HÁ 39 ANOS, A MORTE DE SAMORA MACHEL, ENTERROU O PROJETO SOCIALISTA EM MOÇAMBIQUE

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ANTICOLONIALISMO

Líder da libertação do país africano morreu após queda de avião em 19 de outubro de 1986

Há 39 anos, Moçambique perdia Samora Machel (1933-1986), primeiro presidente do país africano e líder histórico da libertação do domínio colonial português.

O líder moçambicano morreu em 19 de outubro de 1986, quando o avião em que viajava caiu em Mbuzini, na África do Sul. Ele retornava da Zâmbia. As circunstâncias envolvem suspeitas de participação do governo sul-africano. Até hoje há controvérsias e pedidos por uma investigação mais transparente, inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Uma das transformações mais notáveis na política moçambicana após a morte de Machel foi o abandono do projeto socialista. Este movimento foi imposto pela guerra civil que eclodiu logo após a independência e, posteriormente, pela implementação de Programas de Ajustamento Econômico, ditados pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), no final da década de 1980 e início da década de 1990.

Quem foi Samora Machel

Samora Machel nasceu em 29 de setembro de 1933 na aldeia de Chilembene, na província de Gaza. Filho de agricultores e neto de um guerreiro do reinado do imperador Ngungunhane, sua formação inicial ocorreu numa escola missionária católica. 

Aos 18 anos, trabalhou como auxiliar no Hospital Miguel Bombarda, em Maputo, e, em 1952, iniciou estudos de enfermagem. Já profissional, ele atuou na Ilha da Inhaca em 1956, onde testemunhou de perto as condições precárias que enfrentava a população local.

Foi na década de 1950 que sua consciência política começou a crescer. Ao observar as desigualdades e abusos sob o regime colonial português, como a apropriação de terras comunitárias pelos colonos e a morte trágica de seu irmão em uma mina, ele se voltou com mais vigor à luta socialista e anticolonial.

Nesse período, passou a organizar protestos no hospital onde trabalhava, denunciando a discriminação racial contra os enfermeiros negros, que exerciam as mesmas funções de enfermeiros brancos, mas recebiam salários inferiores. Por conta desse atuação, ele passou a ser vigiado pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (Pide), a polícia política portuguesa.

Nos anos 1960, Samora conheceu Eduardo Mondlane, fundador e primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), a principal organização a lutar contra o domínio colonial português. A estrutura do movimento independentista tinha sede na Tanzânia, onde Machel se juntou aos esforços de guerrilha.

Ele passou por treinamentos militares no exterior, estabeleceu contato com líderes de movimentos revolucionários da África do Sul, da Argélia, entre outros, e começou a comandar tropas da Frelimo no combate a Portugal. 

Quando Mondlane foi assassinado em 1969, ocorreu uma disputa interna por liderança, e Machel acabou assumindo o controle da Frelimo. A partir daí, guiou não apenas a luta militar, mas também buscou construir, nas áreas libertadas, serviços públicos como escolas, saúde e creches, gerando amplo apoio popular. 

Em abril de 1974, a Revolução dos Cravos em Portugal derrubou o regime do Estado Novo e abriu caminho para o fim da guerra colonial.

Em novembro de 1977, Samora Machel foi recebido em Cuba por Fidel Castro | AFP

Foi na madrugada de 25 de junho de 1975 que Machel anunciou aos moçambicanos e às moçambicanas a proclamação da independência “total e completa” do país. Enquanto o regime português fazia descer a bandeira colonial, a Frente içava com vigor a bandeira da então República Popular de Moçambique.

“Estado de Democracia Popular em que, sob a direção da aliança dos camponeses e operários, todas as camadas patrióticas se engajam na luta pela destruição das sequelas do colonialismo e da dependência imperialista, pelo aniquilamento do sistema de exploração do homem pelo homem, pela edificação da base material, ideológica, político-cultural, social e administrativa da nova sociedade”, anunciou Machel no discurso de independência, ao ser empossado presidente.

Em seu governo, Machel enfrentou enormes desafios: um país destruído por anos de conflito, escassez de infraestrutura e desigualdades profundas. Apesar disso, implementou um plano de reconstrução centrado no socialismo.

Entre as primeiras medidas, o líder moçambicano promoveu a universalização da saúde e da educação, ampliando significativamente o acesso da população a serviços básicos. Paralelamente, implementou um vasto programa de reforma agrária e coletivização da terra, criando cooperativas agrícolas e aldeias comunais, inspiradas nos modelos soviéticos de organização rural.

