POR QUE BOLSONARO AINDA NÃO FOI PRESO E QUAIS OS POSSÍVEIS IMPACTOS POLÍTICOS DA PRISÃO
Analistas apontam ser improvável que a Primeira Turma acate os recursos das defesas
Fontes ligadas a Bolsonaro relatam “desespero” com iminência da prisão. Foto: Sérgio Lima/AFP
Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o início do cumprimento da pena só pode ocorrer após o chamado “trânsito em julgado”, ou seja, quando forem esgotadas todas as possibilidades de recursos, denominados “embargos” na esfera jurídica.
Na última segunda-feira (27), terminou o prazo para que as defesas dos condenados apresentassem os chamados embargos de declaração que, em teoria, não têm o poder de modificar a sentença. No entanto, os advogados do ex-presidente pediram que o STF reconheça que Bolsonaro “desistiu” do golpe e voltaram a defender a nulidade da delação do tenente-coronel Mauro Cid, apontando ainda cerceamento de defesa.
Para o jurista Pedro Serrano, os argumentos já foram objeto de análise dos ministros da Primeira Turma nas preliminares do julgamento, tanto na aceitação da denúncia como no mérito. E, dessa forma, não devem ser acatados pelos magistrados. “Eu não creio que vai ter eficácia, porque, na realidade, eles estão querendo remeter a um debate sobre o qual já houve decisão”, avalia.
“A decisão já respondeu a todas as questões. Embargos de declaração teriam sentido, a rigor, se houvesse obscuridade, ou vaguidade, ou contradição nos argumentos da decisão, o que não é o caso”, analisa o jurista.
Nos recursos apresentados ao STF, a defesa de Bolsonaro pede ainda que os ministros da Primeira Turma revisem a dosimetria da pena, fixada em 27 anos e três meses, alegando “ausência de individualização adequada” e “violação ao princípio da proporcionalidade”. O que, segundo Serrano, visa modificar o resultado da sentença, extrapolando o caráter declaratório dos embargos, além de não ter procedência na ação penal em questão.
“É bem marcada a conduta de cada um na denúncia e na decisão. Tanto que foram divididos até em núcleos. É uma organização criminosa agindo. Então tem ações em que houve uma individualidade homogênea, eu diria assim. Eles atuaram da mesma forma em algumas situações, em outras não. Mas participavam da mesma organização [criminosa], mas cada um com papel diferente”, explica o jurista.
“Tudo isso gera condutas complexas, mas eu achei que o relatório da PF [Polícia Federal], a denúncia e a decisão do Supremo estão muito bem circunstanciadas”, completa.
Sobre a possibilidade da concessão de uma eventual prisão domiciliar por motivos de saúde, Serrano avalia que isso deve ser analisado após o cumprimento da pena. Desse modo, Bolsonaro iniciaria o cumprimento da sentença em regime fechado, em unidade prisional, tendo direito a uma sala segregada dos demais detentos pelo fato de ser um ex-presidente da República.
“As pessoas não podem ter uma impressão errada, achar que o Bolsonaro, como ex-presidente pode ser deslocado para um sistema carcerário comum, não é o caso. Ele pode ter uma pena em regime fechado, mas essa pena em regime fechado vai ter que ser num lugar que garanta a sua segurança como ex-presidente, porque há uma lei federal, inclusive que chega a dar direito a ex-presidentes direito à segurança pessoal, policiais que acompanhem. A ordem jurídica reconhece que um ex-presidente é um sujeito mais vulnerável do que o cidadão comum”, esclarece o jurista.

Segundo Serrano, existe a possibilidade de apresentação de novos embargos, antes de dar-se o trânsito em julgado. No entanto, se os ministros entenderem que os recursos apresentados visam apenas protelar o encerramento da ação penal, podem indeferi-los, dando o processo por encerrado. Ocorrendo o trânsito em julgado, inicia-se o cumprimento da pena.
Impacto político
O advogado e cientista político Jorge Folena descarta que a prisão de Bolsonaro possa gerar um “fato político” capaz de movimentar as bases do bolsonarismo em sua defesa.
“A extrema direita no Brasil tem força, mas tem se mostrado, diante dos últimos acontecimentos, principalmente depois do 8 de janeiro, ela tem se esvaziado muito, tem perdido muito espaço. Eles diziam, inclusive, que se Bolsonaro fosse preso, condenado, o mundo ia acabar. E nós não vimos nada disso. E cada vez mais as manifestações que eles organizam têm diminuído muito”, afirma.
Para o cientista político, não há base de comparação entre uma eventual prisão de Bolsonaro e a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por determinação do então juiz e agora senador Sérgio Moro (União Brasil-PR).
“A prisão de Bolsonaro é um fato que tem se consolidado ao longo do tempo. São situações diferentes. O que aconteceu com o presidente Lula foi uma demonstração de um sentimento que ficou na sociedade, de uma injustiça. No caso de Bolsonaro, todo o país presenciou as provas que o levaram à condenação, as pessoas tomaram conhecimento antes das reuniões ministeriais, falas de Bolsonaro e eventos públicos”, analisa Folena.
