Massacre coincidiu com a votação da Lei Antiterror no Congresso e a classificação de facções como terroristas por Argentina e Paraguai.

Como uma operação policial no Rio se conecta a uma estratégia global
Introdução: A Tese da Operação Coordenada
O massacre da Penha e do Complexo do Alemão não foi um evento isolado. Foi uma operação planejada com o intuito de desestabilizar o governo federal, executada com a cumplicidade dos principais poderes do Rio de Janeiro: governo estadual, Polícia Militar e Ministério Público Estadual
Peça 1: A Sincronia Suspeita – Três Eventos Simultâneos
O Timing Perfeito
Três movimentos ocorrem quase simultaneamente:
- No Congresso Nacional: A Câmara prepara-se para votar a Lei das Organizações Terroristas
- No Rio de Janeiro: Ocorre o massacre policial, com dezenas de mortos
- No Mercosul: Argentina e Paraguai — os dois países aliados de Donald Trump na região — declaram simultaneamente PCC e Comando Vermelho como organizações terroristas
A Adesão Imediata
Governadores da direita radical aderem prontamente à narrativa terrorista:
- Romeu Zema (Minas Gerais)
- Ronaldo Caiado (Goiás)
- Tarcísio de Freitas (São Paulo)
As Consequências Previsíveis
A aprovação dessa lei concederia poderes extraordinários aos governadores e às Polícias Militares, ampliando radicalmente a parceria entre poder político e organizações criminosas — já visível nas decisões do Congresso sobre apostas (bets) e esquemas de lavagem de dinheiro. Significaria o fim de qualquer controle sobre as PMs, abrindo espaço para a expansão das parcerias com milícias e outras formas de crime organizado e para repressão de críticas. Significaria o advento das ditaduras estaduais.
Além disso, fortaleceria os políticas que mantém alianças com organizações criminosas poupadas – como as milícias no Rio de Janeiro e o PCC em São Paulo.
Peça 2: A Virada Estratégica do Departamento de Justiça Americano
A Geopolítica da Anticorrupção (2002-2024)
O Departamento de Justiça (DoJ) dos EUA sempre foi instrumento geopolítico. A partir de 2002, implementou a estratégia da anticorrupção, criando parcerias com juízes e procuradores em países não alinhados. O caso brasileiro foi o mais emblemático, com a Lava Jato e grandes escritórios de advocacia norte-americanos entrando diretamente no monitoramento das maiores empresas brasileiras – Petrobras, Eletrobras, Embraer e JBS.
A base legal: A OCDE aprovou moção norte-americana estabelecendo que qualquer crime afetando cidadãos americanos ou transitando pelo dólar seria de jurisdição dos EUA.
O caso brasileiro: O DoJ foi peça central para viabilizar a Operação Lava Jato, conforme documentado no artigo “Xadrez de como o Departamento de Justiça treinou a Lava Jato“.
A Mudança sob Trump (2025)
Com o retorno de Trump, houve mudança radical na estratégia: substituição dos crimes investigativos pelo foco em “organizações transnacionais criminosas/terroristas”. O objetivo permanece o mesmo: permitir aos EUA interferir na autonomia política e jurídica de estados nacionais.
5 de fevereiro de 2025: Pamela Bondi, indicada por Trump para chefiar o DoJ, reformula as prioridades de segurança nacional assim que empossada.
O Desmonte das Estruturas Anticorrupção
Bondi implementa mudanças drásticas na Divisão de Segurança Nacional:
Dissolvidas:
- Unidade de Fiscalização Corporativa (responsável por crimes empresariais)
- Força-Tarefa de Cleptocaptura (criada em 2022 para rastrear oligarcas russos após a guerra na Ucrânia)
Redirecionadas:
- Seção de Contrainteligência e Controle de Exportações
- Unidade da Lei de Registro de Agentes Estrangeiros
A Nova Prioridade
Todo o esforço concentra-se em designar cartéis e organizações criminosas transnacionais (OCTs) como:
- Organizações Terroristas Estrangeiras (OTFs)
- Terroristas Globais Especialmente Designados (TGSDs)
Memorando de 12 de maio de 2025: Estabelece que “a aplicação excessiva e descontrolada das leis contra empresas e crimes de colarinho branco onera as empresas americanas e prejudica os interesses dos EUA”. O documento orienta que “os procuradores devem evitar excessos que punam a tomada de riscos e impeçam a inovação”.
