ALDO FORNAZIERI: BOLSONARO E A PROMOÇÃO DO MAL

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por Aldo Fornazieri

Salve melhor juízo, aparentemente Hannah Arendt se equivocou ao teorizar sobre “a banalidade do mal” no livro Eichmann em Jerusalém. Como se sabe, Adolf Eichmann foi um dos maiores organizadores do Holocausto. Capturado na Argentina em 1960, foi julgado, condenado e enforcado em Jerusalém em 1962. O processo que o levou à condenação motivou o livro de Arendt. Ela caracterizou Eichmann como um burocrata insípido, eficaz, que levava uma vida monótona e que seria incapaz de “pensar do ponto de vista de outra pessoa”. Escreveu: “Fiquei impressionada com a manifestação superficial do agente executor (Eichmann), que tornou impossível traçar o mal incontestável de seus atos em qualquer nível mais profundo de raízes ou motivos. Os feitos eram monstruosos, mas o executor – pelo menos o mais eficiente que estava sendo julgado – era bastante comum, banal, nem demoníaco nem monstruoso”.

Essa caracterização suscitou uma enorme discussão acerca de se alguém pode fazer o mal sem ser malvado. Tanto entrevistas de Eichmann, quanto os autos do processo mostraram que ele era uma pessoa prosaica, de fato, mas profundamente comprometido com o projeto e a ideologia nazista. Tendo feito tudo o que fez, ele não era um homem banal, mas terrível e friamente criminoso – um monstro calculista.

Ademais, o mal praticado racionalmente por um governo não é algo que possa ser julgado pela história e pelos tribunais a partir das características psicológicas dos governantes. O mal é um ato objetivo e seu julgamento decorre dessa objetividade. Neste sentido, Eichmann foi um dos maiores monstros humanos.

O presidente Bolsonaro e, por decorrência, o seu governo é um promotor do mal. Não um mal comparado ao de Eichmann, evidentemente. Mas de um mal planejado, sistemático, ideologicamente construído. Por mais prosaica e simplória que possa parecer a figura de Bolsonaro, não é a sua caracterização psicológica que deve determinar o seu julgamento político. Mas é o conteúdo e o significado de seus altos políticos que devem se sentar no banco dos réus do tribunal história.

O mal que Bolsonaro e seu governo promovem representa uma grave agressão à sociedade e uma violenta réplica às precárias conquistas civilizadoras de um país que nunca foi efetivamente democrático, justo e livre. São várias as frentes aonde o mal vem sendo promovido, com destaque para o meio ambiente, para a educação, para a segurança das pessoas….

A questão ambiental se constitui, hoje, num dos maiores problemas do mundo, da humanidade. Ou ela terá uma solução global, com o engajamento de governos e de sociedades, ou não terá solução nenhuma. Não agir significa agravar os problemas sociais, econômicos e da sobrevivência da vida no planeta. O governo Bolsonaro não só não age, mas age, criminosamente, para agravar os problemas ambientais. Dominado por uma ideologia negacionista e anticientífica, enfraquece o Ministério do Meio Ambiente, desmantela todo o sistema de fiscalização, promove a revisão das mais de 300 unidades de conservação, age para acabar com as Reservas Legais, entre vários outros desatinos. O ministro Ricardo Salles, sabidamente, é um inimigo da preservação ambiental.

O Brasil vive duas guerras: a guerra da violência social e a guerra do trânsito. As duas somadas, matam mais de 100 mil pessoas por ano e provocam prejuízos de bilhões. À duras penas, o país vem tentando, nos últimos anos, enfrentar a selvageria no trânsito com o aperfeiçoamento de medidas legais, de fiscalização etc. Bolsonaro, agora, decidiu investir contra esse esforço propondo medidas que afrouxam a fiscalização, as multas, os controles, a segurança, inclusive das crianças. As pesquisas mostram que os beneficiários desse vandalismo governamental contra a sociedade são poucos, aqueles infratores contumazes dotados de mentes delinquenciais, praticantes de atitudes criminosas que colocam em risco a vida de qualquer cidadão.

A ação do governo contra as universidades, o ensino e a pesquisa não atinge apenas os professores, os profissionais do ensino, os estudantes, os bolsistas. Trata-se de algo que agride toda a sociedade e conspira contra o futuro do Brasil. No mundo contemporâneo, no qual o conhecimento, a pesquisa e a tecnologia ditam as regras da riqueza ou da pobreza, do desenvolvimento ou do atraso, do bem estar ou da miséria, não se pode aceitar esta atitude destruidora do governo contra o Brasil.

O decreto das armas, as ações que favorecem a destruição do meio ambiente, o projeto que libera mais morte no trânsito, a agressão às universidades e à pesquisa, além de uma série de outras atrocidades contra direitos de vários grupos são suficientes para provar que este governo promove o mal. Que indivíduo, ainda mais um presidente, pode querer ver mais mortes no trânsito, a destruição de família, o féretro de crianças, mães chorando seus filhos? Que indivíduo, ainda mais um presidente, pode querer ver as dádivas da natureza destruídas pela agressão ao meio ambiente, ameaçando a vida no planeta? Que presidente pode querer ver a destruição do futuro do seu país, com o desmantelamento das universidades e da pesquisa?

O que têm a dizer os eleitores de Bolsonaro diante de tudo isto? O que têm a dizer os militares? O que têm a dizer os pastores que apoiam Bolsonaro, enganam os fiéis e exploram os pobres? Até quando Bolsonaro e outros integrantes do governo continuarão a conspirar contra o Brasil, contra a sociedade e contra os mais pobres? Até quando continuarão com sua perversão sádica a destruir os parcos alicerces de um país minimamente civilizado? Julgam que ficarão impunes perante a história? Acreditam que não sofrerão reveses políticos? Imaginam que o povo nunca se levantará contra eles?

Enganam-se aqueles que pensam que Bolsonaro é desprovido da capacidade de pensar ou de discernir. Ele e seu governo sabem o que fazem. Ele foi multado pelo Ibama e seus familiares acumulam vários pontos na carteira de habilitação. Ele age como um ditador despeitado, que quer satisfazer os seus mais medíocres caprichos. Ditadores cometem atrocidades por razões injustificáveis. Não as cometem porque são pessoas banais, desprovidas de maldades. As cometem porque são pessoas más, orientadas para condutas criminosas. O mal não é banal. Ele é brutal e criminoso. Precisa ser detido.

Bolsonaro ergueu uma montanha de mentiras para se eleger. Agora, ao que tudo indica, vem a confirmação de que sua eleição se deveu a uma conspiração articulada por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol para condenar Lula e tirá-lo das eleições. Trata-se de informações gravíssimas. Se forem confirmadas, o processo contra Lula precisa ser anulado e Moro e Dallagnol precisam responder por seus crimes. O fato de Moro estar no governo já é um indício de que sua ação como juiz foi politicamente motivada.

Desta vez, o STF não poderá se omitir por covardia, pois seria o fim da biografia dos ministros que lá estão. Se as informações se confirmarem colocarão em xeque a legitimidade das eleições, que já têm vários problemas nesse sentido. Não se tratará apenas de julgar Moro e Dallagnol. O que houve foi uma conspiração contra a democracia. O mal está na origem desse governo. Colocar Lula em liberdade, anular a condenação, julgar Moro e Dallagnol e refazer o processo eleitoral serão demandas legítimas que precisarão ser levadas às ruas.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

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