Fragmentação interna
A cientista política do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (INCT/SANI/CNPq) Carolina Botelho destaca que a aproximação das eleições de 2026 e a ausência de uma liderança capaz de liderar o grupo político na disputa contra o atual presidente da República é outro fator de enfraquecimento do bolsonarismo no Brasil.
“A extrema direita segue fragmentada, sem conseguir eleger um sucessor desse espólio bolsonarista, e está em guerra para ver quem tomará a dianteira na sucessão da Presidência e nos outros cargos”, considera.
“A família Bolsonaro, como sempre, desorganizou mais o campo do que organizou”, segue Botelho. “Observa-se que grupos diferentes da extrema direita, que antes se uniam em torno de Bolsonaro, agora estão guerreando por espaço político. Até o momento, não se sabe e não se tem certeza sobre um sucessor relevante e competitivo”, afirma a cientista política.
Do espectro político de Bolsonaro, os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), já lançaram suas pré-candidaturas à presidência. Por outro lado, o nome mais forte é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Já o clã Bolsonaro defende que seja um de seus representantes a assumir a liderança do grupo político.
Fator Trump: Lula ganha, Bolsonaro perde
Outro elemento que, na avaliação do cientista político Jorge Folena, contribui para o enfraquecimento do bolsonarismo são as articulações feitas por Eduardo Bolsonaro e outros integrantes do grupo político junto ao governo dos Estados Unidos para a imposição de tarifas a produtos e sanções a autoridades brasileiras.
“Bolsonaro declarou que ele tinha separado R$ 2 milhões para que o filho dele ficasse nos Estados Unidos conspirando contra o Brasil. Isso foi reconhecido pelo Eduardo Bolsonaro, que manifestou que as sanções contra a economia brasileira e contra as autoridades brasileiras foi pedida por eles”, destaca Folena. A recente aproximação do governo brasileiro com o estadunidense é outro fator que provoca ainda mais desgaste para grupo político.
“Havia um envolvimento direto da família Bolsonaro, do Bolsonaro, do Tarcísio de Freitas. Você vê que todos esses agentes que se envolveram diretamente nessa conspiração para as imposições, sanções dos Estados Unidos contra o Brasil, saem totalmente desgastados”, completa.

Já a cientista política Carolina Botelho avalia que uma eventual normalização das relações entre Brasil e Estados Unidos deve ter maior impacto sobre a popularidade do atual presidente, o que, por outro lado, desafia qualquer adversário.
“O impacto dessa situação recai mais sobre o governo Lula, que tem capitaneado e catalisado cada vez mais apoio. Prova disso é que as últimas pesquisas de diferentes institutos têm apontado a liderança de Lula em uma possível reeleição”, avalia Botelho.
Anistia enterrada
Por tudo isso, Botelho não acredita que, em um “curto ou médio prazo”, a pauta da anistia possa avançar no parlamento. “Eu considero difícil que a pauta da anistia volte. Paulinho da Força [deputado federal], que era uma liderança a favor disso, agora se colocou avesso e pediu desculpas, reconhecendo que está diante de um quadro político completamente contrário à questão da anistia”, pondera.
Segundo a especialista, o momento político e a pressão da opinião pública têm tornado o tema cada vez mais inviável.
“A população se colocou contra, e os políticos sentiram isso. A anistia não é uma preferência da sociedade brasileira, e as pesquisas já demonstraram que a sociedade não quer. Adicionalmente, com o quadro mais otimista do governo federal e o aumento da aprovação do governo, essas matérias começam a ficar mais obsoletas para o momento político”, avalia a cientista política.
Alerta: extrema direita se beneficia do caos social
Fragmentada e com a credibilidade comprometida, resta à extrema direita brasileira se apegar a uma de suas principais pautas, com potencial de promover o caos social para desgastar o atual governo, avalia Folena.
“O único projeto político que tem para extrema direita tentar se habilitar eleitoralmente no processo eleitoral de 2026 é a segurança pública”, afirma o cientista político. “Flávio Bolsonaro disse que os Estados Unidos deveriam jogar uma bomba na Bahia de Guanabara, onde tem tráfico de drogas. Ou seja, ele resgatou o argumento do ‘tiro na cabecinha’, do ‘bandido bom é bandido morto’, da pena de morte”, recorda o analista, em referência a uma publicação recente do senador, filho do ex-presidente.
Folena relata uma situação que ele presenciou na última semana, na capital do Maranhão. “Eu pude perceber, in loco, que houve uma tentativa de colocar um terror na cidade de São Luís do Maranhão. O transporte de ônibus foi suspenso, escolas foram fechadas, universidade também”, conta o analista. “Isso aconteceu em São Luis ,na semana passada, hoje o Rio de Janeiro está em estado de terror de pânico nesse momento”, afirma Folena, em referência à megaoperação policial nesta terça-feira (28) nos Complexos da Penha e do Alemão, na zona norte da capital fluminense, e deixou dezenas de mortos. “Fica o alerta”, finaliza.