Movimentos Sociais

A virada dos povos indígenas

O Acampamento Levante pela Vida, com início dia 22, em Brasília, reforça a virada de ações das lideranças dos povos originários do Brasil que se multiplicam buscando sobrevivência e proteção

 

18/08/2021.

 

Créditos da foto: (Reprodução/Twitter)

 
A luta pela mãe terra é a mãe de todas as lutas, relembra o slogan do Acampamento Levante pela Vida que será montado, em Brasília, a partir do próximo domingo, de 22 a 28 deste mês. A grande manifestação é um dos eventos deste segundo semestre mais representativos para denunciar, novamente, a atual situação precária dos povos originários indígenas no Brasil com as perseguições, assassinatos, ameaças, e sobretudo com o descaso e até o absurdo antagonismo de instituições criadas para protegê-los, como é o caso da Funai.

Hoje, vivem no território brasileiro mais de um milhão de indígenas divididos em 305 povos que falam cerca de 180 línguas. Atualmente, está em curso a articulação para multiplicar o número de lideranças desses povos, do ponto de vista político, em especial das novas gerações, jovens indígenas, moças e rapazes, já estão atuando na organização de movimentos populares. Em particular, mulheres.

A previsão é a de que vários serão candidatos e candidatas nas próximas eleições ao Parlamento onde hoje apenas uma única deputada indígena, a advogada e escritora Joenia Wapichana, da Rede, de Roraima, representa o seu povo. Ela confronta com as bancadas ruralistas e do agronegócio (241 membros) eleitas por muitos dos que promovem o desmatamento, a intimidação nas aldeias e a invasão de territórios que por direito constitucional pertencem aos povos indígenas.

Shirley Krenak, Pagu Rodrigues e a líder Guarani/Kaiowá Amarandá são lideranças de mulheres que chamam para o Acampamento, ora em preparação.

Outro grupo recém criado para aumentar a representatividade nacional é o Parlamento Indígena, o ParlaÍndio, coordenado pelo cacique Almir Suruí, do povo Paiter Suruí de Rondônia, um dos signatários junto com o cacique Raoni de pedido de investigação contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional de Haia pelo aumento do desmatamento na Amazônia e por ataques contra a população indígena.

Há uma semana grupos indígenas entregaram ao TPI uma nova denúncia de genocídio e crimes contra a humanidade por parte do atual presidente da república. Todas estão sendo analisadas embora bolsonaristas mintam anunciando o seu arquivamento.

“O ParlaÍndio tem a missão de unificar essas lutas, defender políticas públicas para todos indígenas, a demarcação de territórios e a proteção territorial”, diz Almir Suruí. Mais de vinte representantes de povos de todo o país participam das reuniões virtuais mensais do Parlaíndio. Entre eles, Francisco Piya%u003ko Ashaninka, Kretã Kaingang, Daniel Munduruku, Édson Kayapó e Eliane Potiguara; Davi Kopenawa Yanomami é porta-voz do grupo e dois importantes apoios ao Parlaíndio vêm da embaixada da França no Brasil e da Fundação Darcy Ribeiro.

Como primeira deliberação, os integrantes do Parlaíndio solicitaram à Justiça a exoneração do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, um executor das políticas anti-indígenas de Bolsonaro. A ação também é forte na determinação de derrubar o Marco Temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas, e o Projeto de Lei PL 490 que abre áreas protegidas à mineração, ao agronegócio e à construção de hidrelétricas.

E há a ABIP, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, outro núcleo de resistência e de militantes autores das primeiras denúncias, há um ano, da subnotificação do Ministério da Saúde em relação ao total de óbitos entre indígenas causados pela covid-19. Em julho de 2020 a ADIP contabilizou 389 mortes enquanto o Ministério da Saúde divulgava apenas 156.

