem sobre o infanticídio, em questão, a meiga criança Isabella: Eliane Catanhêde, Hélio Schwartsman e Gilberto Dimenstein. Embora o mesmo tema tanático, espera-se diferenças de enunciados e conteúdos. Já que se trata de três existências com percursos ontológicos diferentes. Mas nada diferente ocorre quanto ao tratamento intelectual ao tema. Os três confirmam Baudrillard: “no fundo eles já têm, mental e culturalmente, um perfil de clones”. Não disjuntam o tema friccionando suas margens, rachando sua crosta social, desdobrando suas bordas endurecidas pela semiótica mítica/mística. Não cansam de repetir, sem entrelinhas, o que em outros jornalistas acusam de “curiosidade mórbida da sociedade” (Catanhêde), “imprensa ávida por sensacionalismo” (Hélio Schwartsman). “Mórbida”, sentencia Catanhêde. E onde não há morbidez neste texto: “Porque fica a sensação de Isabella continuar sendo asfixiada, maltratada, humilhada e finalmente jogada do sexto andar todos os dias…” Por que a jornalista todo dia joga a criança do sexto andar? Por piedade? A piedade é um afeto supersticiosamente duplamente mau: ódio contra si mesmo (um) projetado no outro (dois). Minha culpa histórica que não assumo. Herodismo hipócrita. Ainda mais quando a jornalista categoriza: “Algumas vezes, me envergonho. Outras, me convenço de que não é só um dado da realidade, mas também um mal necessário”. Pura replicância jornalística. Nada de exame da matéria (infanticídio) e muito menos análise de suas formas de desenvolvimento (causas históricas), só lamento alienado no seio da sociedade tanática. Nada de vergonha real, só supersticiosa, a que não carrega os corpos revolucionários da cólera contra si, que nos faz tomar a realidade como possível de outras formas ontológicas. Daí porque recorre à dor sádica-narcísica coletiva (alguns diriam masoquista) do “mal necessário” para chamar a atenção da sociedade para discutir o tema do infanticídio. Pobre sociedade. Miserável jornalismo: uma criança tem que ser assassinada para chamar a atenção social sobre a violência infantil. Dimenstein, chama de doméstica.
Por sua vez, Schwartsman, em sua molaridade jornalística “filosofastra” o tema como “uma tragédia pessoal e familiar”. No mesmo círculo macabro da insignificância, Dimenstein infantiliza-o, julgando que “a criança vira a depositária do estresse da pobreza combinada com o desequilíbrio emocional dos adultos”. Perverso reducionismo que os impede de entender que se trata do delírio histórico de um sistema despótico que se metamorfoseia em todos os territórios: família, escola, igreja, trabalho, entretenimento, economia, etc. Por tal, não é “uma tragédia pessoal e familiar”, e nem “estresse da pobreza”. É o corte paranóide da Vida que arrasta a maior parte da sociedade com seus elementos fóbicos-persecutórios, alojando-a no gueto da compulsão coletiva do paraíso da segurança-isolada: o individualismo-insignificante. O grande reality show fantasmagórico. A supremacia do vulgar. O que faz com que as profissões não sejam uma prática cívica para o bem comum. Mas um estado individualista como dos jornalistas “meu bom patrão”.
Matam-se crianças porque matam-se infâncias. A morte de uma criança não é só o ato de destruir as funções biológicas de seu corpo, mas também de seu espírito. Daí que a criança cresce, mas a infância se mantém aprisionada, e o fantasma-adulto ronda, com seu ódio, em figura de um sujeito passivo, violento, frígido, desconfiado, irritado, invejoso, pessimista, vulgar, canalha, capacho, trapaceiro, covarde, ambicioso… Toda forma de dor que um adulto interditado pode interditar em uma criança. Assim, prevalece a lógica da insignificância da sociedade clonada. Comprovação do clone pelo simulacro lingüístico, todos os três — Catanhêde, Schwartsman, Dimenstein — usam a mesma expressão desrealizante do ser: “a pequena Isabella”. Pequena é medida; criança é devir.