!!!!! O MUNDO É GAY !!!!!
A SOCIEDADE DA INTERDIÇÃO
Um professor, homoerótico ele mesmo, foi demitido, no Distrito Federal, pela secretaria de educação da cidade onde reside, Brazlândia. A alegação foi a de que o professor levou uma música que cita álcool e lesbianismo (se tanto!), e que esses temas não devem fazer parte do curriculum escolar.
Márcio Barrios, 25 anos, professor de inglês, levou a música “I Kissed a Girl”, da cantora estadunidense Katy Perry, para dar aula sobre regência verbal no passado. Acabou sendo demitido.
Para além da questão da discriminação, queremos destacar outro aspecto do acontecimento, mais importante a nosso ver, e mais grave: o que aconteceu foi um ato sintomático.
Vivemos em um mundo que está mais próximo da chamada Idade das Trevas do que de um futuro pós-moderno. A despeito de toda a tecnologia e teletecnologias, temos hoje uma sociedade onde a informação fugaz e a velocidade das imagens faz desaparecer o real. A possibilidade de “recriar” o real aparece como um contra-feitiço: ao fabricá-lo, testemunhamos automaticamente o seu desaparecimento.
Assim, certos enunciados tornam a aparecer como emergentes dentro das relações. Por exemplo, a prevalência de um tom apocalíptico e mercantilista nas igrejas, a irrupção de um (des)entendimento sobre os saberes científicos, a ponto de um governante nacional incentivar no sistema educacional de seu país o ensino da teoria criacionista (os EUA, baby!), dentre outros.
O que pensar de um primeiro-ministro que manda cobrir o seio de uma figura artística? Sendo ele o primeiro-ministro de um país cuja população é descendente da fina flor do Iluminismo, nada mais natural? Foi o que fez Berlusconi, com a pintura “A República”, exposta no gabinete dos premier italianos. Confundir arte com pornografia é para poucos.
Vivemos um recrusdecimento geral da cultura humana. Um retraimento que faz com que velhos valores arcaicos, num sentido duplo, de antiguidade temporal e de arcaísmo psíquico, apareçam e se atualizem. De certa forma, a necessidade de uma lei para coibir a estupidez homofóbica é também um sintoma desse retraimento. O ser humano não se pretende protagonista, contenta-se em ser platéia.
As condições econômicas ajudam: o acirramento do abismo social cria espaços para o microfascismo, para a violência social, para o desespero, para a doença mental, para a pequenez intelectiva. Freud, psicanalista que compreendeu que as relações homo não se reduziam ao sexual, sabia: toda estupidez é produto da repressão. Digamos, interdição.
Interdição cognitiva: a pobreza de estímulos e de contato com o mundo real produz consciências embotadas, incapazes de compreender sutilezas. Daí o equívoco moral: Berlusconi vê a ameaça do seio paranóide onde antes só havia esplendor estético. Mudou a obra ou mudou o observador?
Interdição perceptiva: a cascata de imagens é tão veloz e fugaz que é impossível passar da memória-lembrança à memória-movimento (Bergson). Enquanto a primeira realiza apenas o registro imagético, a segunda, na duração, produz o movimento do existir: engendra o Si e o Real, contraindo o passado e projetando o futuro. Consciências repassadoras, computadoras: ecolalia. Assim é possível aos soldados estadunidenses ir ao Iraque, matar, estuprar, violentar, roubar, desfigurar, torturar, e somente quando retornam ao seu país, percebem o que fizeram. Ou como aquele garoto que via o Lula pela tevê, e no dia em que Lula veio a Manaus, minutos antes de vê-lo pessoalmente, perguntou: “mamãe, o Lula existe de verdade?”.
Interdição intelectual: sem o suporte cognitivo e perceptivo, os saberes não tem funcionalidade. Daí a escola ser, para a grandíssima maioria dos alunos, algo contingente na sua existência. Ela é parte do problema, já que parece incapaz de reterritorializar os signos no plano do Real. Um aluno dito ‘comum’ pode ter problemas de leitura na escola, pode ter dificuldades de compreensão de um texto ou de um fato histórico, mas aprende em segundos a usar a internet, um celular, um computador, mesmo que tenha pouquíssimo contato com esses objetos. De quem é a deficiência?
Nosso acontecimento-sintoma agora pode ser esquematizado. São dois signos: álcool e lesbianismo. Vamos ignorar que a música é apenas um produto ecolálico da indústria do entretenimento vazio, vamos ignorar também que foi apenas um beijo e isso não define ou caracteriza o lesbianismo. Quantas oportunidades de se conversar e discutir a questão das substâncias e objetos narcotizantes e sua função na sociedade de consumo são perdidas ao “demonizar” palavras como álcool, maconha, cocaína, ecstasy, heroína, droga? É impedindo o contato com estes temas que a sociedade conseguirá educar seus filhos para evitar o uso nocivo? Educar, para esta sociedade, é subtrair experiências e saberes, ao invés de acrescê-las. É restringir, ao invés de estimular o protagonismo. Não se trata de usar substâncias entorpecentes (esta coluníssima não usa o maior dos psicotrópicos que o mundo já viu: a tevê), mas de compreender porque uma sociedade precisa criar válvulas de escape da dor, pela dor.
