BREVE GESTO SOBRE A DESATIVAÇÃO DO ESPAÇO DA APARÊNCIA

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“Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida do eremita em meio à natureza selvagem, é possível sem um mundo, que direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres humanos”, afirma a filósofa Hannah Arendt.
Essa enunciação de Hannah Arendt, encontra-se sintetizada em seu conceito político-social de Espaço da Aparência. Lugar das trocas entre os homens e mulheres. Vida ativa, que confirma a presença e a existência de todos. Topos que tornaria impossível as relações humanas se não existisse. O que o filósofo Heidegger, seu mestre, chama de Dasein: o ser-aí. A pre-sença: originaridade da linguagem. O parlatório. O ser que fala da sua morada.
O Espaço da Aparência é a confirmação-ativa da democracia, visto que a democracia é produto da práxis e da poiesis resultante das implicações dos olhares do Eu e do Outro. Estar no Espaço da Aparência é positivar a vivência fenomenológica de todos como existenciários. Se tomar como existente no compromisso imediato e mediato do Eu com o Outro. A racionalidade política-social. Engajamento-ético.
Embora, os gregos tenham determinado a ágora, a praça, como o topos das altercações entre todos impulsionados pelos negócios da cidade e da família, todavia, o Espaço da Aparência não se reduz tão somente a este topos. O Espaço da Aparência se constitui em toda a urbe e a zona agrária. A cidade, o estado, o país e o planeta Terra. O Planeta Errante, como mostra o filósofo Costas Axelos. O Devir-Humano se movimenta sempre como transcendência carregando a pre-sença. Em qualquer topos prevalece o Dasein.
Mas, o Dasein, como ser-aí da pre-sença, na sociedade pós-moderna, recebeu um forte plano contrário: a teletecnologia-virtual. A ciência da desrealização da presença como fenômeno-empírico. A necessidade da presença concreta do Eu e do Outro responsáveis pela criação do princípio fundamental da realidade. A ágora, passou a ser a internet, como defende exacerbadamente o burguês-virtual que se toma como filosofo, Pierre Levi. O lugar das trocas virtuais sem necessidade da presença. Mesmo com a pre-sença heideggariana ainda fundamentando o Ser.
A ilusão da comunicação passou a ser objeto de desejo dos internautas. Mundo viral sem vírtus. A negação alucinante da existência como projeto da essência-humana como fator dialético, como diz o filósofo Sartre. Sem virtual que necessita da atualização da razão para se tornar real. O virtual da internet jamais se torna real no mundo do Espaço da Aparência, posto que não empiriza o Outro em sua quadridimensionalidade. Largura, altura, profundidade e tempo.
O coronavírus, desrealizando a ágora, Espaço da Aparência, como fundamento da Existência, impedindo os deslocamentos no território-perceptivo de milhões de sujeitos-sujeitados, só mostrou ao público (sem público), o que já se trapaceava com a vida. Esses internautas já não percebiam o Espaço da Aparência com sua relações concretas que exige a materialidade de seus personagens criadores do Existir. Tirando suas formas de perambular-doméstico do cotidiano-desativado, não se angustiam com o isolamento imposto. Talvez sintam um leve desconforto ao se sentirem impotentes por não poderem contactar com pizza da lanchonete glamouroza. O que lhes restou da realidade do passeio público.
Daí, que esses sujeitos-sujeitados, os que o filósofo Kierkegaard chama dos sem sentido de EU. Os “que não tem sequer EU bastante para ao menos desejar ou sonhar ter sido aquele que não chegou a ser”. Os do “desespero-fraqueza, do sofrimento passivo do EU”. Estes não conhecem a potência-humana-criadora de relações políticas-sociais. Não sabem do imediato e do mediato do Espaço da Aparência. Para eles o coronavírus não implica.
Eu, nesses quatro dias já comecei a sentir o que é a prisão. Não poder sair. Não para ir a pizzaria glamorosa, mas ao trabalho, ao encontro das pessoas. Dá um mal estar, uma dor, principalmente acompanhando as notícias da Itália, do Brasil agora. Infelizmente a peste nós impõe isso. FICAR EM CASA ou morrer.