O assunto mais comentado sobre a ida de Bento 16 aos Estados Unidos foram os abusos sexuais cometidos por padres pedófilos, os quais deram imensos “prejuízos” para a Igreja Católica. E agora que o Papa vai na terra onde predomina o protestantismo, ninguém teme ou venera, o que na longa história da Igreja geralmente foi o mesmo. Ao contrário, todos se preparam para fazer manifestações de protesto contra posições e decretos universalizados de Roma.

Durante dez séculos de Idade Média a Igreja pôde dispor do poder espiritual e dividir, de má vontade, com os imperadores o secular. Os grandes imperadores com direito divino, após suas grandes campanhas, acompanhadas de imensos massacres, sempre recorriam ao Papa para livrá-los das futuras chamas. Hoje, com o definitivo esvaziamento de todas as formas de poder (Baudrillard), na missa rezada com o encontrão de Bush e Bento 16, estes papéis se vêem totalmente invertidos: a principal ação de Bento 16 nos Estados Unidos é pedir perdão pelos erros cometidos pelo padres católicos; enquanto Bush, ao contrário, é quem disporá do poder de perdoar ou condenar. Como na falta de fogueira, o inferno não existe, se Bento 16 disser que não sabe mais o que fazer com os padres, talvez Bush diga que a solução é mandá-los ao Iraque. É para lá que vão descarregar os distúrbios psicológicos construídos na insegurança e na falta de perspectiva existencial na nação que mais conseguiu instituir uma imagem em detrimento da realidade, produzindo finalmente a des-realização de todo o real.

Mas apesar de não venerar, a população teme, e com toda a razão, a perseguição aos homossexuais, a posição contrária a todas as formas de contracepção, seja a camisinha ou o aborto, qualquer pecadinho. A população sabe que o pedido de perdão faz parte dos jogos oficiais para manter o simulacro. Nessa inversão de papéis, agindo no plano temporal, Bento 16 auxilia Bush em seu maior intento: ter um poder universal como o do Papa. No meio da multidão há quem ajoelhe mais não reze, e há quem veja, baudrillardianamente, nesse encontro o cúmulo do vazio do poder. Não há segredinhos para confessar.

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