*……….::::: CHAGÃO! :::::……….*
“Quien quiera entender como funciona el mundo deberá entender el fútbol”.
Roberto Perfumo (ex-jogador argentino).
CHAGÃO PERGUNTA
O ‘Chagão!’ quer saber: No seu livro “Futebol ao Sol e à Sombra”, Eduardo Galeano traz um símile de uma gravura chinesa antiga, onde um rechonchudo local tenta fazer embaixadinhas com uma bola. Galeano observa que o desenho é antigo, mas a bola parece com as da Adidas. No Brasil e no mundo, a era de Ouro do futebol foi toda jogada com as famosas bolas tradicionais, marrons e fechadas com um cadarço de sapatos, pesadas, bem diferente das atuais, mais leves que o ar, o que torna o jogo cada vez menos jogo. Toda essa digressão esférica para perguntar: em que ano e como surgiu a primeira bola branca, que tirou a bola de futebol do seu padrão amarronzado? Resposta: segundo a FIFA, em 23 de junho de 1923, em uma partida entre os empregados da Light & Power, em São Paulo, fez-se a luz! Como a iluminação àquela época ainda era um luxo para poucos, os jogadores-operários aproveitavam a iluminação da fábrica para jogar uma pelada noturna. Como a bola amarronzada era difícil de encontrar quando chutada pra longe, Severino Gragnani teve um idéia: pintou a bola de branco. Em países onde a grama é substituída por neve, por exemplo, a bola é de um laranja-radioativo que rivaliza com a camisa do Palmeiras “Verdão-Limão”.
CONTA OUTRA, LEONOR!
Na Argentina é ponto certo que os brasileiros largaram o seu estilo de jogo em nome da previsibilidade das vitórias no estilo europeu. Diante das últimas derrotas para a seleção yellow-Nike, os portenhos chegaram a questionar se o caminho correto não seria abandonar o estilo de jogo dos albicelestes e abraçar a marcação, o jogo feio em nome das vitórias. A semifinal do último torneio olímpico deu um respiro a eles, que puderam comemorar a supremacia do bom futebol – ao menos no segundo tempo – contra o burocratismo da seleção, que não chega a ser obra de Dunga. De qualquer sorte, a história do futebol portenho tem alguns elementos que não encontramos no futebol braziniquim: primeiro, o futebol passa pela política de uma maneira bem mais à esquerda do que os Kakás, Cafus e Andersons. Muito mais. A seleção local é acusada de vencer a Copa de 1978 e fortalecer o regime ditatorial que tinha em Videla o seu representante naquele momento, mas os jogadores, e principalmente o técnico, César Menotti, eram de esquerda, e condenavam a ditadura. Além do mais, o povo argentino sabe compreender esporte e política para além das mistificações. Por isso, Maradona respondeu a Carlos Menem que deixasse o futebol para os jogadores e fosse governar para o povo que continuava faminto. O blogueiro Vandré Abreu escreveu um texto, não sabemos se autobiográfico, mas de qualquer forma interessante, sobre como arte, futebol e política na Argentina só valem quando são feitos corpos ativadores da potência de agir.
“MARADONA E OS OUTROS DEUSES”
Quando nasci, meu irmão Juan e minha irmã Eva comemoravam seus cinco anos e meu pai, Carlos, ouvia Gardel. Meus pais me chamaram de Martín, nome de santo no meu país. Buenos Aires crescia para todo o sempre e meu pai rezava pela volta de Perón, que não era meu irmão. A deusa Evita estava morta há dezoito anos (morreu de câncer uterino, em 1952) e todos nós estávamos órfãos, mesmo que minha mãe me ninasse todas as noites. Havia uma foto da família Perón na sala de casa, ao lado da bandeira do nosso país, e outra de San Martín, o “pai da pátria”, no meu quarto. Ao lado da vitrola, os discos de Gardel.
Depois de um tempo, quando passei a entender das coisas, senti a responsabilidade que era ter o nome que eu tenho aqui na região do Rio da Prata, aliás, vem daí o nome de meu país, já que prata, em latim, se diz argentum, que tem o adjetivo argentinus como correspondente. José de San Martín liderou as campanhas militares que culminaram na nossa independência, em 1816, frente à Espanha e ainda partiu para libertar outras nações com Simon Bolívar, se tornando herói também no Chile e no Peru. Em quase todas as cidades argentinas há uma praça, uma rua, uma escola ou um clube com o nome de San Martín, sem contar os monumentos em sua homenagem. O deus da Pátria ainda está presente em moedas, bilhetes e selos do meu país.
Após a independência a luta dos meus conterrâneos foi para a união de suas províncias, onde os caudilhos de cada uma desejavam ser maiores que os de outras. Apenas em 1853, com o golpe liderado pelo General Justo José de Urquiza, apoiado pelo Brasil e pelo Uruguai, meu país se consolidou em um e sancionou sua única constituição até hoje, sofrendo apenas algumas modificações. A partir de então, meu país pôde se desenvolver economicamente, fomentando a agricultura e realizando sua base estrutural com a criação de portos e o desenvolvimento ferroviário. O final do século XIX trouxe uma Argentina fundamentada na imigração européia, na educação de base e na exportação de produtos manufaturados.
