O PERDÃO
Evangelho é uma palavra grega que significa “a Boa Mensagem”. A Boa Mensagem como aumento da potência da vida. O novo. O novo, beatitude. Beatitude onde não cabe a culpa, o castigo e a recompensa. Seu antípoda é o disangelho: dys, do grego, mau estado, defeito, pecado, culpa, castigo, redenção. Cristo era um evangelista: era livre, carregava a potência da vida. Era um idiota, no sentido grego: um ser privado da semiótica dominante do Império Romano, tiranicamente ressentido, e dos sacerdotes judeus, que esperavam com sua vinda livrá-los da culpa do assassinato de Moisés. Mas a Cristo não importava a cultura constituída. A ele interessava a fundação do Reino do Pai, e sabia não ser possível se colocando como salvador daqueles que haviam traído a si mesmo e acreditavam na salvação com os mesmos códigos da decadência. A lei totalitária. Por isso, disse ao judeus: “A lei foi feita para os servos, – amai a Deus como eu o amo, como seu filho! Que nos importa a nós, filhos de Deus, a moral!”. Pilatos sabia. Razão de proferir: “Ecce Homo” – Eis o Homem (João 19,5). Assim, declara que ser filho é entrar no sentimento geral da transfiguração de todas as coisas, a beatitude, o sentimento de eternidade e perfeição: O Pai. “Este foi verdadeiramente um homem divino, um filho de Deus”, falou o ladrão que escapava também da semiótica classificadora: a moral valorativa. “Se sentes isso, então estás no paraíso, és também um filho de Deus”, considerou Cristo, que viveu como ensinou, não redimir os pecadores, mas para fundar a vida como vontade de Potência, como falou o filósofo Nietzsche. A vida sem culpa e ressentimento. Sem a má consciência tirânica-tiranizada.
O NOSSO PERDÃO
“Quem ama (o próximo) nasceu de Deus e conhece Deus; quem não ama não conhece, pois Deus é caridade”. João, Epístola I, cap. IV, 7 e 8. Deus é justiça e caridade, mas não uma justiça viciada e nem uma caridade exibicionista. “Quem faz o bem, não diz a quem”, dito bíblico escapado da contabilização dos disangelistas. O vereador foi violado nos dois principais estratos do sistema capitalista-disangelista: a propiedade privada e o dinheiro. Ele se diz cristão sem saber que o único cristão foi Cristo. E sem difenciar cristianidade (condição cristã), cristianismo (a fé e o movimento) e cristandade (o conjunto dos cristãos). Por tal, não entende, como afirma Hobbes em seu Leviathan, que “quem pretende provar faz juiz da prova aquele a quem dirige o seu discurso”. Dirige o discurso a-teológico à imprensa, que se mantém da notícia-mercadoria (lucro), acreditando que vai afetar o leitor-cúmplice: ele é um cristão, sabe perdoar. “Muita gente se ofereceu para te matar e eu não deixei. Acredito que Deus é capaz de mudar as pessoas”. Como democrata cristão, regime político construído pela comunalidade, o vereador poderia dizer quem se ofereceu para matar aquele que dormia no sofá de sua casa, foi pior que Judas (o vereador repetiu o clichê anti-Cristo que, historicamente, não dá para equiparar o valor da moeda romana com o real, ou dólar), traindo-lhe por dois mil dos 45 que levaram, já que este, como violador do sistema capitalista, antes de ser preso se encontrava juridicamente sob a custódia do estado. Pois bem, o filósofo Nietzsche diz que “cada época possui o seu próprio tipo divino de ingenuidade”. A filósofa judia/alemã Hannah Arendt afirma que a maior criação do cristianismo foi o perdão. Saber perdoar. Mas perdoar implica razão. Caso contrário não se poderia pensar a impossibilidade do Holocausto jamais. O perdão em Cristo é uma análise política social e não um produto da superstição calculista. Como toda experiência passa pelo sistema nervoso-central, qualquer propaganda do perdão que sai da imaginação mistificada não é perdão. Assim, o perdão não existe. É só fantasia para acalmar culpa.
FANTASIAS PERDOANTES
Nas eleições passadas para prefeito e vereadores, o vereador violado era braço forte do candidato Amazonino. Não se sabe com que força jurídica conseguiu-se tirar do ar uma emissora dos proprietários que os tem promovido e ontem o colocaram em primeira página. Com a derrota de seu líder, passou para o lado do prefeito Serafim, que se viu à época da campanha eleitoral acusado por amigos do vereador de envolvimento com a médica Soraia, fato que, segundo o prefeito, abalou muito sua família, criada nos princípios cristãos, mas que nem por isso o impediu de considerar o hoje vereador como modelo do cristão. E nesse terço de perdoantes a população se pergunta como ficarão os perdões para as próximas eleições: se o vereador da renovação carismática voltar ao velho protetor Amazonino, Serafim ainda o considerará o modelo do cristão? A imprensa patrocinadora do evento policial-místico vai comemorar: eis o cristão? Se ficar com Serafim, Amazonino vai dizer que ele não é cristão? São tantos candidatos a Cristo que só nos resta, simples mortais, a suspeita racional que o uso do nome de Cristo é um recurso de encontrar vantagem para projetos particulares. E como diz Nietzsche: “Falar muito de si próprio pode ser também um meio de se esconder”. Ou então, “só quem se transforma continua meu parente”. E como a transformação é muito difícil, difícil fica a democracia com estes perdoantes. Ainda bem que aí não cabe amém!