“BRASIL ESTAVA EXPLODINDO EM CRIATIVIDADE”: PAULO CANNABRAVA RELEMBRA TRAJETÓRIA AO LADO DE MARIGHELLA

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Ex-guerrilheiro foi perseguido pela ditadura, viveu no exílio e acompanhou revoluções na América Latina e na Ásia

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“Era fascinante viver naquele tempo. O Brasil estava explodindo em criatividade, em imaginação, reinventou o cinema, reinventou o teatro, reinventou a música”, recorda o jornalista Paulo Cannabrava Filho, em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato. O período a que ele se refere é o Brasil dos anos 1950, marcado por efervescência cultural e política, quando começou sua carreira em jornais como O Tempo e Última Hora, de Samuel Wainer.

“Fazer jornalismo era um tremendo desafio para manter a expectativa de um público muito exigente, muito crítico”, relembra. Com o golpe militar de 1964, Cannabrava passou a enfrentar perseguição direta da ditadura, especialmente por sua atuação no Correio da Manhã e na Rádio Marconi, emissora voltada à classe operária. “O Correio da Manhã foi o único jornal que fez oposição ao golpe, todos os outros aderiram. Esse era o meu confronto com a ditadura, fazendo jornalismo político e popular ao mesmo tempo”, conta.

O jornalista também foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas rompeu com a legenda no início dos anos 1960, durante uma disputa sobre os rumos da esquerda. Enquanto a direção nacional, comandada por Luiz Carlos Prestes, defendia uma via pacífica e institucional rumo ao socialismo, um grupo em São Paulo — que reunia Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, Rolando Frati, entre outros — passou a defender uma luta de libertação nacional, com enfrentamento direto às oligarquias e ao imperialismo.

“Havia uma luta interna muito intensa dentro do velho PCB. Nós dizíamos que a luta era de libertação nacional contra as oligarquias e contra o imperialismo. A luta é contra as oligarquias, hoje continua sendo oligarquias agrárias, mais a oligarquia financeira e contra o imperialismo. O programa está mais atual do que nunca”, afirmou.

Esse “programa” ao qual Cannabrava se refere era o projeto político da dissidência que originaria, em 1967, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderada por Marighella. O grupo defendia um Brasil independente das potências estrangeiras, com reforma agrária, soberania econômica e justiça social. “Marighella era um militante muito carinhoso com todo mundo. Tinha por mim um grande carinho também, porque eu era o caçulinha, o menino do grupo”, recorda.

Exílio e revoluções latino-americanas

Perseguido pela ditadura, Cannabrava foi obrigado a deixar o país no fim dos anos 1960, logo após o endurecimento do regime militar com o AI-5, em 1968, e a intensificação da perseguição à esquerda armada. Viveu exílios em Cuba, Bolívia, Peru, Panamá, Itália e outros países da América Latina.

Em Havana, foi enviado por Carlos Marighella para representar a ALN e trabalhar na Rádio Havana Cuba, centro de articulação dos movimentos revolucionários latino-americanos. Durante uma missão à Coreia do Norte para discutir apoio e treinamento à guerrilha brasileira, recebeu a notícia da morte de Marighella, em 1969. “Tive uma crise de choro. O que eu queria era voltar para casa”, conta.

Na Bolívia, em 1970, participou da Revolução liderada pelo general Juan José Torres, que derrubou uma junta militar de extrema direita. “Mobilizamos todas as rádios e tomamos o palácio. No dia seguinte, eu e Ted Córdova [jornalista boliviano] organizamos a comunicação da Revolução Boliviana”, lembra.

Depois, atuou no governo do general Velasco Alvarado, no Peru, considerado progressista e nacionalista. “A Revolução Peruana semeou o país de escolas e fez grandes campanhas de alfabetização. Desenvolvimento sem educação não existe”, defende.

A disputa da comunicação

Nos anos 1970, Cannabrava se uniu aos jornalistas Neiva Moreira e Beatriz Bício para criar a revista Cadernos do Terceiro Mundo, voltada à cobertura dos países do Sul Global. A ideia surgiu após a Conferência dos Países Não Alinhados, em Argel, que reuniu movimentos de libertação da África, Ásia e América Latina.

“Discutimos a necessidade de se fazer um veículo dedicado a cobrir esse mundo em transformação. Toda a informação dominante era das quatro agências que monopolizam até hoje a informação no mundo: Associated Press, United Press, Reuters e France-Presse”, critica.

A revista teve edições em português, espanhol e inglês e circulou até 2015. “Foi muito difícil sustentar uma publicação como essa. Hoje, o Diálogos do Sul é a herdeira dos Cadernos do Terceiro Mundo e continua na batalha comunicacional”, diz. Fundado e dirigido por Cannabrava, o portal online Diálogos do Sul Global segue publicando reportagens e análises sobre política internacional, integração latino-americana e os desafios do Sul Global.

Para ouvir e assistir

BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.

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