O mesmo vale para o lesbianismo, homoerotismo em geral. Mais fácil banir o tema para baixo do tapete, na esperança de vê-lo desaparecer. Fixação regressiva cognitiva sensório-motora: algo impediu que a fase infantil do pensamento mágico (quando nossos pais escondiam o objeto para logo após mostrá-lo, sucessivamente, e nós críamos que realmente o objeto aparecia e desaparecia) fosse superada. A homofobia nasce da ignorância sobre o próprio corpo e o próprio sexo. Combatê-la-emos com mais interdição?
Uma sociedade perigosa, terreno fértil para o fascismo, nazismo e outras formas de dominação totalitária.
Daí a importância do diálogo, da razão, da ternura, da inteligência, da criatividade, como estratégias de enfrentamento a esta subjetividade interditada/interdita. Trata-se não de combater o inimigo em seu terreno, apesar disso também ser necessário, mas de criar um território onde não seja mais possível o surgimento deste tipo de violência.
Portanto, babies, nada de ficar apenas no papo da discriminação, que deve rolar sim, mas é preciso compreender onde e como esse acontecimento transborda uma violentação mais sutil, mas nem por isso menos devastadora. Porque é causa, e não sintoma. E todo mundo sabe o que acontece quando o médico trata a febre e esquece de lidar com a doença que a causou…
Ui! E agora vamos ver outros sopros gays (ou não) que passaram no nosso Mundico! A Louca!
Φ APRESENTADOR SAI DA CAVERNA E PROFETIZA PELA CAUSA GAY. Ui, baby, ficamos arrepiadinhas assim que soubemos. O gatíssimo apresentador neozelandês Tamati Coffey saiu da caverna e profetizou: “eu sou!”. Claro, ninguém é, mas neste caso a assumpção é importante. Tamati tem se preocupado com os casos de suicídio entre gays, e acha que sua visibilidade em composição com a sua orientação sexual/erótica pode ajudar a diminuir ou trazer para a sala a discussão sobre essa triste realidade. Importante, meus amores. Ativismo engajado somado com um belo sorriso, será que uma passagem para a Nova Zelândia sai muito caro? Hihihihihi… Sentiu a brisa, Neném?
Φ UNIÃO CIVIL HOMO É FEBRE ENTRE HETEROS NA FRANÇA. Há dez anos surgiu o PAC na França. Nada a ver com o PAC da Dilma, bebês. PAC é a sigla para Pacto de Solidariedade Civil, que foi criado pelo governo para permitir aos casais homoeróticos legalizar sua parceria no âmbito legal. Só que a moda pegou, e hoje 90% dos casais franceses se uniram por esta categoria de contrato. Tudo porque ele é fácil de fazer e mais ainda de desfazer. Nada de noivas neuróticas e noivos endividados, financeira e psicologicamente. Nada de pais projetando nos filhos as suas frustrações, convidados, vexames, e tudo o mais que carrega uma cerimônia de casamento tradicional. É o mundo gay tomando conta! E ensinando os heteros a conviver, para além dos clichês. Sentiu a brisa, Neném?
Φ NO MÉXICO, PROFESSOR É AFASTADO POR SER GAY. Agustin Estrada Negresco já tinha sido obrigado a pedir licença da função de professor na escola Centro de Atención Múltiple, por um ano, depois de participar de uma marcha contra a homofobia vestido de mulher. Após o retiro forçado, mais uma vez foi recusado no emprego, por “manter a conduta homossexual”. Nesta escola, gays não podem trabalhar com educação. Trata-se do mesmo (des)entendimento do texto sobre o professor brasileiro. A escola perde, Agustin perde, a sociedade perde. Onde está o Chapolin quando precisamos dele? Hunf! Sentiu a brisa, Neném?
Φ BURUNDI APROVA DESCRIMINALIZAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE. Meses após aprovar uma lei que punia com a morte os casos de homossexualismo, o senado de Burundi, país africano, votaram uma lei que revoga a anterior, e descriminaliza o homoerotismo no país. As pressões para que isso ocorresse vieram principalmente do Human Rights Watch, mas de qualquer forma representa um avanço para o país. A nova lei ainda precisa ser aprovada pelos deputados e sancionada pelo presidente. Caso isto ocorra, embora na prática não se mude a discriminação existente na África pós-colonial, já é sinal de que a pressão externa é fundamental na proteção dos direitos e da vida da população LGBT em qualquer parte do mundo. Sentiu a brisa, Neném?
Φ BOMBEIROS RECEBEM INDENIZAÇÃO POR EXPOSIÇÃO A GAYS. Na cidade de San Diego, EUA, quatro bombeiros que foram obrigados a participar de uma parada gay na cidade, em 2007, devem receber pouco menos de 35 mil dólares de indenização por “ameaça à sua heterossexualidade”. De acordo com a argumentação dos advogados dos bombeiros, a heterossexualidade dos bravos guerreiros do fogo foi ameaçada através de gestos obscenos e por terem de presenciar “pessoas seminuas se tocando mutuamente”. Hmmm, tamos sabendo, meninos! Ameaça à heterossexualidade aqui na terrinha tem outro nome. Chama-se insegurança sexual. O que a gente ainda não tinha visto era enrustimento ser fonte de renda. Resta saber se os contribuintes da cidade vão gostar de ver seu dinheiro ser aplicado numa sentença tão esdrúxula. Como diria aquela outra coluna, “e ainda tem francês…”. Sentiu a brisa, Neném?
Beijucas, até a próxima, e lembrem-se, menin@s:
FAÇA O MUNDO GAY!