LICENÇA NA FOZ DO AMAZONAS É RESULTADO DE PRESSÃO DO SETOR ENERGÉTICO E “FRUSTRA” ALA AMBIENTAL DO GOVERNO
Licença emitida pelo Ibama foi concedida às vésperas da COP30 e movimentou congressistas da base do governo
Área da Foz do Amazonas, alvo de interesse de petroleiras: exploração é considerada insegura por especialistas – Reprodução/Google Maps
O grupo liderado pelo Ministério do Meio Ambiente se posicionava contra a exploração na região desde o começo da gestão de Lula. Em 2023, o Ibama havia negado a licença para a exploração na região, no que foi considerada uma vitória da pasta liderada por Marina Silva. Agora, a situação é diferente e o setor pró-exploração conseguiu dar um passo importante na busca por aumentar a exploração de petróleo no país.
De acordo com a Petrobras, a perfuração “começará imediatamente”. Inicialmente serão cinco meses para comprovar se há grandes reservas de petróleo na região. Estudos iniciais do Ministério de Minas e Energia colocam uma expectativa muito alta na chamada Margem Equatorial, a ponto de explorar 1,1 milhão de barris de petróleo por dia. Seria possível chegar até 10 bilhões de barris de petróleo.
Esse montante aumentaria em quase 60% as reservas brasileiras. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 2024, o Brasil tinha 16,8 bilhões de barris de petróleo de reservas. Além disso, os novos poços poderiam superar a produção dos maiores campos brasileiros. Tupi, na bacia de Santos (SP), é hoje o lugar com maior extração de petróleo, com 800 mil barris diários.
Alerta para o governo
A discussão em torno da exploração na Foz do Amazonas se dá, justamente, porque os poços estão a 500 km da foz do rio Amazonas. Qualquer problema na exploração contamina a maior bacia hidrográfica do planeta.
O Brasil de Fato ouviu que a ala do governo ligada à defesa do meio ambiente ficou “decepcionada” com a emissão da licença. Ainda que fosse esperada, a decisão do Ibama mexeu com a base petista que agora tenta focar na aprovação do Projeto de Lei (PL) 4.184, que está em tramitação na Câmara.
O texto foi redigido pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP) e pretende instituir o regime de partilha na exploração da Foz do Amazonas, que garante a produção para o Estado brasileiro, além de receber bônus, royalties e uma parcela da produção. A ideia do projeto é usar esse valor para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável das regiões Norte e Nordeste.
A Frente Ambientalista do Congresso entende que essa seria uma contrapartida importante para a aprovação do projeto, já que garantiria, ao menos, uma alocação dos recursos para o interesse da sociedade. A cidade de Maricá é usada por esse grupo como um exemplo de boa destinação dos royalties do petróleo. O prefeito Washington Quaquá (PT) usou o dinheiro para investir em obras, programas sociais como a Renda Básica de Cidadania (Cartão Mumbuca) e a construção de um fundo soberano para o futuro do município.
Internamente, o governo avalia que houve uma relação direta com o adiamento da votação dos vetos de Lula ao licenciamento ambiental. O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), teria tirado os vetos da pauta na semana passada já com a sinalização de que o Ibama concederia essa licença. O governo negociava o adiamento justamente para evitar um constrangimento durante a COP30.
Toda a produção a 175 km da costa do Amapá oferece riscos ambientais que foram avaliados pelo Ibama para conceder a licença. A Petrobras ofereceu as garantias e abriu agora outras questões envolvendo a segurança para a operação. Pessoas ligadas ao Ministério de Minas e Energia afirmam que as garantias oferecidas pela Petrobras minimizam a chance de contaminação.
Mahatma Ramos, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), defendeu que a empresa estatal cumpriu os requisitos do Ibama que, de acordo com ele, são “rígidos”. A avaliação é de que a Petrobras é a “grande referência” global na exploração em águas profundas.
