ANALISTA IRANIANA, AFIRMOU QUE AS SANÇÕES UNIRAM O POVO E NÃO AFETARAM TANTO A ECONOMIA: “OCIDENTE JÁ MOSROU O QUE PODE FAZER”
Potências discordam se nova rodada de sanções contra Teerã entrou ou não em vigor
Foto de satélite feita no dia 24 de junho mostra a instalação nuclear de Isfahan, no centro do Irã – Satellite image ©2025 Maxar Technologies / AFP
“A nova rodada de sanções não tem efeito, não muda em nada a vida no Irã, é mais do mesmo. O Ocidente já mostrou o que pode fazer para nos isolar e o governo iraniano vem encontrando formas de lidar com essas sanções”, disse Nouri ao Brasil de Fato, ressaltando que se elas prejudicam a população, geram inflação e falta de produtos, a sociedade iraniana já está acostumada com isso.
“As sanções unem o povo contra o inimigo externo. Cada vez que uma nova rodada é imposta, as disputas internas são esquecidas. Os jovens, que costumam reclamar, reivindicar mais, se unem em torno da identidade nacional. Isso significa valorizar nossa herança milenar, a civilização persa e a defesa do território é parte disso.”
O Irã perdeu o posto de país mais sancionado do mundo em 2022 para a Rússia, quando esta invadiu a Ucrânia. Ainda assim, com mais de 5 mil restrições impostas por EUA, países europeus e a ONU, Teerã se mantém na segunda posição global. As sanções começaram a ser impostas em 1979 quando a revolução islâmica derrubou o governo xá Reza Pahlavi, um fantoche estadunidense
Elas foram endurecidas em 1984 durante a guerra Irã x Iraque (os EUA apoiavam o governo iraquiano de Saddam Hussein) e novamente na década seguinte. Nas últimas três décadas, as sanções foram flexibilizadas e reforçadas diversas vezes, por causa do programa nuclear do país, acusado de ter fins bélicos, alegação negada por Teerã.
Atualmente, há impasse. O Conselho de Segurança da ONU concordou com pedido de potências europeias (Alemanha, Reino Unido e França) e aprovou em setembro a retomada de sanções que haviam sido suspensas em 2015 após acordo para monitoração do programa nuclear do país. Mas tanto Irã como os aliados Rússia e China entendem que as sanções da ONU não foram automaticamente reimpostas e que a resolução do Conselho de Segurança que endossa o acordo nuclear de 2015 expirou em 18 de outubro. Ou seja, o mecanismo da ONU que permitiria as novas sanções não tem mais validade.
“A visão da República Islâmica do Irã e de países como Rússia e China, que são membros permanentes do Conselho de Segurança, é que, ao contrário da posição dos Estados Unidos e de alguns países europeus, o mecanismo de recuperação não foi acionado e a resolução 2231 expirou formalmente”, disse no último sábado (18) o Ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi.
“Com a expiração da resolução, todas as restrições impostas pelo Conselho de Segurança à República Islâmica do Irã foram completamente suspensas e a questão do Irã não está mais na agenda do conselho.”
O que vai acontecer?
Se não há consenso sobre se as sanções estão ou não de pé, a posição de Trump para com Teerã também é incerta. Se por um lado reafirmou várias vezes a doutrina de “pressão máxima” contra o país, por outro disse estar pronto para chegar a um acordo sobre o programa nuclear iraniano.
Na semana passada, em discurso perante o Parlamento israelense, Trump abordou os ataques conjuntos dos EUA e de Israel às principais instalações nucleares da República Islâmica no início deste ano.
“Eles sofreram um grande golpe, não é? Eles sofreram de um lado, do outro, e sabem de uma coisa? Seria ótimo se pudéssemos chegar a um acordo de paz com eles”, disse Trump aos parlamentares israelenses.
“Vocês ficariam felizes com isso? Seria ótimo, eu acho. Porque acho que eles querem”, afirmou. “Estamos prontos quando vocês estiverem”, declarou o magnata, que disse ter lançado “14 bombas sobre as principais instalações nucleares. Como disse no início, elas foram aniquiladas e isso está confirmado”, insistiu. Já no domingo (19), o mandatário disse à emissora Fox News que o Irã “não é mais o valentão do Oriente Médio” porque sua capacidade nuclear foi “destruída”.
Mas tal informação foi negada pela autoridade máxima do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, no dia seguinte, afirmando que Trump está “sonhando” se acredita que os Estados Unidos destruíram as instalações nucleares da República Islâmica com seus ataques aéreos em junho.
“Tudo bem, continue sonhando!”, declarou o líder iraniano em comentários publicados em seu site.
“O que importa aos Estados Unidos que o Irã possua uma indústria nuclear? Quem é você para dizer o que um país pode ou não ter se possuir uma indústria nuclear?”, acrescentou, dirigindo-se a Trump.
Aliados no Sul Global
Também na segunda, outro alto funcionário iraniano, Esmail Baqaei, destacou a força dos laços do Irã com a Rússia, afirmando que os países têm “vários acordos fundamentais importantes. Temos um acordo conjunto que abrange ampla cooperação, inclusive na área de defesa. Acreditamos que a Resolução 2231 expirou e que a cooperação entre o Irã e a Rússia continuará a sério.”
Seus comentários, noticiados pela mídia iraniana, refletiram uma confiança crescente na capacidade de Teerã de trilhar seu próprio caminho, mesmo com as potências ocidentais buscando restabelecer sanções internacionais. A analista Elaheh Nouri ressalta que não apenas a Rússia, mas a China é aliada fundamental na busca por alternativas que mitiguem os prejuízos causados pelas sanções ocidentais, muitas delas impostas unilateralmente.
“Não dá pra negar os prejuízos à China e Irã causados pelas sanções. Elas podem reduzir o comércio de petróleo, não acabar com ele, porque ambos os países se esforçam para encontrar mecanismos, métodos de pagamento alternativos”, disse ela.
“Os dois países são aliados e desejam continuar assim. Os dois são muito prejudicados economicamente pelos Estados Unidos, mas não estão sozinhos. Muitos países emergentes também sofrem com a guerra comercial decretada pelos EUA e buscam caminhos para driblar as sanções.”
Entre esses países, os integrantes do Brics – bloco que passou a contar desde janeiro de 2024 com o Irã. À reportagem, Nouri disse que “a relação que o Irã tem em parceiros regionais no Brics é estratégica, mas complicada.
“Por um lado oferecem cooperação significativa e apoio político para resistir a sanções ocidentais, mas por outro seu relacionamento comercial com os EUA e sua postura cautelosa para evitar riscos às suas economias limitam o quanto podem nos ajudar”, pondera.
A analista afirma que o Brasil também pode “estabelecer parcerias agrícolas e industriais com o Irã, aliviando os efeitos das tarifas estadunidenses”. Nouri diz acreditar que vivemos uma época de transição, no qual os centros de poder vêm mudando.
“Esse novo mundo não precisa mais de uma única superpotência, mas vários focos de poder, de China, Rússia, Índia e outros emergentes. Quando a multipolaridade global se consolidar, essas parcerias vão ser a norma e redefinirão os cálculos geopolíticos.”