Foi também sob sua liderança que se criou a Administração do Parque Imobiliário do Estado, responsável por gerir o patrimônio público e garantir o direito à moradia para todos os cidadãos.

A política econômica de Machel buscou afirmar a autonomia nacional. O Estado assumiu o controle de setores estratégicos, como bancos, indústrias e recursos naturais, e lançou programas voltados à industrialização e à diversificação produtiva. O governo também criou controladorias fiscais e mecanismos de combate à corrupção.

No campo diplomático, Machel aproximou Moçambique dos países socialistas, especialmente de Cuba e da União Soviética. Ao mesmo tempo, fortalecia a cooperação com outras nações africanas, apoiando movimentos de libertação em diferentes partes do continente.

A principal oposição ao governo do líder da libertação de Moçambique era organizada pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), um movimento anticomunista e reacionário, criado em 1975 por ex-colonos brancos da Rodésia e setores da burguesia moçambicana.

Com o passar dos anos, a Renamo intensificou sua atuação e passou de força de oposição a um movimento armado. Sustentada financeiramente pela África do Sul e pela Rodésia, e contando ainda com o apoio político dos governos de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margaret Thatcher, no Reino Unido, a organização desencadeou em uma campanha aberta pela derrubada do governo socialista de Machel, dando início à Guerra Civil Moçambicana, que durou 16 anos e provocou cerca de um milhão de mortes.

Queda de avião que matou Samora Machel, em 19 de outubro de 1986, ainda carece de investigação | AFP

Presença externa no país aumentou após morte de Machel

A bordo do Tupolev 134 que caiu transportando Samora Machel em 19 de outubro de 1986, estavam 33 pessoas, das quais apenas nove sobreviveram. As investigações indicaram que a aeronave teria sido desviada de sua rota por um falso sinal de navegação aérea, emitido na mesma frequência do aeroporto de Maputo, que coincidentemente estava sem energia no momento do acidente.

O fato alimentou suspeitas de sabotagem por parte do regime sul-africano do apartheid na época. Apesar das exigências de Moçambique e da União Soviética por uma apuração internacional, Pretória recusou o acesso de observadores estrangeiros ao local.

O governo da África do Sul também ignorou pedidos da Organização da Aviação Civil Internacional e demorou semanas para liberar informações sobre as caixas-pretas. Testemunhos de sobreviventes relataram a presença de militares sul-africanos recolhendo documentos e interrogando feridos logo após a queda. Décadas depois, em 1996, Nelson Mandela defendeu a reabertura do caso, mas enfrentou resistência dentro das Forças Armadas. Mesmo com novos apelos da ONU em 2016, o acidente jamais foi completamente esclarecido.

Após a morte do líder da libertação moçambicana, a adoção do neoliberalismo como estrutura política e econômica dominante resultou, na avaliação de muitos setores da população, na interrupção da industrialização do país.

O boom dos recursos naturais, como o carvão mineral, o gás, as terras agrícolas e diversos minérios , despertou a cobiça de investidores estrangeiros interessados na exploração dessas riquezas. Nesse cenário, formou-se uma nova elite econômica local que se associou ao capital internacional, alterando o equilíbrio de poder entre Estado, sociedade e capital.

Foi nesse cenário que a mineradora Vale, junto a outras corporações transnacionais, se instalou no país. Muitos definem esse movimento como uma nova colonização silenciosa do continente africano.

Hoje o país enfrenta uma grave crise econômica em uma economia estagnada e um Estado ainda fortemente dependente da ajuda externa e da “boa vontade” da comunidade doadora internacional para manter seus serviços básicos e instituições em funcionamento.

Esse cenário tem sido aproveitado pelo FMI, pelas multinacionais, e por investidores como um fator para impor condições e políticas ao governo moçambicano, medidas que muitos consideram intervenções indevidas e um “atentado à soberania nacional”.

Em 30 de agosto, o FMI anunciou, após visita ao país, que as discussões sobre um novo programa de ajustamento financeiro vão continuar “nos próximos meses”.

O comunicado de imprensa do FMI disse que há “sinais emergentes de um aumento do interesse dos investidores estrangeiros numa ampla gama de setores”, e por isso conclui que “é essencial abordar os desequilíbrios macroeconómicos para libertar todo o potencial do investimento direto estrangeiro e manter a confiança dos investidores”.

*Com informações de Opera Mundi

 

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