As novas recomendações focam exclusivamente em “organizações criminosas transnacionais (OCTs), Estados-nação hostis e/ou organizações terroristas estrangeiras”.
A inversão é clara: menos perseguição a crimes corporativos americanos, mais intervenção em organizações criminosas de países periféricos.
Peça 3: O Alerta de Bill de Blasio
Bill de Blasio, ex-prefeito de Nova York (2014-2021), participou do 2º Seminário Internacional de Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, organizado pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) em parceria com o IDP.
Em palestra realizada em 29 de maio, de Blasio foi direto ao ponto:
“É possível que Trump use essa classificação de grupos terroristas para objetivos políticos nefastos no Brasil? É possível. Se alguém acha que não, é porque não está prestando atenção. Se eu fosse brasileiro, ficaria preocupado com os Estados Unidos usando algo que deveria ser uma ferramenta jurídica para combater o terrorismo e transformar em uma ferramenta política.”
As Implicações Práticas
Classificar facções criminosas como organizações terroristas abre caminho para:
- Intervenção direta dos EUA em assuntos de segurança interna
- Ampliação de poderes policiais sem controle judicial adequado
- Criminalização de protestos e movimentos sociais
- Quebra de garantias constitucionais fundamentais
Peça 4: A Cobertura Internacional – Quando o Mundo Vê o Brasil
Ponto importante para avaliar a adesão a esse jogo geopolítico é o acompanhamento da cobertura da mídia corporativa.
Enquanto parte da imprensa brasileira oscilava em sua cobertura, os veículos internacionais mantiveram tom consistentemente crítico.
Agências Norte-Americanas
CBS News, ABC News e CNN: Relataram o número elevado de mortos e protestos subsequentes, enfatizando críticas internacionais à violência policial e questionando as execuções sumárias.
Associated Press (AP) e Washington Post: Noticiaram amplamente os protestos dos moradores das favelas contra a brutalidade policial.
Reuters: Manchete enfática: “Autoridades do Rio identificam corpos enquanto manifestantes denunciam operações policiais letais.“
Europa Incrédula
Itália (Corriere della Sera e La Repubblica): Destacaram a brutalidade da operação, com relatos de corpos alinhados nas ruas e mortes sob condições violentas.
Inglaterra (BBC): Denunciou a brutalidade policial e analisou a complexidade do conflito urbano brasileiro.
Espanha e outros veículos europeus: Noticiaram o episódio enfatizando a gravidade do uso da força e a crise de segurança no Brasil, com tom crítico e alertas sobre direitos humanos.
O Significado do Olhar Externo
A cobertura internacional serve como termômetro: quando a imprensa global se choca com algo que parte da mídia local defende, é sinal de que limites civilizatórios foram ultrapassados.
Peça 5: A Cobertura Doméstica – O “Apito de Cachorro”
Durante a pandemia de COVID-19, a mídia brasileira se reabilitou ao alinhar-se quase unanimemente com a ciência. Agora, na discussão sobre segurança pública, a ciência é representada por juristas e especialistas — como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Associação Brasileira de Estudos de Segurança Pública e a Rede de Altos Estudos em Segurança Pública.
Assim que aconteceu o massacre, principais colunistas explodiram em críticas contra o governo do Rio, embasados em visão técnica de segurança e em fontes confiáveis.
Ocorreu fenômeno similar ao episódio da prisão de Michel Temer: de manhã, muitos colunistas aplaudiram; no meio do dia, O Globo soltou editorial inesperado que funcionou como “apito de cachorro”, uniformizando a cobertura em crítica à medida do Ministério Público Federal.
A Virada Editorial
Primeiros dias:
- O Globo: Colunistas condenaram a matança; apenas o editorialista a defendia
- Estadão: Fincou pé em defesa do estado de direito, nas reportagens e editoriais, retomando a linha do conservadorismo culto
- Folha: Editoriais tornaram-se irrelevantes pelo conservadorismo inculto
Dias seguintes:
- Surgimento de pesquisas apoiando o massacre
- O Globo: Editorial inacreditável: “Denúncia comprova necessidade de ataque ao CV“
- Protestos dos moradores contra a matança ficaram restritos aos veículos estrangeiros
- Explosão de pesquisas favoráveis ao morticínio e perda de espaço para matérias descrevendo o drama das famílias nas favelas atingidas.
