NÃO HÁ POLÍTICA SEM FALA
A fala como fator social se realiza pelas potências do logos e da retórica: a idéia e a discursividade. Práxis sociais da língua como comunidade, aidós, reconhecimento do sujeito falante, e diké, a justiça do falar. Á criação da idéia de democracia pelos gregos só foi possível dado o alto grau de tagarelice que alcançaram. Não a indiscrição vazia da fala, mas o diálogo produzido no entrelaçamento da amizade, a constituição da sociedade dos amigos. Ou a sociedade dos que falam. Fundada como meio de comunicação, a democracia realizava a fala em dois movimentos: um, a dialética, a competência do pensamento discernidor; dois, a retórica, como techné da persuasão. Movimentos presentes nas ágoras e na oikia, casa, como lugar de produção econômica e pedagógica. Desta forma (potência), os gregos mostram que é impossível a democracia se constituir como política dos iguais sem o logos, razão, e a discursividade, potências da fala como produção social. Sem estes dynamis (poder fazer) não há como realizar os três fundamentos da democracia: “viver, viver junto e viver bem”. Pois bem, relacionando a idéia democrática grega com a prática política no Brasil, temos duas democracias: uma, apresentada pela maioria dos parlamentares; e duas, a praticada pela maior parte da população. A primeira é afásica, não fala, ou, tagarela no sentido da indiscrição-intrigante. Falta-lhe o logos e a retórica: a razão e a discursividade/persuasiva. Motivo da ausência de idéias políticas necessárias ao país. Degenerada em sua força política, recorre à intriga e aos recursos das CPIs parlamentarmente desnecessárias. Alimento pútrido nutridor da mídia necrofágica. Prolongamento da cerimônia espectral acéfala e afásica. O mais risível neste quadro caricato de democracia é que a maior parte dos parlamentares, principalmente os senadores, são dotados de curso superior. Aí o risível. A democracia, como samba, não nasce na escola. Como também a razão e a linguagem não são faculdades produzidas nas instituições. A segunda democracia se apresenta como real: a democracia da população, construída nos entrelaçamentos das pluralidades das potências individuais como Bem Comum. Nada oriundo das instâncias burocráticas-oficiais, como no caso do parlamento. Mas sim, criação comunalidade saída dos desejos necessários de todos. Linha movimentadora da razão e da discursividade social. A tagarelice comunitária. Território onde a fala ecoa singularmente. Pois a fala não se resume em “palavras, nada mais do que palavras”. Este o motivo do governo Lula ser aprovado pelo povo brasileiro. O governo que fala junto com o povo na sociedade tagarela, que é a democracia.