Na ADIP uma das grandes lideranças é a de Sonia Guajajara, de 57 anos, professora, enfermeira, e candidata à vice-presidência da república na chapa do PSOL, em 2018. Nascida numa aldeia dos Guajajaras, no Maranhão, um dos mais numerosos povos indígenas do país – 24 mil integrantes -, Sonia é das mais antigas e conhecidas lideranças indígenas brasileiras no Brasil e no estrangeiro. Foi candidata do PSOL à vice-presidência da República nas mais recentes eleições.

Originária da terra indígena Arariboia, no município de Amarante, ela saiu de casa aos dez anos para estudar. Na sua aldeia só havia escola até a quarta série. “Viajo pelo mundo, e por causa do movimento indígena já conheci 22 países”, diz. Hoje, vive com a família em Imperatriz protegida por forte rede de segurança.

Guajajara reconhece uma escola para crianças indígenas “que respeite o conhecimento tradicional”, como se faz no Canadá onde os first nation (termo cunhado pelos Inuit e Métis) são reconhecidos e respeitados. Lá, onde há 634 comunidades com 50 idiomas diferentes as escolas para suas crianças são bilíngues.

Nas suas declarações públicas, a líder costuma dizer que “mesmo sendo nós os povos originários do país, a sociedade ainda nos desconhece. Para essa sociedade ainda somos invisíveis”. Atualmente, seu trabalho está focalizado na apuração das denúncias feitas pela ADIP das violações e omissões, e na intimidação de indígenas pelos próprios funcionários do governo federal e de soldados do exército, nas aldeias”. “Os povos estão completamente desprotegidos e muitos soldados se mostram amedrontados”.

”Na luta política, a realidade,” diz Sonia, ”é que os ruralistas são representados por dois e não por apenas um único ministério. O Ministério do Agronegócio e o Ministério do Meio Ambiente”.

“Um delegado da Polícia federal que não compactuou com o amordaçamento de funcionários dos ministérios imediatamente foi exonerado, como todos sabem. Já a Funai se transformou num órgão de exploração de territórios indígenas. Não é mais um órgão de proteção”.

”O momento que vivemos é trágico”, a líder reconhece.

Suas frentes de trabalho se estendem entre a família e três filhos, a aldeia do seu povo, e Brasília, onde ela continua promovendo ações permanentes, como as de agora, do segundo semestre, e ações pontuais. Por exemplo, por ocasião do indiciamento e perseguição da Polícia Federal a Almir Suruí), e casos recentes de estupro de meninas; uma Kaigang, no Paraná, e Raissa, Guarani Kaigang, no Mato Grosso do Sul.

‘E há muitos outros fatos de violência que nem são divulgados porque essa violência contra os povos indígenas é autorizada pelo próprio governo federal. O presidente do país incita a violência e promove uma política negacionista. E a grande imprensa banaliza a falta de respeito do próprio presidente da República”.

Se a banalização da violência aos indígenas brasileiros é um dos maiores problemas a se enfrentar na mídia – e também junto às populações urbanas, em especial as do sul e do sudeste do país-, por outro lado é inaceitável e até espantosa a passividade do Ministério da Defesa em relação à proteção, por exemplo, de Mundurukus e Yanomamis, tardando inclusive a cumprir medida decretada pelo ministro Luis Barroso, como se viu há pouco.

Sonia Guajajara (Pablo Alberanga/Amazônia Latitude)

”A classe dominante não se vê como parte do Brasil, mas como o seu dono”, diz Sonia. ”O Brasil não é o seu país, mas a sua colônia. Infelizmente, essa ideia se impõe até hoje”. E Guajajara conclui: será a pressão externa da comunidade internacional denunciando a situação deplorável dos nossos povos originários e promovendo inclusive boicote a produtos brasileiros importados que contribuirá com mais força para mudanças.

A mais recente Carta enviada à ONU cita ataques contra a Associação de Mulheres Wakoborun, a contaminação pelo mercúrio de terras indígenas e o projeto de lei 191/2020, que regulariza a mineração nas reservas. A decisão de enviar mais esse documento assinado por um número elevado de oito relatores da organização revela a dimensão da preocupação que hoje o Brasil gera na comunidade internacional.

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