“Na Foz do Amazonas, a Petrobras já deu uma prova que tem compromisso em construir um plano de exploração naquela região que tenha o maior nível de segurança para as atividades, para tentar mostrar para a sociedade que tem compromisso com a segurança. O próprio Ibama, um instituto que tem critérios, já reconheceu isso. Isso não acaba com os riscos, mas mitiga”, disse ao Brasil de Fato.
Novo pré-sal?
Apesar de os dois serem feitos em águas profundas, a comparação com o pré-sal se dá pela quantidade de petróleo disponível. Os dois, no entanto, têm diferenças estruturais. As reservas de petróleo do pré-sal podem chegar a 7 mil metros abaixo da superfície do mar. Já a exploração dos poços da Margem Equatorial, estima-se que tenha 2.200 metros de profundidade.
Ainda de acordo com os estudos feitos pelo governo, a corrente marítima é diferente do pré-sal e é parecida com a costa oeste africana. Para especialistas, isso representa um desafio técnico para a Petrobras.
A empresa entende que outro desafio, comparado com explorações já realizadas pela Petrobras, é justamente a complexidade da biodiversidade na região.
O local inclui ecossistemas frágeis como recifes de coral e manguezais. Isso foi alertado por ambientalistas, já que qualquer erro na exploração pode ter efeitos devastadores para todo o ecossistema da região.
Integrantes da Petrobras garantem que o contato com o Ibama será permanente para garantir que os riscos sejam mínimos na exploração.
Outra semelhança com o pré-sal é o risco econômico que envolve a operação. Existe a possibilidade de que a perfuração não tenha o resultado esperado e que a quantidade de petróleo seja muito inferior ao que foi prospectado. Para Ramos, é importante que isso seja feito até que seja tomada uma decisão amplamente discutida.
“A perfuração é importante do ponto de vista energético, para que a gente possa conhecer o que realmente está sendo explorado e para que a sociedade tome ou não a decisão de explorar naquela região, mas tendo como base dados mais precisos e riscos calculados”, disse.
Participação estrangeira
Em junho, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou um leilão e vendeu 19 blocos de exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas, o que rendeu um bônus de assinatura de R$ 844 milhões à União. Esse movimento, no entanto, mostrou o interesse cada vez maior de empresas estrangeiras no mercado petroleiro sul-americano e expõe uma fragilidade do Brasil na proteção de suas reservas e na soberania sobre seus recursos.
A Petrobras, em consórcio com multinacionais como as estadunidenses ExxonMobil e Chevron e com a chinesa China Petroleum (CNPC), arrematou 10 blocos. Mas se antes a empresa tinha exclusividade sobre a exploração petroleira, agora a estatal se vê em meio ao avanço de companhias internacionais que buscam ter acesso a mais reservas.
ExxonMobil e Chevron, operacionalmente, terão 75% da área arrematada no leilão. Para o setor de energia, isso mostra uma fragilidade em relação à garantia da soberania na exploração, que é resultado do fim do monopólio em 2016. Naquele ano, o Congresso brasileiro aprovou a lei 13.365, que tirava da Petrobras a exclusividade da exploração de petróleo brasileiro.
A defesa de parlamentares brasileiros é que seja construída uma nova regulamentação específica para essa região, já que ela apresenta especificidades. Outra exigência do setor energético é que a exploração seja feita em regime de partilha e não em concessão, o que dá ao Estado brasileiro uma maior concentração do controle da produção e garante uma maior participação nos royalties.
Mesmo tendo arrematado parte do leilão, essas empresas internacionais ainda não têm licença para atuar na região e terão de passar pelo mesmo processo da Petrobras. Para Ramos, apesar de a presença de transnacionais representar uma “derrota” à sociedade brasileira, as regras para essa exploração precisam ser rígidas para essas companhias e devem ser discutidas com a sociedade.
“Essas empresas ainda passarão pelo crivo do Ibama, o que é importante. E esses parâmetros têm que ser dialogados com as representações do Estado e da sociedade civil, ouvindo terceiro setor, trabalhadores e populações atingidas pela exploração de petróleo, como comunidades ribeirinhas e quilombolas”, afirmou.