“IL CAIMANO” SILVIO BERLUSCONI RITORNA

1

No fundo, tudo se passa como se as massas “cegas” tivessem uma visão mais sutil do que os intelectuais “esclarecidos”: ou seja, a consciência de que o poder é um lugar vazio, corrompido, sem esperança e que se deve colocar nele logicamente homens com o mesmo perfil vazios, grotescos, histriões, charlatões encarnando idealmente a situação. Berlusconi, por exemplo… (Jean Baudrillard)

É possível que alguém não compreenda ou ache mesmo absurdo que uma das figuras mais associadas à corrupção no mundo como Berlusconi ganhe pela terceira vez a eleição para primeiro-ministro na Itália. Mas se se observa as forças que regem a Itália após Mussolini, verse-á dois buracos negros atuando na supressão das liberdades: a Igreja e a Máfia. E não é mais segredo de confissão a confluência desses dois buracos negros. Dir-se-ia que Berlusconi, primeiramente, ao mesmo tempo em que forjava sua fortuna, como na cena do cinema “Il Caimano” (O Crocodilo), de Nanni Moretti, em que uma imensa mala misteriosamente despenca em seu modesto escritório. Daí construtoras, rede de locadoras, Fininvest, times de futebol, vários canais televisivos y otras cositas mas. Mas o que torna Berlusconi um expoente no seu tempo é a novidade que, pode-se dizer com Toni Negri, ele inaugura:

Berlusconi representa uma experiência extremamente interessante do ponto de vista da ciência política. A Itália tem uma história que foi populista, fascista ela inventou o fascismo e hoje está inventando o populismo midiático. Berlusconi é isso: um homem de televisão que dirige um país a partir de técnicas de marketing, de gestão de imagem a começar pela sua.”

A novidade se espalhará rapidamente pelo mundo Schwarzennegger, Bush, Aznar —, mas não se trata, como se pensava, de um “golpe de Estado midiático” (Baudrillard). À mídia só interessa pulverizar/desmaterializar o poder. Por isso na campanha de 1994, em vez de apresentar alguma plataforma de governo, Berlusconi passou apenas dois meses explicando como governaria o país a partir de suas empresas. Ganha a eleição, ele mostrou saber quem eram seus “misteriosos” amigos:

Os meus aliados não eram ninguém. Eram fascistas: levei-os ao governo, transformei-os em ministros. Eram democratas-cristãos que se flagelavam, gemiam pelas ruas: eu os confortei. E os da Lega Nord, então? A Europa toda me dizia: “Cuidado, eles são racistas! Cuidado”. Eu os chamei à razão e os levei ao governo, apesar de me insultarem e me chamarem de mafioso. Levei todos ao governo.” (Il Caimano, Nanni Moretti)

Todos os italianos sabem. Mas agora essa transparência não tem mais sentido algum, uma vez que o real já foi abolido pelos simulacros midiáticos e ele, Berlusconi, sabe que não precisa ser dono do poder, basta apenas ser dono dessa transparência, a qual encerra uma lógica facilmente demonstrável: coordenar o espetáculo; por isso, com sua deposição alguns meses depois, ele nunca esteve distante do poder. O poder não existe mais e é ele que produz sua imagem em holografia. A própria esquerda percebeu que nesse jogo pervertido, longe de qualquer possibilidade democrática, não tinha chance alguma em 2001:

Quando tive um tumor, o pessoal da esquerda me deu seis meses de vida, um ano no máximo, porque não conseguiam imaginar que me derrotariam nas eleições, mas só com a ajuda do câncer ou da magistratura.” (Il Caimano, Nanni Moretti)

O câncer não vingou e a magistratura fez mais foi contribuir com o buraco negro da burocracia para a manutenção em dias do espetáculo berlusconiano por longos cinco anos. Mas tanto tempo gerou excessos, e os italianos perceberam a carência de capacidade de gestão, elegendo Romano Prodi em 2006. Mas ainda não foi dessa vez que a esquerda partidária italiana pôde realizar saltos politizantes de esquerda enquanto aumento das potências de agir democráticas.

Como é triste a esquerda. É triste e entristece as pessoas. Eu, ao contrário, quis devolver a esperança a este país. Infelizmente, metade dos italianos não consegue nem ter esperança porque só sabe odiar. A esquerda só sabe fazer isso: me odiar.” (Il Caimano, Nanni Moretti)

Com a esmagadora eleição da maioria parlamentar no início desse ano da direita liderada por Berlusconi, restou somente a Prodi renunciar e pôr-se todo o mundo a assistir ao show-man Berlusconi despontar pela terceira vez como primeiro-ministro da Itália.

É bem compreensível a indignação de um Mario Moniccelli:

“Berlusconi deveria ser o primeiro dos inimigos de milhões de italianos. Mas, como os italianos são estúpidos, o adoram. Qualquer um que promete bem-estar aos italianos receberá seus votos.”

Principalmente que as primeiras declarações de Berlusconi foram de “tempos difíceis” na Itália. Ele não mente. Mas como sugere o trecho que inicia esse artigo, as massas percebem quem deve ser colocado no poder em cada situação. Cabe à esquerda, a Veltroni e outros italianos, não municiar a continuidade desse espetáculo e preparar com inteligência não um discurso, mas uma prática política de restituição do real, que a retire do plano contíguo com a direita. Para poder, a partir do “uso profano da liberdade”, como diria Jean Baudrillard, ir deixando escapar outras e novas possibilidades.

1 thought on ““IL CAIMANO” SILVIO BERLUSCONI RITORNA

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.