A fama de Buenos Aires como cidade mais européia da América crescia e Gardel promulgava o tango, a música do meu país, no inicio do século XX. Nós, argentinos, atingimos a fama de sermos a população mais educada e culta da América Latina. Foi no nesse século que os deuses voltaram a aparecer no nosso país. San Martín já não estava entre nós e os governos radicais da “Causa contra o Regime” tentavam honrar nossa história através da organização nacional e do respeito às leis e à Constituição. Hipólito Yrigoyen é o grande nome do país na época, mesmo sem ser deus elaborou reformas que o povo desejava, mas a crise mundial e a briga interna entre os radicais favoreceram o golpe de 1930 do general José Félix Uriburu.
Em 1935, um acidente de avião matava um sósia do deus do tango em Medellín, pois, por ser um deus, Gardel nunca morrerá e todos os dias suas canções divinas tocam pelas casas de Buenos Aires, enquanto as ruas da capital escutam a dançante cumbia, que meu filho Diego, diz ser a melhor música que há. Nessa mesma época, abalada pelo acidente de Medellín, a Argentina continuava com seus golpes militares e, dez anos depois, o deus do povo, Juan Domingos Perón, chega pela primeira vez à presidência.
Os deuses Juan e Evita levavam o povo ao poder e agraciava o país com uma bonança econômica jamais vista, resultado do período após a Segunda Guerra Mundial, onde os países beligerantes passaram a dever ao nosso as nossas exportações. Perón efetivava os direitos sociais de toda a população em seu período na presidência e governava apenas para nós, como dizia suas propagandas que meu pai ainda guardava quando eu nasci. Dez anos se passaram e os profanos, liderados por Eduardo Lonardi, foram capazes de pecar e tirar deus do poder. Perón se exilou na Espanha e, quando eu nasci, ele ainda estava lá, sem sua Evita, já morta.
Foi por meu nascimento e pela epifania de me chamar de libertador que meu pai se aliou aos montoneros para buscar a volta de Perón à Argentina. Em 1973, meu aniversário de três anos é comemorado com a volta de deus ao seu povo e ao poder. Meus quatro anos não foram comemorados porque o deus do povo não estava mais vivo, mas sua mulher Isabellita assumia a presidência com o apoio do povo, mas sem a divindade. Por não estar entre os deuses, Isabellita sofreu e em pouco tempo perdia a batalha para os profanos. Em 1976, o diabo Videla subia ao poder.
Foi no meio da matança protagonizada por Jorge Rafael Videla que eu vi surgir outro deus. Diego Armando Maradona ainda com 17 anos era El Pibe d´Oro e já vestia a camisa da seleção da Argentina. Um pecado de César Menotti, o treinador, deixou Diego de fora da Copa de 1978, disputada aqui mesmo na Argentina e conquistada por nós, sob a elevação de Mário Kempes, que não era deus, mas era El matador. Nesse mesmo ano, Videla matou meu pai e uma porção de montoneros, como fazia diariamente. Meus irmãos gêmeos, Juan e Eva, então com 13 anos, choravam copiosamente ao som de Gardel enquanto eu vibrava com os gols de Kempes e ainda não entendia os pecados do diabo.
Videla ainda perdeu a Guerra das Malvinas, iniciada em 1982, para os malditos ingleses, foi um absoluto fracasso do ditador, mas uma luta gloriosa de nosso povo e nossos soldados. Com a derrota, os militares saíram do poder em 1983 e o país foi reconduzido à democracia com Raúl Alfonsín.
A redenção da Guerra contra os ingleses veio em 1986, na batalha do México, com a mão de Deus de Maradona. Divindade mesmo, Maradona fez com a perna esquerda e, sozinho, deixou no chão mais de metade dos soldados ingleses decretando o triunfo da Nação frente aos malditos. Diego levantou o mundo com as duas mãos poucos dias depois e a Argentina de deus e do povo subia aos céus. Ali estava decidido que meu filho, nascido quatro anos depois, se chamaria Diego.
No meu país, a derrocada de um deus sempre significa a derrocada do povo. Foi assim com o sumiço de Gardel e o começo dos golpes militares. Repetiu-se com a morte de Evita e o golpe ao peronismo. A morte do deus do povo, Perón, levou junto a nação para a cova e a subida ao poder de Videla, o diabo. O fim da carreira do deus do futebol, Maradona, se deu na mesma época de nossa pior crise política e econômica que se alastrou até o início do Século XXI. Apenas em 2003, com Nestor Kirchner no poder, a Argentina pôde voltar a crescer economicamente e se estabelecer na política. Agora, podemos esperar novos deuses nascerem e viverem por nosso país.
