LUIS NASSIF: BRASIL COMEÇA A MONTAR SUA POLÍTICA NACIONAL DE TERRAS RARAS
A principal medida de Lula foi a instalação do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), órgão que deverá definir direcionamento
As negociações com o governo Donald Trump certamente incluirão as terras raras. Simultaneamente, Lula convocou uma reunião interministerial para tratar da Política Nacional de Terras Raras.
A principal medida foi a instalação do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), órgão que deverá coordenar a política mineral nacional, definindo o direcionamento sobre minerais críticos.
Também foi anunciada a concessão de garantias financeiras e incentivos fiscais para atrair investimentos ao setor de minerais estratégicos, entre os quais as terras raras. O objetivo é estimular a cadeia de beneficiamento e industrialização interna, em vez de simples exportação de matéria-prima.
Ponto importante será a definição de mecanismos de controle e soberania.
No artigo “O papel do capital estrangeiro na Política Nacional de Terras Raras” colocamos algumas questões ligadas ao tema.
A) Mineração e Beneficiamento (fase upstream)
Modelo permitido: Joint venture minoritária ou contrato de fornecimento sob cotas e preço regulado.
Onde o capital estrangeiro pode entrar:
- Financiamento de infraestrutura (CAPEX de lavra, plantas piloto).
- Tecnologia de beneficiamento, lixiviação seletiva e tratamento de rejeitos.
- Garantia de compra de concentrado sob cláusulas de nacionalização parcial.
Condições soberanas:
- Controle mínimo de 51% nacional nas jazidas.
- Direito de preferência do Estado em toda cessão de controle.
- Obrigação de refino local de pelo menos 60% do concentrado exportável.
- Cláusula de transferência de tecnologia (ToT) para CNEN e universidades públicas.
Capital estrangeiro ideal:
- Japoneses e coreanos (Sumitomo, POSCO, SK Innovation),
- Europeus com foco ESG (Umicore, BASF),
- Fundos de infraestrutura “verdes”.
B) Separação e Metalurgia (midstream crítico)
Modelo permitido: Joint venture tecnológica com governança paritária.
Onde o capital estrangeiro pode entrar:
- Fornecimento de tecnologia de separação e purificação (solventes, íon exchange, membranas).
- Implantação de plantas metalúrgicas em consórcio com BNDESPar e empresas nacionais.
- Financiamento via project finance verde com contratos de offtake nacionais.
Condições soberanas:
- Majoritário brasileiro (mínimo 60%) ou controle estatal via golden share.
- Propriedade nacional da patente derivada de melhorias de processo.
- Vedação à exportação de óxidos sem autorização do CNPE/MDIC.
- Base de dados de processos e resíduos obrigatoriamente hospedada no Brasil.
Capital estrangeiro ideal:
- França (Solvay), Alemanha (Evonik), Coreia do Sul (Kumyang), Canadá (Neo Performance Materials).
- Instituições multilaterais: Banco dos BRICS (NDB), AIIB, EIB.
C) Fabricação de Ímãs e Componentes (downstream)
Modelo permitido: Parcerias industriais e tecnológicas, com joint ventures abertas e conteúdo local obrigatório.
Onde o capital estrangeiro pode entrar:
- Transferência de know-how em sinterização, difusão de Dy/Tb, metalurgia fina.
- Fornecimento de equipamentos de prensagem e metalurgia a pó.
- Co-investimento com WEG, Siemens, Tupy, Embraer, etc.
Condições soberanas:
- Produção em território nacional, sob regime ZPE Verde ou Repetro Industrial.
- Proibição de exportar ímãs sem projeto de integração produtiva no Brasil.
- Obrigação de formar técnicos e engenheiros locais (mínimo 1 brasileiro treinado por 1 estrangeiro).
- Transferência de dados de performance e curva BH para laboratórios nacionais.
Capital estrangeiro ideal:
- Empresas coreanas e japonesas (Shin-Etsu, Hitachi Metals, TDK),
- Europeias (Vacuumschmelze, Arnold Magnetics).
- Investidores de venture building industrial.
D) Produtos Finais e Aplicações (setores integradores)
Modelo permitido: Acordos de codesenvolvimento e “joint R&D” com cláusulas de soberania tecnológica.
Onde o capital estrangeiro pode entrar:
- Montagem de motores, geradores, atuadores, sensores, catalisadores.
- Financiamento de fábricas regionais com conteúdo local e exportação integrada.
Condições soberanas:
- Patentes conjuntas com instituições nacionais.
- Reinvestimento obrigatório de parte do lucro (mínimo 20%) em P&D local.
- Política de exportação supervisionada pelo CNDI/MDIC.
- Programas de certificação de origem (Ímã BR).
Capital estrangeiro ideal:
- Fabricantes de EVs e eólicos (BYD, Vestas, Siemens Gamesa, Stellantis).
- Parcerias BRICS (China, Índia, África do Sul) para mercados regionais.
E) Reciclagem e Circularidade
Modelo permitido: Investimentos 100% estrangeiros com obrigação de reintegração no ciclo nacional.
Onde o capital estrangeiro pode entrar:
- Instalação de plantas de desmontagem, refino e reciclagem direta de ímãs.
- Desenvolvimento de tecnologia de separação de scrap e reaproveitamento.
Condições soberanas:
- Todo material recuperado deve ser reindustrializado em território brasileiro.
- Certificação de rastreabilidade ESG nacional.
- Proibição de exportar resíduos.
Capital estrangeiro ideal:
- Fundos ESG e empresas de reciclagem europeias e canadenses (Solvay, Lynas, Umicore).
- Startups de economia circular com acordos de compartilhamento de dados.
Mecanismos de controle e soberania
| Instrumento | Função | Órgão Gestor |
| Golden Share Pública | Veto estratégico em decisões de controle, exportação e transferência de tecnologia. | BNDESPar / União |
| Fundo de Terras Raras do Brasil (FTR-BR) | Investidor-âncora em JVs, mantendo 25–40% de equity nacional. | BNDES + fundos de pensão |
| Cláusula de “compra local mínima” | Exige que 60–70% dos insumos e subcomponentes venham do país. | MDIC |
| Requisitos de Conteúdo Tecnológico Local (CTL) | Percentual mínimo de engenharia e P&D feito no Brasil (ex. 30% do CAPEX em P&D local). | MCTI |
| Banco de Patentes Compartilhadas (IP Commons BRICS) | Centraliza e protege propriedade intelectual desenvolvida em parcerias. | INPI + MCTI |
| Autoridade Nacional de Terras Raras (ANTR) | Supervisiona contratos, licenças e exportações estratégicas. | CNPE + Casa Civil |
| Zonas de Processamento Industrial Verde (ZPIV) | Espaços onde capital estrangeiro entra com isenção fiscal, mas sob regras de reinvestimento e conteúdo local. | MDIC + Estados |