A questão que se coloca: até que ponto os jornais defenderão o iluminismo ou a lei das selvas? É distância similar à que separa radicais antivacina dos defensores da vacina — a diferença entre ciência e obscurantismo.
Peça 6: Da Vingança ao Estado de Direito – Uma História de Milênios
A evolução da humanidade em relação às execuções sem julgamento é, essencialmente, a história da lenta construção da ideia de justiça como direito, não como vingança. Compreender essa trajetória ajuda a dimensionar a gravidade do retrocesso atual. Vamos recorrer à Inteligência Artificial para analisar a Imbecilidade Coletiva, presente nos grandes movimentos de apoio a linchamentos.
A Era da Vingança (Antiguidade)
Nos primórdios das sociedades humanas, não havia distinção entre justiça e vingança. Quem era ofendido tinha o direito — e até o dever — de revidar.
Código de Hamurabi (c. 1750 a.C.): Introduz a lógica da retribuição (“olho por olho”), mas ainda legitima a execução imediata por ofensa.
Leis tribais: Entre hebreus, germanos e gregos primitivos, o clã executava o infrator sem processo.
Poder do soberano: Reis ou chefes militares ordenavam execuções sumárias sem qualquer procedimento. A execução era instrumento de autoridade, não de justiça.
O Poder Absoluto e o “Direito de Matar” (Idade Média)
Durante a Idade Média, vida e morte de um súdito dependiam da vontade do senhor feudal ou monarca.
Jus gladii: O conceito jurídico do “direito da espada” — o poder absoluto de matar.
Execuções sumárias: Bastava suspeita de traição, feitiçaria ou heresia para a morte imediata.
Processo ritualístico: Quando existia, era mera formalidade — confissão sob tortura e penas exemplares (forca, fogueira, guilhotina).
Disputa de poder: Igreja e Estado competiam para determinar quem tinha o poder de “matar legitimamente”.
O Nascimento do Processo Legal (Renascimento e Iluminismo)
A partir do século XIII, surge a ideia de limitação do poder de punir:
Magna Carta (1215): “Nenhum homem livre será detido ou punido, a não ser pelo julgamento de seus pares.”
John Locke (século XVII): Filósofos liberais estabelecem que o Estado só é legítimo se proteger a vida.
Cesare Beccaria – Dos Delitos e das Penas (1764): Condena a tortura e defende o processo legal como direito inalienável.
Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789): Consolidam o due process of law — o devido processo legal — como garantia universal.
Marco civilizatório: A execução sem julgamento passa a ser vista como crime de Estado.
O Estado de Direito e os Direitos Humanos (Séculos XIX-XX)
Com o avanço do constitucionalismo:
Códigos modernos: Passam a proibir explicitamente execuções sem julgamento.
Código Napoleônico (1808): Espalha a noção de pena somente após sentença judicial.
Pós-guerras mundiais: O mundo formaliza os princípios:
- Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), artigos 10-11: Direito a julgamento público e justo
- Convenção de Genebra (1949): Execuções sumárias são crimes de guerra
- Protocolo de Minnesota (2016): Padrões internacionais para investigar execuções extrajudiciais
Conquista civilizatória: A execução sem julgamento torna-se símbolo de barbárie estatal.
O Retrocesso Contemporâneo
Apesar dos avanços legais, o século XXI testemunha o retorno das execuções extrajudiciais:
Filipinas (Duterte): “Guerra às drogas” com milhares de mortos sem julgamento.
México e El Salvador: Políticas de segurança com alto número de mortes em operações policiais.
Brasil: Muitas mortes classificadas como “autos de resistência”, mascarando execuções.
Rússia e Israel: Execuções direcionadas em conflitos, sem devido processo.
Conclusão: Conectando os Pontos
Os seis elementos analisados — a sincronia dos eventos, a mudança no DoJ americano, os alertas de especialistas, a divergência entre cobertura internacional e doméstica, e o contexto histórico — formam um quadro coerente.
Não se trata de teoria conspiratória, mas de análise geopolítica: os mesmos padrões de intervenção dos EUA em assuntos internos de países periféricos, agora com nova roupagem. Onde antes se usava a “anticorrupção” como instrumento, agora se usa o “antiterrorismo”.
A questão fundamental permanece: o Brasil defenderá o Estado de Direito conquistado ao longo de séculos, ou aceitará o retrocesso à lógica da vingança e da força bruta?
A resposta a essa pergunta definirá não apenas nossa política de segurança, mas o tipo de sociedade que seremos.
