PADRE JÚLIO LANCELLOTTI E RELIGIOSOS DENUNCIAM GENOCÍDIO EM GAZA E CRITICAM USO POLÍTICO DA FÉ

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Entrevistados defendem solidariedade universal e repudiam o uso do judaísmo e do cristianismo para justificar massacres

 

Crédito: Reprodução/ TVGGN Justiça

Na última sexta-feira (3), o jornalista Luís Nassif reuniu o Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, e Shajar Goldwaser, ativista judeu do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, para discutir o que ambos classificam como o “genocídio televisionado em Gaza”.

A conversa, marcada por fortes críticas ao uso político da religião e à naturalização da violência, abordou também a ascensão do fundamentalismo e o papel da solidariedade global diante da barbárie.

Genocídio em tempo real

Logo no início da entrevista, Padre Júlio foi categórico. “Estamos tendo, pela primeira vez na história, um genocídio televisionado em tempo real.”

O padre destacou que o nível de destruição na Faixa de Gaza não encontra paralelo recente, nem mesmo em tragédias como Ruanda, Somália ou Sudão.

“Nós temos claro, e ninguém é ingênuo, de considerar que todo palestino seja do Hamas e que o Hamas seja o único a falar em nome do povo palestino. E se houve ações, se houve e houve ações terroristas por parte do grupo Hamas, isso não justifica com a sofisticação bélica que o Estado de Israel tem”, emendou o Clérigo.

Para Lancellotti, a desumanização dos palestinos revela o colapso de valores civilizatórios. “A humanidade não quer mais que se repitam holocaustos, não aceita mais genocídios, não aceita destruição, porque o genocídio tem uma técnica. A técnica genocida é matar as crianças, matar as mulheres, como está acontecendo agora na Palestina.”

Solidariedade global

Padre Júlio celebrou as manifestações internacionais de solidariedade à Palestina, registradas em países como Itália, Alemanha, França e Brasil. Para ele, esses atos mostram que o mundo começa a reagir.

“A empatia não é só para quem é igual a mim. Eu não quero que ninguém seja trucidado, que ninguém seja eliminado, nem em Ruanda, nem no Sudão, nem em nenhum lugar da África, nem no Iêmen. E não queremos na Palestina e na Ucrânia.”

Ele lembrou que a maioria das vítimas em Gaza são mulheres e crianças, e associou a indiferença diante do sofrimento humano ao avanço do fundamentalismo religioso e político.

Não em nosso nome

Shajar Goldwaser, nascido em Jerusalém e integrante do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, trouxe uma perspectiva interna da comunidade judaica. Ele explicou que o grupo atua para desvincular a identidade judaica do Estado de Israel, e criticou a definição de antissemitismo usada por governos e instituições que, segundo ele, servem para calar críticas legítimas a Israel.

O ativista destacou que essa instrumentalização é promovida pela extrema-direita global, que usa a defesa da “civilização judaico-cristã” como justificativa para guerras e ocupações.

“Não é à toa que a extrema-direita do mundo todo tem não só comprado o discurso e o método israelense de pensar e se referir a essas populações, mas inclusive as tecnologias, as armas, os softwares, né? Então, hoje Israel serve como um modelo de repressão.”

Conflito identitário

Goldwaser admitiu que o debate é difícil dentro das próprias comunidades judaicas, muitas vezes marcadas por pressões familiares, patrulhamento ideológico e exclusão de quem defende os palestinos.

“Até mesmo aqueles que se posicionam à esquerda, aqueles que se auto-proclamam sionistas da esquerda, aqueles que apoiam o Israel, mas se entendem dentro do espectro da esquerda aqui no Brasil, até essas pessoas fecham as portas e se recusam a dialogar com a gente, porque a gente é constantemente colocado na caixinha do radical.”

Ele lembrou que o judaísmo tem mais de 4 mil anos, enquanto o Estado de Israel tem menos de um século.

“Não é uma identidade judaica construída, é uma identidade judaica que está vindo de fora para atender a interesses imperialistas.”

O coletivo que integra tem como lema “Não em nosso nome”, reafirmando que as atrocidades cometidas contra o povo palestino não representam o pensamento de toda a comunidade judaica mundial.

Uso político da fé

Padre Júlio relacionou o avanço do autoritarismo e do fascismo ao uso distorcido da religião. “Uma característica específica do fascismo e do neofascismo é a utilização da religião para legitimar as aspirações políticas de imposição, de autoritarismo, de dogmatismo. Então, o fundamentalismo religioso, a gente vê aqui no Brasil manifestações religiosas cheias de bandeiras de Israel. E vendo até pessoas do povo dizendo, ah, Israel é um país tão cristão como o nosso. O fundamentalismo emburrece.”

Ele criticou manifestações no Brasil que associam símbolos religiosos cristãos à bandeira de Israel e aos Estados Unidos, chamando atenção para a confusão entre fé e política.

“Tenho que ter a posição clara de que, na década de 40, nós tínhamos que defender o povo judeu. E que, em 2025, no século XXI, nós temos que defender o povo palestino. E isso não me torna numa dualidade, mas numa unidade dentro de um pluralismo e saber que, nesse momento, no Oriente Médio, eu sou palestino”, continua Lancelotti

Segundo o padre, tanto a Bíblia hebraica quanto o Novo Testamento colocam Deus ao lado dos oprimidos.

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