COM PRUDÊNCIA INGÊNUA, LULA AJUDA GOVERNO BIDEN E JORNAIS DA AMÉRICA LATINA A MANIPULAREM SUA POSIÇÃO SOBRE VENEZUELA

Jornais da região afirmam que Lula apoia os EUA e até mesmo Boric, presidente do Chile, em confronto a Maduro. E Casa Branca usa Brasil para se validar
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva foi colocado novamente na berlinda da crise na Venezuela, posto como o líder da América Latina responsável por legitimar ou não a reeleição de Nicolás Maduro. Foi assim que uma entrevista, nesta terça (30), do presidente a uma subsidiária da Rede Globo e uma nota oficial da Casa Branca tornaram-se material para repercutir entre os países vizinhos notícias descontextualizadas e manipuladas.
“Lula rompe o silêncio e se alinha a Boric sobre eleições na Venezuela”, estampou o jornal chileno El Mostrador, na noite desta terça-feira. Gabriel Boric, o presidente do país, acusou o pleito do país de possivelmente manipular a vitória de Maduro.
“Segundo o mandatário brasileiro, é ‘normal’ que a oposição não concorde com os resultados que deram a vitória a Maduro”, continuou o periódico.

O jornal argentino La Nacion apontou diretamente o presidente brasileiro “no centro da crise da Venezuela” e destacou, sem contexto, a fala de Lula de que o brasileiro está “convencido” de que a grande instabilidade e crise política do país é um processo “normal e tranquilo”.

Mas o que disse Lula sobre a Venezuela?
A entrevista foi a primeira vez que o presidente falou sobre o assunto, mas repetiu as mesmas informações divulgadas oficialmente pelo governo brasileiro até agora.
À RMC (Rede Mato-grossense de Comunicação), Lula afirmou: “Lógico que eu vou reconhecer quando for consagrada a vitória. Eu estou com o meu ministro Celso Fagundes na Venezuela desde sexta-feira. Ontem à noite, ele teve uma conversa com o presidente Maduro e teve uma conversa com o candidato da oposição. Na conversa com Maduro, o Celso perguntou se as coisas só vão ficar definidas [o resultado eleitoral] quando apresentar a ata [registro das eleições]. Ele [Maduro] falou: vou apresentar a ata. Só não disse quando. Na conversa com a oposição, é a mesma coisa. Ele [oposição] diz que tem 70% das atas.”
O presidente descreveu o enredo que já é público desde segunda-feira, no dia seguinte às eleições venezuelanas. Mas comparou a tentativa de questionamento do resultado por parte da oposição venezuelana ao episódio das eleições entre Aécio Neves e Dilma Rousseff, no Brasil, em 2014.
Na ocasião, Aécio questionou a justiça eleitoral brasileira, que, por sua vez, confirmou a vitória de Dilma, diplomada e eleita naquele ano. Sobre este contexto, Lula disse ser “normal que tenha uma briga”, referindo-se ao questionamento por parte da oposição, sem validar uma hipotética vitória da oposição ou sequer a deslegitimação do processo eleitoral do país.
“Nós tivemos um processo eleitoral que teoricamente foi pacífico [na Venezuela]. Não houve violência, não houve nada, teve um resultado apertado. Sempre que tem um resultado apertado, aqui no Brasil você viu o que aconteceu. O Aécio Neves perdeu para Dilma, que entrou com recurso para anular a eleição. Então, veja, é normal que tenha uma briga.”
Retirada da íntegra de sua fala, o jornal peruano El Comercio também destacou que Lula disse ser “normal” ter uma “briga” por parte da oposição:

Mas foi o comunicado da Casa Branca, em nome do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que repercutiu ainda de forma mais descaracterizada a postura do presidente brasileiro.
EUA usam Lula para respaldar dúvidas sobre Venezuela
Isso porque também na noite desta terça, a Casa Branca emitiu uma nota falando que “os dois líderes”, Lula e Biden, “coincidiram na necessidade de que as autoridade eleitorais divulguem de forma imediata a informação eleitoral completa, transparente e detalhada de cada centro de votação”.
Na nota, não só Biden aumenta o peso de Lula na crise venezuelana, como indica que o presidente brasileiro concordaria com a posição dos Estados Unidos – ainda que a concordância foi restrita ao fato de que Lula espera a íntegra das atas eleitorais.
“Biden ‘agradeceu a Lula pela sua liderança‘ na questão da Venezuela, acrescentou a Casa Branca. Os presidentes ‘compartilham a visão de que o resultado das eleições na Venezuela representa um momento crítico para a democracia no hemisfério’ e comprometeram-se a permanecer em ‘estreita coordenação’ sobre o assunto, acrescentou Washington”, foi a conclusão do jornal mexicano Excelsior, após o comunicado dos EUA.

Na mesma linha apontou o El Pais, jornal espanhol em sua edição divulgada na América Latina: “Biden e Lula exigem juntos que Maduro publique as atas de todas as mesas eleitorais na Venezuela”.
Ao contrário do divulgou a edição, o presidente Lula não “exigiu” de Maduro as atas, informou apenas que espera o resultado das atas para reconhecer o presidente reeleito do país. Ainda, a perspectiva do peso de Brasil “potência” e “liderança” do continente, ao lado dos EUA, como capazes de interferir no processo eleitoral da Venezuela, foi enfatizada na publicação:
“Joe Biden e Luiz Inácio Lula da Silva, os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, as duas democracias mais populosas da América e ambas vítimas de recentes ataques golpistas, exigem conjuntamente que Nicolás Maduro torne públicos os registros oficiais completos dos resultados eleitorais das eleições presidenciais”, continua o El País.

E reproduzido o comunicado da Casa Brasil, completa: “Biden e Lula concordaram na necessidade de as autoridades eleitorais venezuelanas ‘divulgarem imediatamente dados completos, transparentes e detalhados sobre a votação nas assembleias de voto’. Concordaram que as eleições venezuelanas representam um ‘momento crítico para a democracia no hemisfério’ e comprometeram-se a continuar a coordenação estreita sobre a questão.”