LINHA DE PASSE
O zagueiro rossonero Kakha Kaladze, georgiano, afirmou esta semana que o grande responsável pelo fim dos conflitos na Geórgia é seu patrão no Milan, Silvio Berlusconi. O mesmo que ria das jogadas de Ronaldinho na abertura do calcio, e viu rir por último o time do Bologna. Para o zagueiro, teria sido Silvio quem convenceu Putin a interromper os ataques russos ao território georgiano. Um zagueiro de visão, o georgiano Kaladze, que diferente de seu compatriota, Kobiashvilli, do Schalke 04, acha que na Ossétia do Sul, tudo está bem. Uma visão preocupante para um zagueiro, que, para ser craque, deveria ter uma percepção mais ampla do que acontece na cancha. Kaladze, no entanto, se guia pelo binômio Bem/Mal, e nem consegue suspeitar que há mais coisas entre a marca do pênalti e o gol do que sonha sua mediana visão de jogo. Tem mais em comum com o colega Kaká do que apenas o prenome e a empresa onde trabalha…
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E as loucas futeboleiras do Stonewall Lions FC abiscoitaram novamente o título do Mundial de Futebol Gay e Lésbico. O torneio, organizado pela IGLFA, terminou no último sábado, e os inglesinhos venceram por 5 a 0 o SafGay, da Argentina. O torneio foi um su-ces-sa-ço, mesmo com o boicote da prefeitura de Londres. Mais de 30 times confraternizando, independente da orientação erótica. O próximo mundial será realizado ano que vem, em Washington DC, e quem quiser participar já pode começar a treinar!
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Edson “Onde Foi Que Eu Errei” Arantes do Nascimento é conhecido por não perder a oportunidade de faturar com sua imagem, o Pelé. Dizem que ele não sai de casa sem ter acertado o cachê, não dá uma declaração pública sem cobrar ou sem a perspectiva de faturar, e não costuma pagar por serviços, já que para os prestadores de serviço, deveria ser uma honra estar na presença de Pelé. Embora quem seja beneficiado seja sempre Edson. Ficou rico, parou no auge da carreira e foi jogar nos EUA, onde tem sólidos investimentos. Tem seu nome envolvido em falcatruas, e brigou com Ricardo Teixeira (o ditador da CBF) só para depois oferecer-lhe apoio irrestrito, inclusive no projeto de trazer a Copa do Mundo para o Brasil. Foi com toda esta responsabilidade, senso de compromisso social e despojamento que o Rei do Futebol criticou a posição de Robinho, agora ex-Real Madrid, e atual Manchester City. Para Pelé (ou seria Edson?), Robinho é mal assessorado, segundo o Rei, só porque trocou um salário confortável no Real por uma fabulosa fortuna de 6 milhões de Euros no clube inglês, recém comprado por um clube de zilionários árabes. Se Edson pode ganhar uns trocados da FIFA fazendo uma lista dos 100 melhores de todos os tempos onde os jogadores foram indicados para fazer média com as confederações, por que Robson, ex-ídolo do Santos, como foi o Rei, não pode vender suas pedaladas para os petrodólares das arábias, num time que é inglês só de nome, numa liga onde a pátria é o dinheiro, e que só continua na terra da rainha para inglês ver? Por que é culpabilizado de pressionar sua saída de um clube que, semanas antes, pressionava através da imprensa, outro jogador, para que traísse seu contrato e vestisse a camisa merengue, usando o ex-santista como moeda de troca? Tudo business, nada de futebol. Robinho, que não jogará a carreira inteira o que Pelé jogou em uma partida, foi mais caro do que todo o dinheiro que Garrincha ganhou na vida, e talvez em dez vidas não ganhasse. Mas se trata de negócios, e não de futebol. E neste ponto, Robson e Edson, Robinho e Pelé, são iguais.
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E deu xabú a suspensão da partida entre Nacional de Montevidéu e Liga Española, pela segunda rodada do Apertura Uruguaio 08/09, que você acompanha aqui neste ‘Chagão!’. Como noticiado, o árbitro Líber Prudente cancelou a partida após um atraso de cinco minutos do time da casa, o lendário tricolor uruguaio, baseando-se numa regra do torneio. A confusão se formou no Parque Central, e os 10 mil torcedores, a maioria do Nacional, desceram o sarrafo em quem estava à frente. Quem mais apanhou foi a imprensa, que se recusa a continuar cobrindo os jogos do time. O tribunal da AUF deu ganho de causa ao adversário, e declarou vitória da Liga por 2 a 0. Hoje, cerca de 150 torcedores do tricolor, armados de bumbos, bandeiras e camisas do Nacional, marcharam da Avenida 08 de Outubro até a sede da AUF, donde fizeram um protesto pacífico, mas barulhento, cantando hinos de louvor à mãe do árbitro, que diz que faz e desfaz, e reivindicando um resultado diferente para o time do coração. Até o presidente em exercício do Uruguai teve que dar palpite no imbróglio. Enquanto isso, o futebol uruguaio vai tendo que se contentar com os lampejos de Forlán… e só.