MOHAMMED HADJAB: “DO HASHTAG AO MAR: A SOLIDARIEDADE QUE ENFRENTA O REAL”

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“Do Hashtag ao Mar: A Solidariedade que Enfrenta o Real”

por Mohammed Hadjab

As recentes frotas da liberdade que rumaram a Gaza revelaram, com uma crueldade inesperada, o abismo entre o mundo virtual onde nossos engajamentos nascem e a brutalidade da realidade que pretendem enfrentar. Essas embarcações, formadas por ativistas, artistas, políticos e cidadãos conectados, pareciam navegar em um oceano de pixels, compartilhamentos e hashtags. Elas carregavam a esperança de um mundo globalizado pela consciência, onde a emoção circula à velocidade da luz e a solidariedade se mede em likes e visualizações.

Mas quando seus cascos tocaram as águas bloqueadas pelo cerco israelense, o mar tornou-se um espelho da realidade. Onde o virtual se desdobrava em ondas de raiva e solidariedade, o concreto do bloqueio devolvia um eco gélido: a consciência global, por mais desperta que esteja, às vezes se quebra contra a dureza do real. O choque é impressionante: essa energia vibrante e imensa nas redes sociais se choca contra a força material de um muro invisível, mas palpável.

No entanto, esse contraste revela algo mais profundo. Vivemos numa época em que as imagens parecem ter substituído os fatos, em que a indignação se torna espetáculo, e a mobilização se mede em números, não em transformações concretas. E, ainda assim, mesmo nesse aparente fracasso, permanece uma força: a do símbolo, da intenção, da consciência desperta que se recusa a silenciar.

Diante da indiferença de decisores e instituições internacionais, é legítimo perguntar-se se essas lutas virtuais podem se transformar. E se essa energia digital, essa raiva coletiva, pudesse se tornar ação concreta? Uma “Brigada Internacional” do século XXI, à semelhança daquelas que cruzaram mares para combater o fascismo na Espanha, poderia nascer hoje? Hemingway1, Orwell2, Kitty Bowler,3 José Robles4 e tantos outros nos lembram que a solidariedade pode atravessar fronteiras quando o mundo oficial permanece em silêncio. Sua coragem, engajamento e humanidade diante da injustiça oferecem uma lição atemporal: o virtual pode se tornar real quando a vontade se converte em gesto.

Essas frotas, essas embarcações carregadas de símbolos, não eram apenas barcos; eram espelhos. Espelhos de uma humanidade conectada, mas ainda frágil diante da violência concreta do mundo. Elas nos provocam: e se a faísca digital pudesse acender a chama de uma solidariedade que atravessa mares, que enfrenta a brutalidade e concretiza a consciência coletiva? No choque entre o fluxo das redes e a dureza do real, é toda a nossa época que se contempla, hesitante entre a emoção compartilhada e o engajamento vivido.

E talvez essa seja a lição final dessas viagens: que a esperança, para não permanecer frágil e virtual, deve aprender a se tornar matéria, a confrontar a injustiça e atravessar o mar, à semelhança das Brigadas Internacionais, para tocar o real e transformar o mundo.

1Ernest Hemingway: escritor e jornalista americano, engajado ao lado das Brigadas Internacionais durante a Guerra Civil Espanhola.

2George Orwell: escritor e jornalista britânico, combatente nas milícias republicanas na Espanha contra o fascismo.

3Kitty Bowler: militante e combatente internacional, membro ativo das Brigadas Internacionais na Espanha, conhecida por seu engajamento humanitário e político.

4José Robles: intelectual e tradutor espanhol, membro das Brigadas Internacionais, assassinado durante a Guerra Civil Espanhola devido ao seu compromisso republicano.

Mohammed Hadjab, analista em geopolítica e Relações Internacionais

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