OS ARTISTAS, AGRACIADOS COM A LEI ALDIR BLANC, VÃO ACREDITAR, COMO MUITOS ACREDITAM QUE O AUXÍLIO EMERGENCIAL, É UM FEITO DE BOLSONARO?

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A mentira nunca esteve tão livre para se deslocar no corpo da sociedade brasileira como nos tempos atuais. A mentira é uma psicopatologia-individual quando é produto de um eu. E quando é produto de uma grande parte da sociedade é uma psicopatologia social. No primeiro quadro, ela tende a ser tratada com psicoterapias individuais. No segundo quadro, ela deve ser tratada com psicoterapias coletivas. Psicoterapias propriamente políticas. Só ações políticas com abrangências gerais podem atenuar o quadro psicopatológico que é a mentira-socializada.
Como a mentira é uma forma de mecanismo de defesa do eu para se defender contra uma ameaça real ou imaginária que ele não suporta, ela é, em verdade, uma negação do real. Uma ilusão sustentadora do eu-enfermo. Desta forma, compreende-se que a psicopatologia social é uma ameaça de perigo para a sociedade, já que uma grande parte dela, ao acreditar na mentira, se situa em uma posição negadora do real-social. Não age. Perambula impulsionada por suas flutuações mentais produzidas por suas ilusões. Em função deste impulso não pode ter uma perspectiva concreta do princípio de realidade. O que lhe deixa a mercê da força da fantasmagoria. O que também lhe faz inoperante como força de produção de um mundo novo.
A mentira é produto de um eu-mistificado, assim como sua crença é também produto de um eu-mistificado. Tanto como quem mente como quem acredita na mentira, estão situados na ordem da mistificação. Por isso que é fácil criar universos paralelos. Há sempre alguém querendo se deslocar da Terra. Tanto o mentiroso como seu crente não escutam o apelo de Brecht para que se fique na Terra.
O caso do auxílio emergencial é próprio desta ordem mentira-mística-mistificante. Como se sabe, em tempo de calamidade pública, epidemia, pandemia, etc. o estado, através de seus dirigentes, tem a obrigação constitucional de amparar as populações, principalmente as mais afetadas, com todas as medidas necessárias, até como forma de distribuição de renda. No caso da pandemia, afetando a população brasileira, as pessoas de baixa renda e as que perderam seus sustentos, deveriam, no mesmo momento, serem afetadas por essas medidas. Porém, Bolsonaro, com sua limitação política-social, não tomou essa providência. Os parlamentares dos partidos de esquerda, diante da calculada anemia-bolsonarista, tiveram que tomar decisiva posição exigindo o cumprimento do direito da população afetada diretamente pela pandemia. Então, Bolsonaro, diante da exigência, resolveu, com muito custo, conceder um auxílio de R$ 200. Os parlamentares perceberam que tratava-se de mais um deboche contra o povo, exigiram R$ 600, mas ele decidiu estabelecer o valor de R$ 300. E no vai não vai, ficou em R$ 600.
Na verdade, o auxílio emergencial não passa de uma transferência de verba pública para essa parte da população. Na linguagem mais simples – para não dizer marxista -, trata-se do produto da produção de economia realizado pela força de produção do trabalhador, com mais-valia e tudo. Nada do que Bolsonaro entenda e queira saber. O que ele quis mesmo foi fazer propaganda de que o auxílio emergencial é sua obra. Que foi ele quem decidiu ajudar ‘o povo sofrido’, atingido pela pandemia que ele mesmo fez e faz pouco caso. Aí, não deu outra: os mistificados, ordenados na ilusão, acreditaram. Com essa mentira, e com a crença-monetária, porque, no capitalismo, não existe crença mais forte do que a crença no dinheiro, ele teve sua popularidade alavancada que contou também com o silêncio da oposição que não mostrou para a população a verdade. Porém, como trata-se de uma parco evento, essa satisfação vai passar, pois trata-se de fogo-fátuo. Como diz a psicanalista Melanie Klein, é um caso de amor ambivalente. O objeto amado é o mesmo odiado.
Diante dessa mistificante realidade, espera-se que os artistas que vão ser agraciados com o auxílio promovido pela Lei Aldir Blanc, que destina R$ 3 bilhões para o setor cultural, não venham acreditar que foi obra do ‘bom-pai-totêmico’, Bolsonaro. Não foi, e jamais seria dado o ‘amor’ que ele tem pelas artes. A autora do projeto é a deputada do Partido dos Trabalhadores, Benedita da Silva. O que significa que a lei já nasceu em berço da cultura popular. Nada do que Bolsonaro ame.
Essa observação, é decorrente do fato do que significa ser artista. Há uma grande confusão quanto o ser-artista nominalizado pela sociedade de consumo que, em sua mediocridade e inutilidade, oferece status de respeitabilidade a quem reverbera suas mensagens alienantes. Por exemplo: chama-se de artista o dito cujo cantor sertanejo-universitário, quando não é. Basta observar como ele é reacionário e narcisista. Chama-se de artista apresentador de programa de televisão, quando não é. Chama-se de artista todos os atores e atrizes de telenovela quando não são. Essa gente, que se quer ser tomada como artista, é toda recalcadamente arcaica e tem comportamento de quem votou em Bolsonaro, e votaria outra vez. São os totemicamente-mistificados.
Desta forma, para fazer jus a nominalização de artista, é imprescindível o conhecimento da realidade social e o posicionamento-engajado para transformar, continuamente, essa realidade social com novos signos-estéticos. Só nessa condição se faz jus ao nome artista e se respeita o nome da lei: Aldir Blanc. Este um artista na acepção da palavra engajamento. Este conhece todos os tipos de mentiras e mistificações. E não é porque é psiquiatra, mas, simplesmente, porque é humano. Conhece muito bem a linha demarcatória entre a verdade e mentira. Conhece o que é arte-democrática.