Reza um velho ditado do capitalismo, e talvez anterior a ele, que todo homem tem seu preço. Se o ditado é anterior ou não ao modo de produção do capital burguês, não sabemos, mas que o enunciado expõe de maneira inequívoca o seu funcionamento, isto é certo.

No capitalismo, os objetos valem menos pelo seu valor enquanto utilitários à existência humana em coletividade do que pelas flutuações da necessidade coletiva em função da sua demanda. De forma que os objetos, transmutados em mercadoria, se equivalem, ainda que em sua funcionalidade sejam incompatíveis.

Não apenas os objetos mais usuais, mas praticamente tudo o que pode ser alienado acaba por se transformar em mercadoria. A força de trabalho, por exemplo. As crenças, o chamado caráter, a moralidade individual, tudo, pela ótica do capitalismo, pode ser comprado. Incluindo Deus.

A CÉSAR, O QUE É DE CÉSAR

O craque santificado e futuro pastor da Igreja Renascer, do casal presidiário Sônia e Estevam Hernandez, meia do Milan, Kaká, vem sendo sondado desde o início da temporada pelo Manchester City, time inglês turbinado pelo capital oriental do Sheik Mansour bin Zayed Al Nahyan, para fazer parte do elenco do clube. Nahyan, em termos de dinheiro, deixa o multibilionário russo Roman Abramovich, com seus 2 bilhões (perdeu 16 bi na queda das bolsas de valores no ano passado) muito para trás. Desde que comprou o bibelô futebolístico, o sheik tem tentado comprar o meia brasileiro.

Na primeira tentativa, a negativa do santo craque: o Manchester City é time pequeno, não tem estrutura para disputar títulos e nem projetar seus jogadores aos prêmios internacionais. Kaká desdenhou. Como prêmio de consolação, Zayed comprou Robinho, que saiu do Real Madrid sob uma chuva de moedas.

Na segunda tentativa, semanas atrás, o sheik ofereceu 120 milhões ao Milan, que lavou as mãos e disse que aceitava. Kaká, mais uma vez santificado pelo espírito santo da dupla Hernandez (condenada por fraude fiscal), afirmou que dinheiro não importava, e que não trocaria um time com projeto a longo prazo por uma aventura em um time que está namorando a zona de rebaixamento da Premier League. Prefere ser campeão da Champions League e eleito o melhor do mundo, e não o conseguiria a curto e médio prazo no City.

Na terceira tentativa, esta semana, Kaká balançou. O Sheik ordenou que as bombas petrolíferas fossem colocadas a todo vapor, e ofereceu US$ 150 milhões ao Milan (Berlusca já falou que topa…), além de mais de R$ 1 milhão por semana ao craque de Deus (US$ 500 mil).

Kaká, que não é Pedro, não esperou o cantar do galo e nem negou a seu deus pela terceira vez. Deve arrumar as malas e mudar-se da glamourosa Milano para a operária Manchester, tendo ido o pai à frente para fazer o trabalho de receber as 30 moedas, com juros e correção monetária. Não, Kaká não traiu o Milan, que está mais interessado nas verdinhas que entrarão e poderão ajudar o clube a arrumar a defesa modelo anos 80 que ainda exibe. Mas arranha, para quem ainda acreditava, a sua imagem sacrossanta de pureza.

Segundo o evangelho de Lucas (16, 12): “ninguém pode servir a dois senhores, porque odiará a um, e amará o outro, ou se prederá a um e desprezará o outro. Não se pode servir a Deus e a Mamon”. Mamon, para quem não sabe, era o deus da riqueza dos Sírios, feito todo em ouro e prata. Parece-nos que este versículo não consta da versão Hernandez da Bíblia.

Contradiz também a fala de Pelé que, na semana passada, pediu que Kaká continuasse como ídolo do Milan. No entendimento do Rei, a mudança constante de jogadores de um clube para o outro, em ritmo mais frenético que porta de motel em época de carnaval, prejudica o futebol, pois não permite que as crianças criem um vínculo com o clube e seu ídolo. Pelé levou um drible do futebusiness se realmente acredita nisso.

Kaká, que não é Pelé, muito menos Maradona, já não fala em Champions League (a não ser, como afirma a reportagem do periódico espanhol El Mundo Deportivo, para solicitar um acréscimo no pagamento como consolo por não disputar a taça), e muito menos em projeto a longo prazo. Projeto, só mesmo o da independência financeira dele, que pretende ser pastor quando se aposentar. Bom saber que, na sua trajetória, já está aprendendo a construir o reino de Deus na Terra.

Enquanto isso, Cristo só…

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca…”

(Liberdade, do poeta lusitano Fernando Pessoa)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.